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OPINIÃO

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'Sou um livreiro porque gosto e porque acredito no negócio do livro'

José Luiz Tahan, dono da livraria Realejo e autor de Um Intrépido Livreiro nos Trópicos - Flavio Sampaio
José Luiz Tahan, dono da livraria Realejo e autor de Um Intrépido Livreiro nos Trópicos Imagem: Flavio Sampaio

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

05/04/2023 04h00

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Na biblioteca do artista plástico Gastão que José Luiz Tahan descobriu um jeito peculiar de organizar os livros: o cara encapava todas as obras com papel almaço e, na lombada improvisada, anotava quando e onde tinha comprado o exemplar. Já com Ruy Castro o périplo por Santos quase azedou: foi duro o quiproquó entre o escritor e o dono de um sebo que não topou lhe vender um disco raro.

A publicação de um livro cheio de imagens do Charlie Brown Jr. ficou marcada pela morte do Chorão no meio dos trabalhos. A reunião de crônicas de Pepe, histórico craque santista, por sua vez, nasceu de encontros que só parecem possíveis longe das megalópoles. Pelos corredores da livraria que ainda precisou lidar com gente sem noção querendo adquirir livro por metro (lombadas verdes ou vermelhas, por favor) e com a garota simpática que anunciava estar ali apenas para sentir o cheiro de páginas recém-impressas.

De Histórias com escritores e clientes, reflexões a respeito do trabalho, pensamentos sobre a leitura e murmúrios cotidianos que se faz "Um Intrépido Livreiro nos Trópicos - Crônicas, Causos e Resmungos", de José Luiz Tahan (Vento Leste). Uma novidade sobre livrarias, a obra reúne de comentários em redes sociais a crônicas e artigos escritos pelo autor para veículos como o jornal A Tribuna e o portal Publishnews.

Em que pese algumas repetições (o sogro afeito a peixarias, a amarga transformação da Lello...), é daqueles livros gostosos de se ler, em que passeamos por lembranças divertidas enquanto nos deparamos com olhares sobre os caminhos do mercado editorial desde o início deste século. Isso vindo de uma voz para se prestar atenção em tempos de pindaíba das grandes redes de livrarias - assunto no qual me aprofundei na newsletter.

Um Intrépido Livreiro nos Trópicos, de José Luiz Tahan - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Livreiro há 32 anos, Tahan é dono da Realejo, livraria de rua de Santos que deu nome à editora que toca há uma década e meia. É quase o mesmo tempo em que se dedica a organizar o Tarrafa Literária, festival que colocou a cidade litorânea de meio milhão de habitantes na rota dos escritores.

Dentre erros assumidos (o sofrimento por querer ser grande e se meter a abrir loja num shopping, por exemplo), aprendizados (compreender a essência da Realejo) e aceno a outras livrarias, como a Travessa, a Mandarina, a Folha Seca e a vizinha Martins Fontes, Tahan divide com os leitores muito sobre a sua profissão. De cara, elenca uma série de perguntas que comumente ouvimos por aí, especialmente quando os ventos não parecem ser dos melhores para o setor:

"Quantas vezes (eu, é claro, perdi a conta) me perguntaram se eu vivo disso, de vender livros!? Quantas vezes me perguntaram se tenho outras formas de ganhar dinheiro? Quantas vezes afirmaram na minha cara cansada que ninguém lê no Brasil? Outras trocentas vezes me perguntaram como eu vendo livros em papel se todo mundo agora lê e-books. Ou ainda me disseram: 'mas na Amazon está bem mais barato, como você consegue ainda estar por aqui?'".

Em seus textos Tahan é incisivo: "Sou um livreiro porque gosto e porque acredito no negócio do livro". Dispensa, assim, alguns termos da moda. "Não me venham com 'resistência', 'resiliência' e quetais. Claro que é difícil, assim como é difícil ser engenheiro, mas é um prazer antes de tudo", brada aqui. "Não estou numa trincheira; estou num balcão de livraria de rua numa cidade letrada", argumenta acolá.

"Um Intrépido Livreiro nos Trópicos" é um livro sobre livros. E, mais do que isso, é um livro sobre pessoas que vivem entre livros. Daí o "pequeno e incompleto comentário" de Tahan, há mais de três décadas nessa praia, a respeito do que tem rolado com algumas grandes redes de livrarias no Brasil: "Pagou-se um preço e um castigo alto ao se economizar nas gentes e investir em tijolos".

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