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Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em versão nutella, novo 'Linha Direta' ainda quer mais entreter que educar

Pedro Bial apresentará a nova versão de "Linha Direta" - Fabio Rocha/ Divulgação
Pedro Bial apresentará a nova versão de 'Linha Direta' Imagem: Fabio Rocha/ Divulgação

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Como o mundo anda mais para trás do que para frente, a Globo decidiu resgatar o Linha Direta, programa policial que trazia grandes histórias policiais e fez muito sucesso entre 1999 e 2007. A estreia do programa na última quinta começou conclamando esse passado e mostrando brevemente os apresentadores que ficaram marcados pela atração: Hélio Costa, Marcelo Rezende e Domingos Meirelles.

A emissora prometeu um programa mais alinhado ao politicamente correto dos dias de hoje, mas o que se viu está mais parecido com o original dos anos 90 do que se podia esperar. Uma edição frenética costurou depoimentos atuais, antigos e aquilo que segue sendo o DNA do programa: a reconstituição dos principais momentos de um crime com atores, ainda que sem diálogos.

Motivos não faltam para a Globo resgatar o formato. De um lado, apresentadores como Datena ainda fazem enorme sucesso junto ao público da TV aberta, criando tensão e terror a partir de crimes de todos os tamanhos. Do outro, o "true crime" virou um dos gêneros preferidos das plataformas de streaming. A Netflix começou a exportação do gênero (as séries "Making a Murderer", "Wild Wild Country"), que se espalhou por aqui, em séries brasileiras como "Pacto Brutal - O Assassinato de Daniela Perez"), a de maior repercussão até agora.

Pedro Bial trouxe a credibilidade de décadas de Globo e a passagem por vários programas diferentes para tentar dar ao programa um tom mais "nutella", o que não impediu a reexibição de momentos mais tensos do primeiro crime apresentado: o caso Eloá, que abalou o país em 2008 com as 100 horas de sequestro dela e sua amiga Nayara por Lindemberg Alves, ex-namorado da primeira, em Santo André. O episódio incluiu uma inacreditável liberação e posterior retorno de Nayara ao cativeiro, com a aprovação da polícia, e a morte de Eloá depois que a polícia tentou invadir o apartamento após a explosão de uma bomba. Logo de cara, ao apresentar o crime, Bial deu a senha da proposta do programa: "O drama foi acompanhado como uma novela, ou um reality show". A ideia é transparente: o resgate de crimes para provocar emoções e entreter o espectador.

Programas desse tipo lidam com restrições inevitáveis. Pelo que se pôde entender, nem a mãe de Eloá nem Nayara aceitaram dar novos depoimentos, e esta última foi vista numa longa entrevista ao Fantástico em 2008, ano do crime. Para compensar, fez novas entrevistas com uma vizinha e amiga da família e um dos amigos de Eloá que também ficou refém nas primeiras horas. Num outro momento, o "Linha Direta" se propôs a criticar a atuação da imprensa no caso. Ficou numa corda bamba, já que a própria Globo cobriu exaustivamente o episódio. O Promotor de Justiça lembrou, sem dar nomes, "uma apresentadora" que atrapalhou o trabalho da polícia - era Sônia Abrão, que entrevistou ao vivo por telefone Eloá e Lindemberg para a Rede TV, e teve aí o ponto mais baixo de sua carreira. Normalmente visto na bancada do "Jornal Hoje", César Tralli apareceu como depoente relembrando a cobertura da Globo num tom neutro.

O novo "Linha Direta" se propõe a trazer à tona questões que nem eram debatidas nos anos 90, como o feminicídio e o efeito nocivo das fake news. Nesta estreia, o feminicídio apareceu bem de leve, numa fala de Bial mais ao final, com algumas poucas informações e estatísticas. Foi pouco. A ver se os próximos episódios se aprofundam nesses temas para que o programa não fique só naquilo que sempre fez: prender o espectador no sofá com crimes horripilantes que ficaram cravados no imaginário nacional.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado em versão anterior deste texto, Lindemberg era ex-namorado de Eloá no momento do sequestro, e não namorado. O erro foi corrigido

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL