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Mauricio Stycer

Em livro, Claudia Raia fala abertamente sobre erros e brigas na carreira

24.mar.2014 - Cláudia Raia participa de aula-show  sobre musicais no teatro Sesi em São Paulo  - Marcos Ribas/Foto Rio News
24.mar.2014 - Cláudia Raia participa de aula-show sobre musicais no teatro Sesi em São Paulo Imagem: Marcos Ribas/Foto Rio News

Colunista do UOL

12/11/2020 06h01

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Perto dos 54 anos, Claudia Raia ainda é muito jovem para publicar uma autobiografia, a não ser que este "Sempre Raia um Novo Dia" seja apenas o primeiro volume. Em todo caso, o livro recém-lançado preenche os principais requisitos do gênero: traz ótimas histórias, não evita temas espinhosos e se lê com prazer.

Escrito em parceria com a roteirista Rosana Hermann, o livro reconstitui de forma cronológica, desde a infância, a trajetória pessoal e profissional da atriz polivalente, dançarina e produtora.

Raia livro - Reprodução - Reprodução
"Sempre Raia um Novo Dia" (Harper Collins, 256 págs., R$ 44,90)
Imagem: Reprodução

Claudia se tem em alta conta, qualidade necessária para escrever uma autobiografia tão cedo, e por isso não hesita em relatar episódios que a desabonam. Desde uma mentira contada na infância, que causou a demissão de uma pessoa, até o apoio à eleição de Fernando Collor, em 1989, que lhe trouxe prejuízos materiais, os erros são narrados com bastante naturalidade. Mais do que superados, parecem que foram cometidos por outra pessoa.

O livro trata em detalhes de quatro histórias já muito narradas por Claudia em entrevistas: o romance com Jô Soares ("o primeiro grande amor da minha vida"), o casamento com Alexandre Frota ("a atração física falava mais alto"), o namoro que não houve com Faustão ("Ele queria muito, mas eu o tinha como amigo") e o casamento com Edson Celulari ("dezessete anos de amor, amizade, respeito, admiração e nenhuma briga").

Mais interessante, ao menos para mim, são as histórias que Claudia conta dos bastidores da Globo, onde trabalha desde 1983 ("Viva o Gordo"). Com bastante franqueza, ela revela dificuldades, desentendimentos e erros, além dos muitos acertos e sucessos que acumula nestes 37 anos.

Os casos relatados mostram algumas características que Claudia esbanja: autoconfiança, coragem e cara de pau. Sem falar do talento, é claro.

Frustrada com o diminuto tamanho de sua personagem em "Roque Santeiro" (1985), a dançarina Ninon, Claudia resolveu questionar o diretor Paulo Ubiratan (1947-1998) durante as gravações. "Eu vim aqui para perguntar se fazer novela é só mostrar a bunda", disse ela. "Não necessariamente. Começa na bunda, mas se você tiver talento um dia a câmera chega na sua cara", respondeu ele.

Raia Tonhão  - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
Claudia Raia interpretou Tonhão em TV Pirata
Imagem: Reprodução/TV Globo

Claudia revela que só entrou no "TV Pirata" (1988-90) por indicação de Daniel Filho. "O diretor era Guel Arraes, que não me queria no elenco (tampouco o Ney Latorraca). Ficava aquele desconforto de estarmos ali só porque Daniel e Boni mandaram". Guel teria sido contra, inclusive, ela fazer a presidiária lésbica Tonhão, um ponto de virada em sua carreira.

A atriz fala também do trauma que foi fazer "Terra Nostra" (2000). Ela conta que o autor, Benedito Ruy Barbosa, não conseguiu desenvolver o personagem que imaginou e, por isso, pensou em escalar uma atriz mais inexperiente, mas Claudia insistiu em fazer. "Quando um autor não quer, não adianta insistir. Nunca mais farei uma coisa dessas", diz.

Lamenta, ainda, ter participado de "Sete Pecados" (2007), de Walcyr Carrasco, "uma novela em que nada deu muito certo", "teve erro de escalação, excesso de personagens, papeis confusos".

A Favorita - Globo/Frederico Rozario - Globo/Frederico Rozario
Patricia Pillar e Claudia Raia como Flora e Donatela, as protagonistas de 'A Favorita'
Imagem: Globo/Frederico Rozario

E, por fim, fala muito sobre Donatella de "A Favorita" (2008), que representou "um turning point, uma novela que me jogou muito para cima, me deu o famoso upgrade". Ainda assim, a atriz descreve os muitos desentendimentos com o diretor Ricardo Waddington sobre a forma de interpretar a personagem.

"Nas gravações, chorei muito, ele falou um monte de coisas para mim, e eu revidei". A atriz conta que escondeu os óculos do diretor, impedindo que ele trabalhasse. E só os devolveu após um pedido público de desculpas no meio do set. "A temperatura baixou, criamos uma ponte, e acabou tudo em amor".

"Sempre Raia um Novo Dia" (Harper Collins, 256 págs., R$ 44,90) consegue, assim, ser mais do que uma mera autobiografia complacente. O livro ajuda não apenas a conhecer melhor Claudia Raia como também oferece ao leitor a chance de bisbilhotar um pouco a indústria do entretenimento em que ela atua há tanto tempo.