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Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com 'olhos de ressaca', Mariana Ximenes vive Capitu sedutora em novo filme

Mariana Ximenes em cena de "Capitu e o Capítulo", filme dirigido por Julio Bressane - Divulgação
Mariana Ximenes em cena de 'Capitu e o Capítulo', filme dirigido por Julio Bressane Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

28/07/2023 04h00

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Em tempos de "Barbie" e "Oppenheimer" dominando os cinemas, um óvni aterrissa esta semana em poucas salas: "Capitu e o Capítulo". Seu diretor, Julio Bressane, é infelizmente um dos segredos mais bem guardados do cinema brasileiro.

Com mais de 40 filmes no currículo, começou nos distantes anos 1960, dirigindo filmes underground que ajudaram a arejar muito a linguagem do nosso cinema ao lado de seu amigo Rogério Sganzerla.

Se você lembra das aulas de literatura no colégio e encarou a lista de livros do vestibular, deve se lembrar quem é Capitu. É o inferno da vida de Bentinho, o protagonista de "Dom Casmurro" (1899), de Machado de Assis, considerado por muitos o maior romance da língua portuguesa.

A história é até simples: ex-seminarista muito agarrado à saia da mãe quando era menino, Bentinho se casa com Capitu e logo começa a suspeitar que ela o trai com seu melhor amigo, Escobar.

No auge da suspeita, passa a ter certeza de que seu filho, na verdade, não é seu, mas do amigo. Mas não aquilo que Machado conta que importa, mas sim como conta. Como o livro é narrado em primeira pessoa por Bentinho, não temos como saber se aquilo que ele é diz é verdade ou pura paranoia.

Bressane, no entanto, é um cineasta original demais para contar "Dom Casmurro" com começo, meio e fim. Ele pega os personagens e um fiapinho da história do livro e mistura tudo isso com uma infinidade de outras referências que vão de Nelson Rodrigues a Jamelão. Sua paixão por Machado, também conhecido como o Bruxo do Cosme Velho e fundador da Academia Brasileira de Letras, já tinha rendido os filmes "Brás Cubas" (1985) e "A Erva do Rato" (2008), inspirado no conto "A Causa Secreta".

Logo na primeira cena de "Capitu e o Capítulo", o cineasta já aproxima o nosso maior escritor (Machado) do nosso maior dramaturgo (Nelson). Capitu pergunta a Bentinho, em tom desafiador e lascivo: "Você não tem medo de tomar um tapa na cara? De apanhar, tomar um soco?"

A frase certamente não está no livro de Machado, mas cairia como uma luva na boca das mulheres de peças rodriguianas como "Bonitinha, mas Ordinária" ou "Toda Nudez Será Castigada". Outras cenas são carregadas de um erotismo que é muito pouco insinuado em "Dom Casmurro", mas transborda em Bressane.

Uma das diversões de "Capitu e o Capítulo" é ver atores globais que estamos acostumados a ver em novelas atuando num universo tão diferente. Mariana Ximenes não muda tanto assim o registro que vemos na TV para fazer sua Capitu, mas empresta os famosos "olhos de ressaca" à protagonista, sempre ambígua aos olhos do marido. A grande surpresa é Vladimir Brichta, que vive um Bentinho sempre encantado com a sedução das mulheres, e que começa a borrar aos poucos a fronteira entre o que vê e o que sente.

Enrique Diaz vive o próprio Machado de Assis, divagando entre assuntos para muito além do seu maior livro, evocando outros autores fundamentais como Lima Barreto e Álvares de Azevedo. E Djin Sganzerla, uma atriz que orbita fora das novelas, está excelente como a mulher de Escobar e maior tentação no caminho de Bentinho.

Se algum dia você achou Machado de Assis chato, "Capitu e o Capítulo" chega para mostrar que os verdadeiros clássicos sempre podem render novos sambas. É só se deixar levar.