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O que Ariano Suassuna pensaria do novo 'Auto da Compadecida'?

Selton Mello e Matheus Nachtergaele interpretaram João Grilo e Chicó em O Auto da Compadecida - Reprodução
Selton Mello e Matheus Nachtergaele interpretaram João Grilo e Chicó em O Auto da Compadecida Imagem: Reprodução

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

15/03/2023 04h00

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No domingo, enquanto o Oscar distribuía estatuetas para o povo de "Tudo em Todo O Lugar Ao Mesmo Tempo" e de "Nada de Novo no Front", este baseado no livro do alemão Erich Maria Remarque, uma notícia corria entre os brasileiros com tom de surpresa. Matheus Nachtergaele e Selton Mello, atores que interpretaram a memorável dupla João Grilo e Chicó, tinham acabado de divulgar: num futuro ainda incerto teremos "O Auto da Compadecida 2".

No comunicado conjunto prometem um "retorno ao terreno mágico de Ariano Suassuna", celebrando a memória do autor que morreu em 2014, aos 87 anos (aqui um episódio do podcast sobre a obra de Suassuna). A direção ficará com Flávia Lacerda e Guel Arraes, que dirigiu a minissérie global depois transformada em filme no final da década de 1990. Mas se a história de "O Auto da Compadecida", peça escrita em 1955, já foi levada às telas por esse mesmo pessoal, então o que virá?

Há indícios. No meio de fevereiro, durante o carnaval, o portal Bahia Notícias publicou uma breve entrevista com Luís Miranda. Nela, o ator dizia se preparar para a continuação de "O Auto da Compadecida", no qual interpretará "um malandro que ensinou as malandragens para João Grilo". A história, ou pelo menos parte dela, se passará num tempo anterior ao retratado na obra da década de 1990, podemos supor.

Não será surpresa se a direção se apoiar em outros títulos de Suassuna para criar o novo roteiro. Isso já aconteceu no trabalho de décadas atrás, aliás. "O Auto da Compadecida" que assistimos na televisão ou nas telonas tem também passagens e personagens das peças "A Pena e a Lei", "O Santo e a Porca" e "Farsa da Boa Preguiça", além de temperos colhidos da obra de autores como Boccaccio e Shakespeare.

Suassuna autorizou essa miscelânea, ainda que olhasse com certo pé atrás para a junção de sua obra com a de autores de outros cantos e outras épocas. Tanto que quando a Globo propôs filmarem uma nova série, desta vez maior, com 12 episódios retirados de seus textos e de alguns clássicos, barrou a ideia.

"A princípio, grato ao diretor e aos atores do 'Auto da Compadecida', pensei em aceitar. Mas tinha medo de banalizar e vulgarizar João Grilo e Chicó num seriado artisticamente inferior ao 'Auto'; assim como temia ver os dois como protagonistas de episódios que não eram meus", escreveu Suassuna no artigo "João Grilo, Chicó e os Clássicos", publicado em abril de 1999 na Folha.

Como o próprio diretor definiu em entrevistas, "O Auto da Compadecida" é uma série de pequenas histórias que retratam a vida de homens que precisam dar seu jeito de driblar a miséria, sobrevivendo graças à coragem e à esperteza. Essas passagens são amarradas pela memorável cena na qual João Grilo precisa dar explicações a Deus e ao Diabo. Resta saber se para a continuação do filme as novas tramoias serão retiradas da enorme obra de Suassuna ou pescadas de outras páginas, criadas por outras mentes.

Ao pensar a própria arte, Suassuna, sempre zeloso, parece ter deixado claro como encarava a questão.

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