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Para lembrar enquanto Lula se acovarda: 3 livros sobre a ditadura militar

O golpe militar de 1964 completa 60 anos. Há muitos motivos para lamentar. Motivos do passado e do presente. Ou de um passado que jamais passou. É triste ver o governo Lula se acovardar e proibir atos sobre a data nefasta. 2024 e os civis ainda precisam baixar a cabeça para milicos? Pelo visto, sim.

E é triste perceber como boa parte da sociedade lida com a coisa. Honestamente, não creio mais que desinformação seja a única explicação para ter tantos brasileiros passando pano para os horrores do período e apoiando as barbaridades daqueles que reivindicam o legado podre de ditadores, torturados e assassinos. Há algo mais profundo, sórdido, nessa apaixonada submissão ao coturno.

Meio desiludido que pensei em três livros sobre o período para indicar aos leitores. Ainda vale a pena conhecer a nossa história, por mais deplorável que ela seja.

O primeiro deles é um monumento ao horror, um documento reunido num volume único e também disponível a todos na internet. Falo de "Brasil: Nunca Mais", resultado do trabalho de dezenas de pesquisadores que se debruçaram sobre mais de 700 processos políticos que passaram pela Justiça Militar entre 1964 e 1979.

Reforço: é um olhar para os porões segundo mais de 1 milhão de páginas produzidas pelos próprios milicos. Destaca-se no texto a ampla variedade de métodos de tortura que os representantes do Estado empregaram contra mais de 20 mil brasileiros. Pau-de-arara, choque elétrico, afogamento, cadeira do dragão, coação com jiboias e jacarés, inserção de baratas no ânus das vítimas? Uma grande repertório de desumanização e crueldade.

Muitos torturados, outros tantos desaparecidos. Foi o que aconteceu com Ana Rosa e Wilson Silva, professores da USP que sumiram no dia 22 de abril de 1974. A busca da família pelo casal serviu de inspiração para que Bernardo Kucinski, irmão de Ana, deixasse a "razão racional" do jornalismo e se dedicasse à "razão humana", como me disse certa vez.

Graças ao poder ficcional da literatura que Kucinski chegou a "K. - Relatos de uma Busca", que diz ter escrito com suas entranhas. Os paralelos do romance com Franz Kafka são evidentes: um protagonista chamado K, os absurdos burocráticos, uma força amedrontadora que paira sobre todos.

Merecem atenção os complexos personagens construídos pelo autor ao longo dos capítulos que se alternam entre K. e sujeitos como o pai que passa a conhecer melhor a sua filha após o sumiço. Lançado pela finada Cosac Naify, "K. - Relatos de uma Busca" voltou às livrarias pela Companhia das Letras.

Fecho com a biografia do cara que curtia futebol, foi poeta, político eleito pelo povo e que teve o mandato cassado depois de jogarem o partido comunista na ilegalidade. Também o homem que, perante o que acontecia no país, falou que os brasileiros estavam diante de um impasse: ou resistiam à situação ou se conformavam com ela. Mas alertou: "O conformismo é a morte", frase que sempre me faz pensar.

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Insisto há tempos: os brasileiros deveriam conhecer a história de Carlos Marighella. Não se trata de concordar, discordar, odiar ou idolatrar o político que, acossado por todos os lados, encontrou na luta armada o caminho para batalhar por suas convicções. "Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo", de Mário Magalhães (Companhia das Letras), é uma biografia que mostra ao que podem levar as arbitrariedades, ilegalidades e covardias das instituições.

Para que não nos conformemos com esse passado que segue a atormentar nosso presente e a acinzentar o nosso futuro.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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