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Por que o cinema e a TV estão obcecados com canibais?

"Grave" (2016), da diretora Julia Ducournau, trata de canibalismo - Divulgação
"Grave" (2016), da diretora Julia Ducournau, trata de canibalismo Imagem: Divulgação

De Splash, em São Paulo

01/12/2022 04h00

Gente comendo gente. O que há de tão fascinante nesta ideia que parece ter tomado de supetão o cinema e a TV? Nos últimos meses, obras audiovisuais que flertam com o tema do canibalismo tornaram-se cada vez mais frequentes. Seria um subgênero do terror nascendo? Por que a Sétima Arte parece tão intrigada com o assunto?

Estreia hoje nos cinemas "Até os Ossos", filme estrelado por Timothée Chalamet que se soma a outros lançamentos com o tema neste ano, a série "Dahmer - Um Canibal Americano" (Netflix) e o terror indie "Fresh" (Star+). Isso, é claro, sem esquecer do documentário que trata das acusações de canibalismo contra o ator Armie Hammer e da série "Yellowjackets", sucesso de crítica disponível no Paramount+.

"Até os Ossos" é baseado no livro homônimo que chega ao Brasil em janeiro, pela Companhia das Letras. O novo filme repete a parceria de Chalamet com o diretor Luca Guadagnino, de "Me Chame pelo Seu Nome" (2017). O longa conta a história de amor entre a jovem Maren Yearly (Taylor Russell) e o marginalizado e intenso Lee. O casal se une numa odisseia de 1.500 km por estradas, enquanto aprendem juntos a viver às margens da sociedade. Na história, o canibalismo é uma peça fundamental para a conexão entre os dois, e tratado até com tons de naturalidade.

De onde vem a obsessão?

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Taylor Russell (à esq.) e Timothée Chalamet (à dir.) em 'Até os Ossos'
Imagem: Yannis Drakoulidis/Metro Goldw

É verdade que não é a primeira vez (e nem será a última) que o canibalismo surge dentro dos subgêneros do terror nos cinemas. Dos filmes de zumbi ao sucesso de "O Silêncio dos Inocentes", a ideia da ingestão de carne humana não é nova para as telas. No entanto, o canibalismo não é apenas uma tendência usada para causar choque, e já mostrou que tem usos temáticos muito versáteis para o audiovisual.

O gênero de terror (e, mais precisamente, do tipo gore) é visto por analistas como uma espécie de válvula de escape para a mente humana. Para alguns, é por isso que causa tanto fascínio. Através das lentes da ficção, é possível olhar com certo encantamento para determinados elementos e acontecimentos que, nas páginas dos jornais, são apenas assustadores e repugnantes.

Por isso, o cinema pede por algo mais elaborado. Se George A. Romero usou seus zumbis para criticar o consumismo capitalista em "O Despertar dos Mortos" (1978), alguns dos filmes atuais dão um passo além neste quesito.

É o caso de "Fresh", terror com tons de comédia estrelado por Sebastian Stan e Daisy Edgar-Jones, que trata do canibalismo como uma forma de discutir misoginia e satirizar estereótipos feministas. Embora não 100% bem-sucedida, a tentativa traz contexto e formatação mais elaboradas do que uma simples quebra de tabu. Em "Até os Ossos", é a conexão entre os dois protagonistas que toma o centro da história, com o canibalismo servindo como uma espécie de ponte.

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Daisy Edgar-Jones em 'Fresh', do Star+
Imagem: Searchlight/Divulgação

Para o professor Bill Schutt, autor do livro "Cannibalism: A Perfectly Natural History" ("Canibalismo: Uma História Perfeitamente Natural", em tradução livre), a fixação do cinema com histórias canibais vem justamente dessa curiosidade quase mórbida com o assunto. E isso, para ele, também vale para histórias baseadas em fatos.

"Eu acredito que começou com 'Bonnie e Clyde', o filme de 1968, quando dava para espalhar sangue por tudo que é canto", disse, em entrevista ao The Hollywood Reporter. "Ficamos insensíveis a sangue e violência, e há uma reação instintiva para a palavra 'canibalismo'. Seja escrevendo artigos de notícia ou ficção, sempre há um gancho."

Por isso, o que estamos presenciando é parte de um ciclo no qual a indústria do audiovisual está inserida. Se a quebra de tabus é o que gera assunto e curiosidade, é necessário constantemente encontrar novos tabus para serem rompidos (e explorados à exaustão antes de surgir outro tão interessante quanto).

O canibalismo parece ser a bola da vez.