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'Posso estar enrugada, mas quero neurônios funcionando', diz Marieta Severo

Noca (Marieta Severo) em Um Lugar ao Sol (Reprodução/Globo) - Reprodução / Internet
Noca (Marieta Severo) em Um Lugar ao Sol (Reprodução/Globo) Imagem: Reprodução / Internet

Colaboração para Splash, no Rio de Janeiro

23/02/2022 14h31

Com 75 anos e os cabelos completamente brancos, que pode ser visto em "Um Lugar ao Sol", novela das 21h, em que interpreta a personagem Noca, Marieta Severo afirmou pouco se importar de ficar "toda enrugada", pois o que lhe interessa são os neurônios "todos funcionando".

Em entrevista para a revista "Marie Claire", a atriz foi lembrada de uma vez que falou de botox cerebral em uma conversa para a TV Cultura há alguns anos. Na época, ela havia dito que esse é o tipo de procedimento do seu agrado, pois não se preocupa com as rugas.

"É verdade. Meu grande temor é perder as faculdades mentais, aí a vida acaba. Claro que me cuido, passo cremes. Faço laser para tirar as manchas porque sou uma pessoa do sol. Mas o que desejo é lucidez e inteligência. E olha que eu disse isso muito antes de acontecer o que aconteceu com Aderbal... Posso estar toda enrugada, mas quero os meus neurônios todos funcionando. Porque aí invento a minha vida", disse ela.

Ela contou que, com 30 e 40 anos, não se preocupava com velhice, mas, atualmente, as mulheres, nessa idade, aplicam botox nas rugas.

"Jovens, olhem-se menos no espelho, pelo amor de Deus. Tenho certa preocupação em como serão os egos. Fico vendo as crianças, os adolescentes, e penso: o que vai acontecer na vida dessas pessoas que ouvem o tempo todo que são maravilhosas e incríveis?! A vida é feita de aprovações e desaprovações. Lidar com frustrações é importante. Tenho a impressão de que não há mais espaço para frustração", avaliou.

Sobre os seus cabelos brancos, ela comentou sobre terem virado notícia. "Mas isso é mais uma conquista enorme, não? Porque se fala agora de etarismo, isso não existia anos atrás. Você ficava velha e dane-se", disse ela.

No bate papo, a atriz comentou sobre um processo a partir de uma entrevista ao jornal "O Globo", que viralizou no ano passado. Marieta afirmou que "nunca sentiu uma angústia cívica tão profunda" nos dias de hoje, o que bastou para ganhar uma dimensão nas redes sociais.

"Não sou frequentadora da internet, não tenho rede social. Nunca quis entrar e não sinto falta. Mas sei o suficiente para entender que essa frase pode ter viralizado com sentidos opostos e sinais trocados, porque tudo está assim. Pessoas devem ter se identificado comigo, com a minha dor. E pessoas podem ter dito coisas horrorosas e usado isso para me atacar", disse ela.

Por isso, ela nunca quis se aprofundar na repercussão da internet, porque, segundo ela, os ataques que já chegaram nela são cruéis. "E sempre me dão trabalho, a ponto de eu contratar advogado. Aliás, quando atacaram a minha família foi que falei: 'Parou, preciso de um advogado'", falou.

Questionada se conseguiu processar os agressores, ela disse que ganhou na Justiça. "É claro que tem todos os recursos, em todas as instâncias. E se trata de um dinheiro que, para mim, não é legal porque é fruto de uma dor. Aquilo me feriu profundamente, fiquei mal. Sei que tenho uma família muitíssimo correta. Tenho o maior orgulho de ter criado seres humanos voltados para os melhores valores morais", comentou a atriz.

A atriz comentou que recebeu injúrias há cerca de dois anos, que teria sido próximo da eleição do presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com ela, naquele ano, o Brasil ainda não estava em um período das ameaças como agora fizeram com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

"A verdade é que estamos galgando patamares cada vez piores, terríveis e violentos, nos quais as pessoas estão indo para territórios que, para mim, são proibidos, que são violência física e ameaça. É assustador. E o pior é que está ficando normal. Porque amanhã virá outra barbaridade que fará a gente esquecer a de hoje", disse.

