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OPINIÃO

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Confusão com corintianos e morte no avião: histórias de 40 anos de Titãs

A formação clássica da banda Titãs - Divulgação
A formação clássica da banda Titãs Imagem: Divulgação

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

13/03/2023 04h00

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Publicado pela primeira vez em 2002, quando os Titãs completaram 20 anos de estrada, "A Vida Até Parece uma Festa" ganhou nova edição no final do ano passado, com a banda dobrando o tempo de vida e chegando aos 40 anos de atividade. Os jornalistas Luiz André Alzes e Hérica Marmo voltaram ao texto para acrescentar histórias que rolaram com os músicos nessas últimas duas décadas.

Lançada pela Globo Livros, a obra mostra como encontros ainda na escola ganharam corpo, passaram de mera brincadeira e resultaram numa das principais bandas da história do país. Banda que começou gigantesca, com oito integrantes na escalação clássica (Branco Mello, Sérgio Britto, Tony Bellotto, Nando Reis, Charles Gavin, Marcelo Fromer, Arnaldo Antunes e Paulo Miklos), e aos poucos se tornou mais enxuta. Estão bem contadas não só as conturbadas saídas de ícones como Arnaldo e Nando, mas também a trágica morte de Fromer.

Está lá também o bom gosto de Marcelo à mesa, exemplo de como os autores delineiam perfis de cada um dos músicos que fizeram os Titãs. Também merece destaque a forma como Luiz e Hérica reconstroem a composição dos discos da banda e acompanham a recepção dos trabalhos pela crítica e pelo público ao longo desses 40 anos.

É gostoso se aproximar dos bastidores da criação de músicas como "Sonífera Ilha", "Bichos Escrotos" e "Epitáfio". "A Vida Até Parece uma Festa", aliás, é daqueles livros que tendem a agradar não só quem é fã dos Titãs, mas também quem tem algum tipo de interesse pela história da música no Brasil, especialmente do rock.

Eis algumas boas passagens da obra:

A história do samba no Fusca de Serginho Groisman

Agitador cultural no colégio onde os Titãs se conheceram, um jovem Serginho Groisman, hoje apresentador de TV, chamava para si a responsabilidade de fazer com que grandes encontros acontecessem. Dessa forma que colocou em seu Fusca boa parte da história do samba brasileiro:

"Serginho Groisman também passava seus sufocos. Alguns por causa nobre, como num show histórico no pátio do colégio, que reuniu a nata do samba. Contando apenas com a boa vontade de Branco, Marcelo e de alguns outros alunos, ele fazia um pouco de tudo. Servia, inclusive, de motorista para buscar os artistas nos hotéis. Foi assim que, naquela tarde de 1979, Serginho botou no banco traseiro de seu Fusca Nelson Cavaquinho, Cartola com sua mulher, Dona Zica, e Clementina de Jesus. No banco da frente, Delegado da Mangueira. 'Se eu bato esse carro e só eu sobrevivo, me matam. A história da música brasileira está nas minhas mãos', não parava de pensar. E lá se foi Serginho a pouco mais de 30km/h, trêmulo, desviando até de bueiro tapado na rua. A apresentação começou com um ligeiro atraso, mas com todos são e salvos".

Porradaria em Santos

Num show em Santos, com plateia formada por "playboys", a coisa esquentou para o lado dos Titãs depois que os músicos desceram do palco para dançar com mulheres que estavam por ali. Depois do show, parte da banda voltou andando para o hotel. Foram, então, importunados por um homem:

"Um valentão cheirando a álcool e com um corte na testa resolveu esfregar a camisa ensanguentada na cara de Marcelo Fromer. Justamente o titã com pavio mais curto. Marcelo, claro, aceitou a provocação. Empurrou o sujeito no chão e continuou andando, acompanhado dos outros. Só que logo à frente pararam três carros. De dentro saiu uma dúzia de amigos do valentão bêbado. O tempo fechou. Britto distribuiu e levou socos, Arnaldo deu uma tesoura voadora no peito de um playboy e todo mundo foi carimbado com hematomas. No meio da confusão, Rachel, mulher de Paulo e grávida de Manoela, conseguiu escapar com o minguado cachê do grupo enfiado dentro do sapato".

"Odeio os Titãs"

Lendo um jornal num voo de São Paulo para o Rio que Charles Gavin trombou com uma declaração surpreendente: "Odeio os Titãs. Mas, se for para publicar, diz que eu adoro e tenho todos os discos". A citação, que o baterista logo mostrou para os colegas, era atribuída a uma atriz que fazia sucesso na Globo.

"Mas o destino sempre surpreende e, meses depois, essa mesma triz cruzou no saguão do hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, com um sorridente rapaz de olhos verdes. Foi amor à primeira vista. Eram eles Malu Mader e Tony Bellotto. A atriz, então com 21 anos, nunca havia visto aquele homem na vida, mas ao dar de cara com ele na saída do elevador teve uma inexplicável sensação de que seria seu marido e com quem teria filhos".

