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Belchior é decifrado em documentário destaque no 'É Tudo Verdade'

Documentário "Belchior - Apenas um Coração Selvagem" é destaque no festival É Tudo Verdade - Reprodução
Documentário 'Belchior - Apenas um Coração Selvagem' é destaque no festival É Tudo Verdade Imagem: Reprodução

Laysa Zanetti

De Splash, em São Paulo

07/04/2022 04h00

Apesar de suas muitas (e belas) palavras, Belchior viveu e morreu como um dos grandes mistérios da cultura e da arte brasileira. Antes de sua partida, em 30 de abril de 2017, o músico manteve o ar enigmático que existia ao seu redor. Afinal, ele havia passado praticamente uma década recluso pelo sul do Brasil.

Este mistério, ainda que atraente como um ponto de partida, continua sem solução no documentário "Belchior - Apenas um coração selvagem", que estreia hoje na 27ª edição do festival É Tudo Verdade. O filme terá sessões presenciais no Rio de Janeiro e em São Paulo a partir das 20h, e sessões online a partir das 21h no É Tudo Verdade Play.

Dirigido pelos realizadores Camilo Cavalcanti e Natália Dias, o longa de 1h31min reúne sem uma ordem cronológica depoimentos do próprio artista, falando sobre si mesmo, seus desejos e seus posicionamentos. Ainda que esteja localizado no tempo em termos sociais, políticos e geracionais, o material deixa claro: o "rapaz latino-americano" continua mais atual do que nunca.

Belchior - Reprodução - Reprodução
Entrevistas, depoimentos e apresentações musicais estão no documentário 'Belchior - Apenas um Coração Selvagem'
Imagem: Reprodução

Um dos grandes acertos do documentário é justamente deixar que Belchior fale de si mesmo, de forma livre e sem uma linha narrativa que precise ser seguida à risca. Os materiais de arquivo reúnem entrevistas, recortes de jornais, revistas e apresentações musicais, e sabiamente foge do formato tradicional de um documentário sobre alguma grande figura da História.

Longe do formato clássico

Ao invés de seguir um formato de enciclopédia, que contaria a origem e seguiria com falas de pessoas que conviveram com Belchior e análises de críticos ou demais especialistas, "Apenas um Coração Selvagem" se preocupa mais em mostrar as ideologias que guiavam o artista. Por isso, o filme reflete sobre a sensibilidade de suas letras e como elas já respondem a muitos dos questionamentos que podem ser feitos sobre ele.

O longa passa por vários âmbitos para ilustrar o que pensava o cantor nascido em Sobral, no Ceará, sobre temas como posicionamento político de artistas e a importância que ele mesmo dava às palavras ditas ou escritas por quem era contrário ao seu trabalho.

É nesta exposição, munida do bom humor de Belchior, que entendemos que talvez o grande segredo do artista fosse sua sinceridade, movida pela arte e para a arte. O documentário não tenta reinventar o músico, e muito menos explicar as minúcias de tudo o que faz de Belchior e de suas canções elementos tão poderosos, que conversam com a modernidade contemporânea com o mesmo peso que tinham há mais de três décadas.

Decifrado por si mesmo

Ao darem destaque para a obra, Cavalcanti e Dias deixam que as letras (algumas delas belamente declamadas por Silvero Pereira, aliás) falem por si. Dessa forma, os realizadores permitem que um mar de elementos distintos formem um belo mosaico de Belchior.

Em certo momento do filme, o cearense reflete sobre uma falta de algo homogêneo em sua obra, e acaba tecendo a maior definição possível da falta de palavras o suficiente para defini-lo:

"Eu creio que a minha música não é uma coisa muito rica ao ponto de me oferecer uma definição artística muito precisa. É uma música muito híbrida, com uma série de muitas influências. Eu gostaria de ter uma mensagem precisa, uma mensagem direta, uma palavra audível, uma coisa quase profética que pudesse atender a esse desejo imenso que as pessoas têm de uma mensagem segura, de uma indicação de caminho. Infelizmente, não tenho essa palavra."

Hoje, olhando para o material reunido pelo documentário, sabemos que a ausência de uma "mensagem direta" para definir a obra de Belchior tem muitas razões. Nenhuma delas é uma falta de riqueza artística.