Em seguida, ela afirmou que a maior parte da população passa por um massacre diário. "Estou falando principalmente da fome, da carência total que as pessoas estão passando. A gente está vivendo debaixo dessa incompetência generalizada. Nada funciona, é um país parado. Porque os cargos são distribuídos por critérios que não são os da eficiência", desabafou.

A atriz sempre teve o costume de se manifestar politicamente e foi questionada se, em razão desses ataques direcionados à sua família, ela se perguntou se vale a pena falar o que pensa.

"Olha, vivo de arte, a minha vida inteira foi dedicada à arte. A cultura é praticada por seres humanos. E nós somos seres humanos no mundo. Então, o que tenho que fazer? Tenho que cuidar do mundo. Não é que seja arte engajada, arte com mensagem, não é isso. Quero abrir as portas do engrandecimento do ser humano por meio da quebra de todos os preconceitos, do respeito à posição de cada um. Então, não consigo agir de outra forma. E tem outra coisa: em 1964 eu tinha 18 anos. Era impossível você não se posicionar quando sabia que o seu grande amigo que era líder estudantil tinha sido preso e torturado", disse.

Ainda sobre o posicionamento, Marieta disse que foi criada dentro desse sistema "horroroso" que é a ditadura. "Todo mundo que eu conhecia era contra, e os militares a favor. Tanto que tenho um pé atrás com militar até hoje. Não eles nas funções deles, mas na vida política. Me desculpem todos, mas aprendi isso na carne e no coração, e pelo medo. Do medo de todo dia que Chico [Buarque, por quem foi casada de 1966 a 1999] saía com minhas filhas. A gente recebia uma cartinha em casa no fim do ano: 'No próximo ano, você é o primeiro'. As ameaças eram constantes. Mas nós fomos saudáveis, no sentido de não deixar isso entrar dentro da nossa casa", complementou.

No entanto, a família foi exilada em janeiro de 1969. Ela estava grávida de sete meses da primeira gestação, e foi em Roma, na Itália, que Silvia Buarque nasceu.

Meu médico disse: 'Você pode ficar 20 dias fora e voltar, não pode ser mais do que isso'. O bebê era para abril. Enfim, não fui com enxoval nem nada. Mas aí a gente começou a receber recados de: 'Não voltem'. Você desarmado e o que fala para não voltar com canhão, metralhadora e tanque. Não teve jeito.

Após o nascimento da filha, ela disse que emagreci seis quilos em 15 dias. Isso porque não conseguia comer. "Imagine: primeiro filho, tudo arrumadinho, e eu precisando viver essa experiência num país estrangeiro", disse.

Na conversa, a atriz comentou sobre o casamento com Chico que durou mais de 30 anos e com o Aderbal Freire Filho, que está há quase 20. "Nenhum relacionamento dura 30 anos se não for com amor. Nem amizade. Ninguém constrói nada verdadeiro sem amor. Amor é o que justifica tudo, é o que amortece tudo. Desde o amor à pátria, esse cordão umbilical, até o amor à vida. Sobre os meus casamentos: um foi dos 20 aos 50. Então, fomos duas pessoas que se formaram juntas, cresceram juntas, olharam para o mundo juntas. Tudo que a gente é tem um pouco do outro. Isso é lindo e inestimável. A outra relação é a da maturidade, em que cada um já teve a sua história", afirmou.

Marieta contou que Aderbal também foi casado por 30 anos e também teve uma relação "superbonita". Por isso, ela é grata a ele pela maneira como entrou em sua vida e respeitou sua história e construção. Ela acrescentou que agradece pelo fato de como os dois construíram uma relação próxima e unida mesmo morando separado.

Foi meio natural isso. O Aderbal tinha essa vontade. Eu estava separada havia seis anos e tinha construído o meu espaço. Já tinha o meu armário só para mim, não dava mais para botar nenhum sapato de homem ali.

Porém, após o AVC que o marido teve há um ano e meio, ele foi morar junto com ela. "A vida é muito doida, né? Tenho quase uma unidade hospitalar montada em casa. Eu que cuido dele, e tudo bem. É muito difícil, muito. Aderbal teve um AVC hemorrágico. É um touro, tem uma capacidade de lutar contra isso muito grande, mas as limitações também são muito grandes", disse.