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Nias: a ilha da Indonésia onde os mortos são enterrados no quintal

Imagem: Júlia Flores

Júlia Flores

Colaboração para Nossa

22/04/2024 04h05

Em meio a praias paradisíacas, pequenas vilas e arrozais, um detalhe chama a atenção em Nias, a 125 km da costa norte de Sumatra, na Indonésia: centenas de cruzes e túmulos espalhados pelos quintais das casas.

Esse foi o jeito que os povos tradicionais encontraram para se manterem perto de seus antepassados, como explica Otmar Fau, morador de um dos vilarejos tradicionais da ilha. "Enterramos nossos parentes em frente das nossas casas para que estejamos mais próximos das nossas famílias. Além disso, acreditamos que seus espíritos vão proteger o local."

O túmulo da família de Otmar, onde estão sepultados seus avós e tio paternos, é o que se vê primeiro ao subir as escadas para a sua casa. Na sala, retratos dos parentes enfeitam as paredes. "Acreditamos que os nossos parentes e ancestrais são as almas que nos abençoam."

Nias —ao contrário da maior parte da Indonésia, onde o Islamismo é a religião oficial— é uma ilha predominantemente cristã (85% da população é protestante). Isso por conta da colonização holandesa.

Imagem: Júlia Flores

Em um passado anterior à invasão europeia, quando alguém morria em Nias era diferente de hoje em dia: os povos mantinham os corpos de seus nobres em plataformas elevadas durante algumas semanas, antes de colocar suas caveiras dentro de receptáculos, em suas próprias residências. No caso de pessoas comuns, os cadáveres às vezes eram deixados pendurados em simples cadeiras de bambu.

A tradição mudou depois que a Holanda determinou que os cadáveres parassem de ser expostos e fossem enterrados, para evitar a proliferação de doenças. A saída encontrada pelos nativos foi sepultar os corpos nos quintais das próprias casas.

Caixão do Rei Saönigeho Imagem: Júlia Flores

O antigo rei da ilha, porém, negou-se a seguir as ordens dos colonizadores. Como explica a guia turística Nitrasari Fau, nascida e criada em Bawömataluo, uma das mais tradicionais vilas de Nias, o rei Saönigeho exigiu que não fosse enterrado: "Como se fosse sua última luta contra os holandeses, do tipo 'nunca vou obedecer a vocês'".

O desejo do rei foi atendido e, até hoje, seus restos mortais estão guardados dentro de um caixão, exposto em um dos pontos mais altos da aldeia, que faz parte da visita guiada.

A estrutura de madeira tem um dragão na ponta chamado pelos povos locais de Lasara. "É um símbolo de proteção, usado no passado apenas pelos nobres", explica a fundadora do Bawömataluo Tours, que leva pessoas para conhecer o vilarejo e seus arredores.

Um museu a céu aberto

Casas são construídas com imensas toras de madeira Imagem: Júlia Flores

Bawömataluo é um museu a céu aberto. As casas tradicionais da vila —suspensas para evitar a entrada de invasores (animais ou pessoas), são construídas com imensas toras de madeira, sem o uso de pregos em sua estrutura— transportam seus moradores e visitantes a um passado distante.

Não fosse pela eletricidade, pelos barulhos de músicas que saem de dentro das residências e pelos mais jovens que circulam por lá, daria para dizer que Bawömataluo parou no tempo.

As construções das casas são tão fortes que não cederam ao terremoto que abalou a costa de Sumatra em 2005, deixando centenas de mortos e diversos edifícios perto do litoral colapsados. A casa mais antiga e importante, onde morava o rei de Bawömataluo, também pode ser visitada.

A casa onde moraram os nobres da Vila de Bawömataluo Imagem: Júlia Flores

Outra tradição que faz com que a visita a vila de Bawömataluo seja imperdível é o "salto de pedra". No passado, a prática acontecia para provar que os homens estavam fisicamente maduros. O salto mostrava, por exemplo, que os guerreiros poderiam pular por cima de muros de inimigos.

Homens descalços tinham que saltar muretas para provar que estavam maduros Imagem: Júlia Flores

Atualmente, o salto acontece apenas em festivais e em datas comemorativas, ou para turistas que queiram contratar o serviço. Cada salto custa cerca de R$ 30.

Os passeios completos à vila de Bawömataluo, que incluem os ingressos, visita guiada, além de demonstrações de danças e saltos de pedra, custam em torno de R$ 380. Só a visita guiada custa cerca de R$ 80.

Paraíso dos surfistas

Casas de pescadores na região de Sorake foram adaptadas para hospedar surfistas Imagem: Júlia Flores

Além das preciosidades históricas, a menos de 20 km da vila de Bawömataluo, Nias guarda outro tesouro: uma das ondas mais perfeitas do mundo. Fica em Sorake, no litoral sul da ilha.

A onda principal, conhecida como "The Point", quebra em forma de leque. De frente para o pico, muitas casas de famílias antigas de Nias foram adaptadas para hospedarem surfistas. Por ali, dos donos de pousadas às crianças que vendem donuts e pães de coco caseiros de frente ao mar, só se fala em uma coisa: surfe.

A temporada de ondas grandes acontece principalmente entre abril e setembro, quando, em tese, chove menos. Nessa época, Sorake borbulha de pessoas. O line-up, onde os surfistas aguardam as ondas, chega a ter uma centena de pessoas. As condições do mar são ideais para surfistas experientes.

Mas antes de abril a cara do lugar é outra. Pequenos grupos de 5 a 10 turistas e locais, sempre bastante amigáveis, se dividem entre o dia para curtir ondas menores, mas ainda muito bem formadas.

A praia de Sorake é um dos destinos mais buscados por surfistas Imagem: Júlia Flores

Como chegar em Nias

A principal entrada de Nias é pelo aeroporto de Binaka, que fica na maior cidade da ilha, chamada de Gunung Sitoli. A maioria dos voos parte da cidade de Medan (em Sumatra) e duram cerca de uma hora.

Diferente de outros points populares entre surfistas na Indonésia, como Bali e Mentawai, Nias é uma ilha calma, longe de badalações e onde os grandes resorts ainda não chegaram.

Isso faz com que o custo da viagem também não seja tão alto. Seja para curtir a natureza ou para ter contato com uma cultura distinta (ainda bem preservada e com tradições pouco modificadas), Nias é um local interessante para você adicionar à sua lista de próximos destinos.

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