Topo

Página Cinco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nos livros e na vida: Caminho para não ser um imbecil orgulhoso

Rita Santana, Itamar Vieira Junior, Luciany Aparecida e Antônio Torres na mesa de abertura da 3ªedição da Flipf - Waldyr Lantyer
Rita Santana, Itamar Vieira Junior, Luciany Aparecida e Antônio Torres na mesa de abertura da 3ªedição da Flipf Imagem: Waldyr Lantyer

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

05/08/2022 12h24

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Antônio Torres, integrante da Academia Brasileira de Letras, autor de obras como "Essa Terra" e "Meu Querido Canibal" (Record), lembrou Plínio Marcos para falar da jornada de um imbecil até o entendimento. Ele se referia à criação de personagens, ao caminho a ser explorado e descoberto quando começa a esboçar e, depois, a definir pessoas que habitam suas obras. No começo há a vontade, há o desejo, mas pouco além disso. É no passo a passo, com os estudos, com o trabalho, com a dedicação, que passa a compreender a criatura. Assim, deixa a imbecilidade para trás e alcança certo entendimento.

Torres comentou essa jornada no papo com o colega Itamar Vieira Junior que abriu a 3ª edição da Flipf, a Festa Literária Internacional de Praia do Forte. O evento baiano começou ontem, dia 4 de agosto, e irá até domingo, dia 7. Escrevo aqui de orelha em pé, enquanto escuto o papo sobre modernismo baiano entre Lia Robatto, Kátia Borges e Francesco Perrota-Bosch mediado pela jornalista Josélia Aguiar, curadora desta edição da Flipf.

Numa mesa mediada por Luciany Aparecida e pontuada por leituras feitas por Rita Santana, bom entusiasmo com a produção nacional. Itamar lembrou a história junto aos livros, no início marcada pela leitura de autores brasileiros da primeira metade do século 20 (tempo de Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz?), para dizer que, ao se embrenhar pelos clássicos mundiais, notou: nossa literatura nada devia às demais.

Já para Torres, "Itamar resgatou o leitor para a literatura brasileira", isso graças ao fenômeno editorial "Torto Arado" (Todavia), que se aproxima dos 400 mil exemplares vendidos. Empolgado, o veterano foi além. Disse ter a impressão de que nunca se escreveu tanto e tão bem quanto no Brasil de hoje.

Não sei e não sei. Se comparar autores já é difícil, comparar tradições literárias é ainda mais complicado. E se a tecnologia ajuda a termos uma publicação gigantesca de títulos no país, por outro lado faltam bases sólidas e distanciamento para definirmos como a produção atual se relaciona qualitativamente com a de períodos diversos. A discussão, em todo caso, é boa. Deixo o registro para talvez retomar o assunto em outra ocasião.

Voltemos ao foco do texto. Torres comentava da jornada da imbecilidade ao entendimento na criação de personagens e eu pensava como isso também se aplica à jornada do leitor. Normal abrirmos um livro com certa vontade e algumas informações básicas, como noção do enredo. Há aqueles que nos entregam tudo logo de cara, pouco exigem do leitor e deixam nele a impressão (provavelmente falsa) de domínio absoluto do que tem em mãos.

E há aqueles nos quais quanto mais andamos, mais temos a sensação de desnorteio. Damos cabeçadas, ficamos angustiados, algo putos, às vezes frustrados. Só lá pelas tantas que começamos a nos achar e a tentar estabelecer alguma compreensão mais sólida. "2666", de Roberto Bolaño (Companhia das Letras), deserto mórbido onde ainda estou metido, vem à cabeça como exemplo positivo desses livros - que podem ser tão complexos quanto péssimos, vale lembrar. Em todo caso, são eles que exigem de nós disposição para romper com a imbecilidade para alcançarmos o entendimento possível.

São tempos de tecnologias intuitivas e de cada vez mais gente exigindo que tudo esteja dado logo de cara, só de bater o olho, sem paciência para tentar compreender o que é um pouco mais complexo, construir uma trajetória de entendimento. Nesse cenário, a consciência da própria imbecilidade é fundamental para não chafurdarmos orgulhosamente nela.

Viajei para Praia do Forte a convite da FliPF.

Você pode me acompanhar também pelas redes sociais: Twitter, Facebook, Instagram, YouTube e Spotify.