O romance engatou - dura até hoje. Então, Malu explicou ao namorado a declaração publicada pelo jornal:

"Eu recebi uma ligação de uma jornalista que estava fazendo uma enquete sobre os Titãs. Disse que não poderia participar por não conhecer direito a banda. Mas a repórter insistiu tanto que eu falei que podia botar que eu adorava e tinha todos os discos. Não imaginei que ela fosse escrever aquilo".

Depois, num dos primeiros shows que esteve junto com a banda, a atriz foi interpelada por Charles: "Agora você gosta dos Titãs?", quis saber o músico. "Bastou uma conversa sincera entre os dois para que o baterista deixasse de lado o ressentimento".

A Vida Até Parece uma Festa, livro sobre os 40 anos dos Titãs - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Confusão com corintianos

Apesar de ser palmeirense, Branco Mello costumava torcer para qualquer time de São Paulo que jogasse contra equipes do Rio. Certo dia, num jogo de Libertadores entre Corinthians e Flamengo, foi ao Pacaembu e começou a se irritar com a pouca bola jogada pelos corintianos. Com o placar marcando 2x0 para os cariocas, passou a vaiar e xingar os jogadores do time paulista junto com o resto da torcida. Até o momento em que foi reconhecido por um garoto:

"- Ei, aquele ali é o Branco Mello, dos Titãs. E o Branco é palmeirense! - falou alto, para todo mundo escutar.

Foi o suficiente para os corintianos, já inconformados com o jogo medíocre do time, ficarem tomados de raiva.

- Palmeirense xingando meu time eu não aceito! - gritou um.

- Ô, palhaço, torcedor do Palmeiras aqui não tem vez não! Vai torcer pra bosta do Flamengo! - berrou outro.

O clima pesou. Acuados e ameaçados, Branco, Charles e [o ator Marcelo] Serrado se sentiram obrigados a deixar as cadeiras antes do intervalo e foram para o lado das cabines de rádio. Uma atitude sensata. No segundo tempo, com o Flamengo dando um baile em campo, o Pacaembu se tornou uma panela de pressão prestes a explodir: os torcedores do Corinthians começaram a atirar garrafas de cerveja no gramado e aos 26 minutos invadiram o campo"

Choque de gerações

Meados da década de 1990, um grande show no Sambódromo do Anhembi com os Titãs fechando a noite, mesmo com as vendas dos últimos álbuns ficando bem abaixo do que as bandas mais badaladas do momento vendiam:

"Nos camarins, as marcas de vendas também não faziam diferença. Fenômeno popular, como a música brasileira não via desde os tempos de RPM, graças às debochadas 'Vira-vira', 'Pelados em Santos' e 'Robocop gay', os Mamonas [Assassinas] não resistiram quando deram de cara com os Titãs. Esqueceram que também eram artistas e trataram de pedir autógrafos e tirar fotos com os ídolos.

Ainda assim, o confronto de gerações era inevitável.

- Como o Skank pode abrir o show de vocês, se eles fazem muito mais sucesso? - perguntou Nina, então com treze anos, para o pai Tony Bellotto.

Magoado, o guitarrista respondeu:

- Eles fazem agora?"

Morte no avião

Final dos anos 1990, viagem para Lisboa para um show reunindo os dois álbuns acústicos gravados pela banda naquela época. Um triste incidente no voo foi o episódio mais marcante da turnê:

"Quando o jantar era servido, por volta da uma da madrugada, um homem começou a passar mal. Os tripulantes acudiram, fazendo massagem cardíaca. Uma comissária de bordo perguntou se havia algum médico no voo e dois se apresentaram. Ao verem a gravidade da situação e perceberem que provavelmente o homem estava enfartando, todos os Titãs viraram os olhos para o recém-operado Branco, preocupados com sua reação. O vocalista, porém, estava entretido com seu vinho e sua comida e não se abalou com a movimentação dentro da aeronave. Depois de os médicos tentarem reanimar o passageiro, foi a vez de um padre passar em direção à poltrona do sujeito. Quando viu o religioso voltando, Branco resolveu perguntar:

- E aí, padre, o que aconteceu?

- Perdemos um irmão.

O titã abaixou a cabeça e voltou ao seu jantar. Pensou em como era bom estar vivo. Como era bom não ser ele o enfartado. O homem viajava sozinho e sua morte não chegou a ser uma comoção. Mas também ninguém pôde ignorar que havia um cadáver naquele avião. O corpo ficou estendido em frente ao banheiro e foi companhia para todos até o desembarque".

Rita Lee: Caralho!

Durante o processo de saída de Paulo Miklos dos Titãs, em 2016, Beto Lee foi chamado para fazer parte da banda que acompanhava desde criança. Sérgio Britto que telefonou a Beto para firmar o convite:

"Antes de terminar a chamada e deixar combinado que, por enquanto, tudo seria extremamente confidencial - além da excursão pelos Estados Unidos, Paulo cumpriria agenda de shows por mais dois meses -, Beto fez apenas um pedido.

- Posso contar só pra minha mãe?

A novidade foi recebida pela rainha do rock brasileiro com a espontaneidade que lhe é peculiar.

- Caralho! - reagiu Rita Lee".

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