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Por que essa cidade de Portugal é conhecida por vender pênis de louça?

Natália Eiras

Colaboração para Nossa, em Lisboa (Portugal)

23/04/2024 04h05

A cerca de 100 quilômetros de Lisboa, em Portugal, encontra-se uma pitoresca cidade chamada Caldas da Rainha. Seus pontos turísticos são o Hospital Termal, fundado pela rainha D. Leonor em 1485 —e que a teria curado de diversas enfermidades—, a feira de frutas e legumes mais antiga de Portugal, com mais de 500 anos de existência, e as lojas de cerâmicas que vendem uma infinidade de pênis.

"O" das Caldas. Sardas. Falos. São alguns dos nomes que essas peças receberam ao longo do tempo. Alguns podem considerá-las ofensivas, mas elas fazem parte da história e ajudam a divulgar a cerâmica da cidade.

De acordo com a antropóloga e gestora cultural Nicole Costa, diretora do Museu da Cerâmica de Caldas da Rainha, a trajetória desta atividade começou pelas mãos de uma mulher: Maria dos Cacos.

Dos tempos da monarquia

No início do século 19, a artesã, recém-viúva, herdou uma olaria e criou uma das primeiras peças tradicionais da produção da cidade: a mulher-garrafa, uma jarra em formato de mulher com roupas típicas portuguesas e com cor e vidrado característicos da região. Depois dela, a região teve ceramistas importantes como Manual Mafra e Rafael Bordalo Pinheiro, cujos trabalhos estão até hoje espalhados por Caldas.

Não se sabe ao certo, porém, qual é a verdadeira origem da peça mais emblemática de Caldas da Rainha, que é o pênis. A teoria mais aceita pelos pesquisadores é a de que ela foi feita pelo oleiro João Bandalho ainda no século 19.

Imagem: Natália Eiras

Diz-se que ele foi incumbido pelo Manuel Mafra e pelo rei Dom Luís de criar uma peça divertida, para ser oferecida como um presente pelo rei.
Nicole Costa, diretora do Museu da Cerâmica de Caldas da Rainha

Foi assim que surgiu o falo, que é amado e odiado desde aquela época. "Claramente houve quem criticasse bastante a produção, mas apesar das eventuais críticas, acredito que houve um frenesi em torno da peça porque continuou a ser produzida", diz a gestora cultural.

Os falos até podem ser bem tradicionais, mas a bem da verdade é que, por muito tempo, eles não ficavam expostos o tempo todo. "Eram cobertos ou escondidos para evitar constrangimentos", diz Nicole.

De falo de fora

Em uma das ruas mais tradicionais de venda de cerâmicas de Caldas da Rainha, há uma vitrine que chama a atenção: são pênis de vários tamanhos e calibres, em concreto. É a Loja do Ca..lho. "Coloquei os dois pontinhos no nome para ficar algo assim mais elegante", explica a artesã Monica Correia, 43.

Apesar da tradição dos falos ser antiga, o estabelecimento existe desde 2016. Natural de Caldas da Rainha, a ceramista faz as peças junto com seu companheiro e foi responsável por deixar o falo de fora. Com a vitrine que chama atenção das pessoas e convida turistas a fazerem fotos, sem constrangimento em mostrar as peças, há quem diga que o estabelecimento foi bastante importante para tirar as peças dos fundos das lojas dos artesãos.

Imagem: Natália Eiras

São falos com asas, em cores como roxo e vermelho, em broches e imãs de geladeira. Por mais que seja uma entusiasta e defensora da arte e uma mulher feminista, Monica entende que há algumas versões do item que podem ser ofensivas.

"Havia uma versão de extremo mau gosto que tinha uma vulva na base do falo", explica. Para contrapor isso, a artesã criou uma vulva de cerâmica com uma coroa. E, hoje, ambas as peças estão livremente expostas pela loja.

Já em um estabelecimento que é também um café está Luís Andrade, 58. Ele trabalha há 40 anos com cerâmica e faz peças mais tradicionais, com humor escrachado em canecas e jarras. Para o artista, os falos são uma expressão artística importante de Portugal.

O português não tem muito senso de humor, então ele precisa de algo mais chocante para rir.
Luís Andrade, artesão

Arte não é exclusiva de Portugal

Imagem: Natália Eiras

"Vale salientar que os Falos das Caldas, bem como a produção artística com esta temática, não são exemplares isolados. De uma maneira geral, os falos e outras expressões associadas ao corpo e à sexualidade acompanham a história da arte", comenta Nicole Costa.

Um exemplo são os pênis de madeira que são muito comuns na Grécia. "Em Caldas da Rainha, assumiu um feitio específico e peculiar desta localidade, e esta singularidade é que torna o Falo das Caldas tão reconhecido e especial."

Tanto que a cidade se tornou uma Cidade Criativa Unesco desde 2019. "Por este contexto e trajetória, acredito que os Falos das Caldas são uma expressão artística que denotam a expressividade, a criatividade e a irreverência desta localidade."

Imagem: Natália Eiras

Nicole Costa diz que o Museu da Cerâmica tem, em seu acervo, um dos falos mais antigos que se têm guardado, de 1922. Ele esteve em exposição em 2022, mas, por conta da rotatividade dos artefatos do museu, ele não está disponível para visitação. "Entretanto, esperamos colocar os Falos do Museu da Cerâmica em exposição novamente por serem muito significativas para a história da cerâmica caldense", diz.

Mas a gestora cultural não exalta apenas a importância artística e histórica d'O de Caldas. "Eles podem colaborar para divulgar outros artistas e produções da cidade, ao mesmo tempo nos ajudam a entender épocas passadas e a prospectar futuros em que as conversas sobre o corpo humano colaborem para eliminar violência, sobretudo contra mulheres e crianças", afirma Nicole.

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