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OPINIÃO

'Succession': o destino de Shiv Roy em um mundo impróprio para mulheres

Shiv (Sarah Snook) e Tom (Matthew Macfadyen) no último episódio de "Succession" - Divulgação/HBO
Shiv (Sarah Snook) e Tom (Matthew Macfadyen) no último episódio de "Succession" Imagem: Divulgação/HBO

De Splash, em São Paulo

29/05/2023 11h13

Atenção: contém spoilers do episódio final de "Succession"

Embora a grande pergunta para o episódio final de "Succession" fosse aquela que dá título à série (afinal, quem é que vence esse "jogo dos tronos"?), quem observasse atentamente saberia de antemão que a validade para a resposta já havia expirado.

Sim, "Succession" era sobre a linha sucessória da Waystar Royco e quem levaria adiante o legado de Logan (Brian Cox). Mas, como qualquer boa tragédia, a série sempre foi muito mais sobre o que está por baixo disso. Três irmãos profundamente machucados por abuso e negligência parental, bebês bilionários, brigando por um título que, hipoteticamente, daria a eles de volta os anos de falta de afeto.

No final, é claro, a resposta já estava desenhada desde o início. Nada faria os irmãos Roy sentirem que eram genuinamente amados pelo pai, e o legado deles é viver com essa sombra e os pecados que herdaram.

É belo observar o quanto, nos finais de temporada, tudo se alinhava para Tom Wambsgams (Matthew Macfadyen), aquele que nunca deixou de estar ao lado de Logan e sempre soube qual saco puxar, se sentar na cadeira do papai.

É daí, inclusive, que saem os finais de série mais catárticos: ainda que fervendo de raiva ou tristeza pela derrota dos irmãos, não dá para não enxergar a coerência narrativa, mesmo se tratando dos fãs mais fiéis. A venda jamais seria impedida; Matsson (Alexander Skarsgard) precisava de alguém sem princípios e sem moral. E Shiv (Sarah Snook) nunca seria alguém sem ideias para rebater.

A grande "perdeã" da série, aliás, talvez seja a chave para o coração de "Succession". Siobhan é aquela que brigou por um lugar de destaque sob as asas de Logan sendo sempre relegada ao papel de "filhinha do papai", nunca levada a sério o bastante para que suas ideias fossem ouvidas (mesmo sendo ela a única que herdou o faro assassino do pai para o poder).

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'Uma refeição digna de um Rei': Roman (Kieran Culkin), Shiv (Sarah Snook) e Kendall (Jeremy Strong) se divertem juntos no episódio final de 'Succession'
Imagem: Divulgação/HBO

A busca improdutiva de Shiv Roy por um lugar na mesa dos rapazes serve como uma poderosa alegoria sobre o patriarcado que assombra até as figuras mais poderosas. Shiv tentou jogar conforme as peças do pai e dos irmãos para ser vista como igual, mas foi só quando jogou todos os seus princípios pela janela, no penúltimo episódio, que ela conseguiu um resquício de atenção e vitória, ao fazer a ponte entre Matsson e Mencken.

E, ainda assim, vê-la fazendo piadas sobre ser uma mãe tão ausente quanto a sua foi o golpe mais doloroso.

Em um mundo de Logan Roy, as mulheres desempenham o exato papel que alguém como ele desenha. Esposas e amantes se contentavam com uma relação sempre insuficiente. Gerri (J. Smith-Cameron), certamente a única do conselho com destreza para controlar a narrativa sem ser percebida, ficou estável até os últimos minutos por renegar qualquer pretensão de sair das sombras. Shiv, por outro lado, tentou ser um dos homens, e por isso seu pai nunca conseguiu entender quem era sua querida "Pinky".

A escolha de Shiv ao dizer sim para a venda para a GoJo é, ao mesmo tempo, a mais dolorosa e a mais acertada, para ela como personagem e para a coerência narrativa da série.

Ao longo da temporada, ela escolheu apoiar Matsson não por acreditar nas ambições empresariais do sueco egocêntrico, mas por se ver escanteada por Kendall (Jeremy Strong) e Roman (Kieran Culkin) quando os dois tomam para si o posto de co-CEO. Ela enxerga em um estrangeiro a chance de, enfim, ser levada a sério, e exerce todo o seu poder de persuasão para levá-lo exatamente onde ele quer estar.

Mas, como Ícaro, Shiv chegou muito perto do sol. A ironia da tragédia de Shiv é que, nunca tendo sido verdadeiramente notada pelo clã Roy, ela finalmente consegue ter seu poder e sua capacidade vistos por outra pessoa, na figura de Lukas Matsson. E Matsson enxerga tão bem quem Shiv é (ou poderia ser) que prontamente decide que seria perigoso demais para ele ter alguém com tantas ideias quanto ela em uma posição central.

tom e matsson - Divulgação/HBO - Divulgação/HBO
Matsson (Alexander Skarsgard) testa Tom (Matthew Macfadyen) no episódio final de 'Succession'
Imagem: Divulgação/HBO

Siobhan faz a escolha certa para sua sede de poder diante de sua inevitável derrota, mas isso não vem sem um gosto amargo de decepção, a maior de todas sendo dela consigo mesma.

Com Tom, embora ele mesmo um fantoche, ela está mais perto do poder do que estaria sendo a irmã de Kendall — e, tirando dele o trono, nenhum dos três ganha o hipotético "beijinho do papai".

Há que diga que, no posto de primeira-dama, Shiv pode manipular Tom. E é claro que ela poderia, mas esta é a primeira vez que ele não se enxerga abaixo dela, e Tom chegou onde chegou por sempre saber identificar quem é o mais poderoso.

Afinal, Tom foi escolhido por Matsson não por ser um líder confiável, mas por ser quem não tem uma bússola moral nem mesmo para comprar uma briga quando alguém mais rico do que ele diz que deseja transar com sua mulher.