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Cid Moreira conta como quebrou protocolo no 'JN': 'Inventei muita coisa'

De Splash, no Rio e em São Paulo

27/07/2022 04h00

Se você olhar o Guinness Book e procurar o nome do jornalista que ficou mais tempo a frente de um mesmo telejornal, você encontra um brasileiro: Cid Moreira. Ele ficou no comando do "Jornal Nacional" entre 1969 e 1996, totalizando 27 anos.

Ter apresentado o principal telejornal do país, claro, rendeu muitas memórias ao jornalista de 94 anos. Dentre elas, a vez que ele surpreendeu o público ao se levantar da bancada e sussurrar parte de um poema.

"O jornal era muito formal. Quando morreu o (Carlos) Drummond de Andrade, a direção resolveu me tirar da bancada e ler um trecho do poema dele em pé, aquele (poema) 'E agora, José?'. Daí, eu combinei com o operador (de câmera): 'ó, não fala nada para ninguém. Eu vou fazer e, no final, vou sussurrar. Então, você aumenta o ganho (de som), tá?' Aí, eu falei o poema e o (trecho final) 'E agora, José?' sussurrando", relembra.

Isso aconteceu na edição de 18 de agosto de 1987, um dia após a morte do poeta, época em que os jornalistas não levantavam da bancada dos telejornais como é habitual hoje em dia.

Eu fui cumprimentado por todos os colegas, entende? Eu inventei muita coisa no jornal.

Cid Moreira quebou o protocolo ao se levantar da bancada do 'Jornal Nacional' e sussurrar um poema - Reprodução/Globo - Reprodução/Globo
Cid Moreira quebou o protocolo ao se levantar da bancada do 'Jornal Nacional' e sussurrar um poema
Imagem: Reprodução/Globo

Hoje é comum o apresentador caminhar pelo cenário do telejornal. É uma das mudanças que ocorreram ao longo das últimas décadas e deixaram os noticiários televisivos mais informais, o que Cid avalia como positivo.

"Tudo no mundo evolui. À época, eu tinha que ficar sentadinho ali. Tinha que me comportar. Hoje, o negócio é mais à vontade, mais informal, né? Então, quando você está num clima de formalidade, fica difícil você sair dele. Naquela época, isso era impossível. Hoje, é possível. E, amanhã, outras ideias surgirão", pensa.

O mundo evolui. O mundo não para. A gente está aqui e está evoluindo. É o nosso compromisso com o mundo, o de evolução.
Cid Moreira

Timidez?

Mas a trajetória profissional de Cid Moreira começou antes da chegada da TV ao Brasil em 1950 e da popularização do aparelho nos anos 1970. Ele começou narrando comerciais para uma rádio de Taubaté, onde nasceu e cresceu, na década de 40, antes de se mudar para São Paulo e trabalhar na Rádio Bandeirantes. Foi viver no Rio apenas em 1951 e passou a trabalhar na extinta Mayrink Veiga, famosa por programas humorísticos.

Na mesma época, começou a trabalhar na TV para fazer comerciais ao vivo na extinta TV Rio. Somente em 1963, apresentou seu primeiro telejornal, também na TV Rio, seis anos antes de estrear no "Jornal Nacional". Apesar de sempre trabalhar ao vivo, ele conta que se considerava tímido.

"Eu era tímido e sofri muito. A maioria passa mal, né? Mas eu sempre dava um jeitinho", lembra, aos risos, após ser questionado se já havia passado mal alguma vez.

Ao longo das décadas, naturalmente, a timidez diminuiu e a voz do locutor e jornalista se transformou um símbolo próprio.

Hoje, a minha voz está melhor que está naquela época.
Cid Moreira

Saudades da televisão?

Depois de mais de 50 anos de carreira, passar pelo rádio, apresentar cinejornais em diferentes estados, o principal telejornal do país e criar um canal no YouTube, Cid Moreira diz que está satisfeito com sua jornada. Ele afirma ainda que fez tudo o que gostaria, não possui qualquer arrependimento profissional, nem saudade do tempo que apresentava telejornais.

"O que o que passou, passou. Há um tempo me perguntaram: 'você não sente saudade?' Não. Eu vivi aquela fase intensamente, gostei e dei o meu melhor. (Fiz) aquilo que eu podia fazer e como era possível fazer na época... Estou satisfeito, pô", afirma.

Mas ele destaca que se orgulha de um trabalho em especial: gravar a Bíblia na íntegra. O projeto levou cerca de sete anos para chegar ao fim.

"Me realizei como profissional ao gravar a Bíblia na íntegra, de Gênesis ao Apocalipse. Um desafio profissional que só o cara que gosta de trabalhar mesmo (faz), se não é impossível. Imagina gravar a Bíblia na íntegra? Foram quase sete anos. Eu fiz tudo, inclusive, o texto, ajeitei os personagens., dirigi, sem ser ator, sem nada... Foi tudo no improviso e eu comecei a me soltar na área artística", diz.

A ideia de gravar a Bíblia surgiu enquanto ele apresentava o "Fantástico" durante as décadas de 1970 e 1980, e narrava textos baseados em matérias do programa no final de cada edição. "Muita gente ficava aguardando o final do Fantástico, esperando aquela mensagem minha", completa.