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Audiolivros e as nuances que a tecnologia traz para a literatura

Jorge Luis Borges - Arquivo
Jorge Luis Borges Imagem: Arquivo

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

12/06/2023 04h00

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Num dia desses baixei o aplicativo do Storytel, serviço de assinatura de livros em áudio, para dar mais atenção ao formato que tem crescido em nosso mercado. Colocar um fone na orelha e escutar alguém lendo para mim funcionou de forma razoável.

Dá para aproveitar bem os trabalhos de não ficção. Biografias e grandes reportagens, por exemplo, soam semelhantes aos podcasts narrativos. Ouvir "A Metamorfose", de Franz Kafka, também foi um bom caminho para reavivar em minha cabeça uma história que já conhecia.

Tenho minhas ressalvas com o formato na hora de conhecer novas ficções literárias. Por aqui, o ideal é que o primeiro contato com romances e contos seja mesmo com os olhos se entendendo com as letras impressas, de preferência com lápis em mãos. O áudio não permite construir a mesma relação de intimidade com o texto.
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Lembro Jorge Luis Borges sempre que vejo alguém questionando se é válido acessar a literatura por meio de vozes alheias. Um dos grandes escritores e, acima de tudo, maiores leitores do século 20, Borges passou boa parte de sua vida dependendo de uma força para ler. Com a visão muito comprometida desde os 50 e tantos anos - foi morrer aos 86 -, abria a porta de casa para visitas e costumava pedir para que lhe lessem partes de seus livros favoritos.
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Há algumas semanas o escritor Cristhiano Aguiar dividiu com os leitores de sua newsletter, a Linguagem Guilhotina, um pouco da experiência de transformar em áudio o seu livro mais recente, "Gótico Nordestino" (Alfaguara). Um ponto do relato me chamou a atenção: o autor conta que, ao longo do processo, deu pequenas escapadas do texto original, fez ligeiras alterações para deixar a escuta mais fluida.

No novo formato, então, os contos de "Gótico Nordestino" apresentam mínimos detalhes diferentes de sua versão impressa. Cristhiano ainda comenta que o norte do trabalho era narrar, não interpretar a própria literatura. Não é algo simples de se fazer. Nenhuma leitura é totalmente isenta, e digo isso tendo em mente um encontro do final de semana retrasado.
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Estive na Casa Alexa, da Amazon, para fazer a mediação de uma conversa sobre acessibilidade. Uma das participantes da troca de ideias era a artista, cantora e escritora Sara Bentes. Ela nasceu com deficiência visual e perdeu completamente a visão aos 27 anos.

Sara comentou que também prefere os audiolivros para releituras. Na hora de ter o primeiro contato com algum texto, recorre à leitura feita por dispositivos como a própria Alexa. A voz robótica, sem emoção, facilita para que o ouvinte interprete da sua forma o que está sendo narrado, argumentou.

São episódios que ajudam a pensar nas nuances que a tecnologia traz para a literatura.

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