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Por que vale a pena ter uma biblioteca em casa

Por que ter uma biblioteca em casa - Rodrigo Casarin
Por que ter uma biblioteca em casa Imagem: Rodrigo Casarin

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

19/07/2023 04h00

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Sábado a morte do chileno Roberto Bolaño completou 20 anos. Faz algum tempo que venho dando atenção para a obra do escritor. Nos últimos anos passei por "2666", "Os Detetives Selvagens", "A Literatura Nazista na América", "A Universidade Desconhecida". Numa feira escolar, enfim arrumei meu exemplar de "Noturno do Chile". A melancolia da efeméride me deixou com vontade de voltar a Bolaño.

Perambulei pelas lombadas da biblioteca. Reencontrei meus dois primeiros Bolaños. Lembro como os adquiri (um na feira da USP, outro numa banca), só não me recordava do que havia dentro deles, da trama, da construção da narrativa. Aproveitei o final de semana para reler "Estrela Distante", edição publicada numa coleção de jornal. Deixei o exemplar cheio de marcas dessa nova leitura. Ficou a ideia: escrever sobre a presença do futebol na obra de Bolaño.

Ter ao alcance das mão livros que nos marcaram e outros tantos que gostaríamos de ler é um bom argumento para manter uma biblioteca em casa, ainda que esteja longe de ser o único. Daí que me surpreendeu ver uma porrada de leitores se descabelando pela internet em pleno domingo depois que alguém fez um post se colocando contra acervos privados.

A pessoa tinha seus argumentos. Defendia as bibliotecas públicas e a circulação dos exemplares. Mencionava como livros se desgastam com o transcorrer do tempo quando não são armazenados em condições ideiais. Alertava que herdeiros pouco afeitos aos calhamaços costumam simplesmente se livrar de todo aquele monte de papel tão logo o primeiro verme roa as frias carnes do antigo leitor.

Ora, a coleção pessoal não é inimiga do acervo público e ter uma biblioteca não significa simplesmente acumular livros; sempre há novidades chegando e antiguidades saindo - o espaço, afinal, é limitado. Sim, livros oxidam, desbotam, desgastam, envelhecem, acumulam poeira, dão trabalho para limpar - mas nem a própria vida nós tocamos em condições ideais. E se herdeiros não estão nem aí para a biblioteca do parente que se foi, isso é bem mais problema deles do que do morto.

E há o outro lado. Entre leitores, é bastante comum encontrar relatos sobre livros que funcionam como elo entre o atual detentor e antepassados, vivos ou mortos, que já cuidaram e deixaram marcas no volume. Há pouco, em sua coluna na Folha de São Paulo, a colega Juliana de Albuquerque escreveu a respeito da própria biblioteca e contou como um dicionário de filosofia e um manual de conjugação de verbos franceses a conecta aos pais e às avós.

Talvez seja comum leitores orgulharem-se de suas bibliotecas. Me parece ser menos uma forma de ostentar conhecimento e mais um caminho para mostrar o orgulho dos recursos que possuem por perto justamente para auxiliar na construção de algum conhecimento. Por aqui, devo minha carreira aos livros que me cercam. E graças ao que encontrei neles e escrevi a partir deles que estou lançando meu próprio livro: "A Biblioteca no Fim do Túnel: Um Leitor em Seu Tempo" (sairá pela Arquipélago e já está em pré-venda).

No simpático "O Vício dos Livros", o português Afonso Cruz, também autor de "Vamos Comprar um Poeta" e dono de uma das bibliotecas mais bonitas do Alentejo, escreve sobre a relação do leitor com seu acervo. Para Afonso, a organização de uma biblioteca pode representar o próprio ser humano.

"Os livros que lemos construíram-nos, constroem-nos, construir-nos-ão. O modo como os juntamos denuncia-nos: os preferidos todos juntos, ou a dialogarem com os inacabados, com os por abrir, tentando fazê-los melhores; poetas ao lado de cientistas ou, pelo contrário, na prateleira mais afastada. Há também que contar com a desordem e a surpresa que ela permite".

Ter a própria biblioteca, independente das dimensões, é uma forma de expressar interesses, cercar-se de inspirações e de construir um lugar seguro, profundamente íntimo, no mundo.

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