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E o banho? Pai e filho encaram a rota de ônibus mais longa do mundo

De Nossa, em São Paulo

23/05/2023 04h00Atualizada em 24/05/2023 13h07

O gaúcho Ricardo Leonardo Preussler, 46, tem um currículo extenso como mochileiro. Depois de desbravar a Ásia, ele voltou ao Brasil pronto para uma nova maratona: encarar a rota de ônibus mais longa do mundo, que vai do Rio a Lima e tem mais de seis mil quilômetros.

E, dessa vez, foi acompanhado pelo pai, de 72 anos. A Nossa, Preussler contou as maravilhas vistas e também os perrengues do trajeto, que cruza a Amazônia até chegar aos Andes.

A dupla fez a viagem no mês passado, saindo de São Paulo. O pai, Ricardo Antonio, foi "a caráter". Em uma noite de quinta-feira, na rodoviária do Tietê, o gaúcho parecia pronto para uma aventura: usava roupa camuflada e chapéu de pescador.

Nenhuma preparação, porém, era suficiente para antecipar a experiência de quatro dias que estava por vir, a bordo de um ônibus da viação Transacreana.

Pouco banho e mal da atitude

Ricardo Leonardo diz que o percurso tem paisagens deslumbrantes e riqueza cultural, mas também é uma prova de resistência aos viajantes. No total, o trajeto pode levar cinco dias.

Ricardo - Ricardo Leonardo Preussler/Arquivo pessoal - Ricardo Leonardo Preussler/Arquivo pessoal
Ricardo pai e Ricardo filho embarcaram na viagem de ônibus mais longa do mundo
Imagem: Ricardo Leonardo Preussler/Arquivo pessoal

A estrutura do ônibus não é o problema: as poltronas são espaçosas e a água, à vontade. O que pega são as estradas quando o ônibus se aproxima do Norte do Brasil.

Ricardo e o pai passaram perrengues, mas recomendam aventura - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ricardo e o pai passaram perrengues, mas recomendam aventura
Imagem: Arquivo pessoal

Além disso, durante o percurso da dupla, que desceu em Cusco, antes do ponto final, só dois postos tinham chuveiro.

"A questão do banho foi complicada, porque só foi possível tomar banho em um posto no Brasil, que tinha vestiário equipado, e em um restaurante em que havia ducha, já no lado do Peru."

A própria natureza também foi uma questão para os Ricardos, que enfrentaram o famoso "mal da altitude", um problema clássico nas cidades do Peru.

Andes - Ricardo Leonardo Preussler/Arquivo pessoal - Ricardo Leonardo Preussler/Arquivo pessoal
Paradinha na viagem para contemplar a Cordilheira dos Andes
Imagem: Ricardo Leonardo Preussler/Arquivo pessoal

O ônibus atravessa regiões a mais de 3 mil metros acima do nível do mar, em meio aos Andes peruanos. Com o ar rarefeito, com menos oxigênio, surgem sintomas desagradáveis como dor de cabeça, enjoo, dificuldade de respiração e fraqueza.

Eu e meu pai sentimos os efeitos da altitude. Fiquei com bastante dor de cabeça e por isso não aproveitei muito na chegada... Apenas no terceiro dia meu corpo se aclimatou. Já meu pai teve muita dificuldade para respirar nos primeiros dias, qualquer caminhada era bastante sofrida pra ele

"Além disso, no terceiro e quarto dia no ônibus, começamos a sentir o cansaço da viagem e do longo tempo sem poder caminhar e nos movimentar", diz o filho.

Transacreana - José Caminha/Secom - José Caminha/Secom
TransAcreana enfrentou desafios para liberar rota, mas começou a operar no início de abril
Imagem: José Caminha/Secom

Apesar disso, a experiência, no final, foi positiva. "Inclusive pra ele (Ricardo, o pai) com muitas histórias que ele agora compartilha com os amigos", diz o viajante.

'Visual impressionante'

Entre as paisagens que avistaram, as montanhas cobertas de neve no topo chamaram a atenção — mas não só elas.

O ponto alto da viagem [de ônibus] foi a passagem pela Cordilheira dos Andes. O ônibus parou para um lanche e aproveitamos para curtir o visual impressionante das montanhas
Ricardo Amaral, 46

O "nômade profissional" também destacou a chance de desbravar paisagens que estão fora das rotas turísticas tradicionais.

"Atravessamos estados pouco conhecidos por nós, como Mato Grosso, Rondônia e Acre, e pudemos apreciar as paisagens e as cidades durante o percurso", diz ele, que mantém um canal no YouTube para narrar as aventuras.

Cultura latina

Com tanto tempo livre para conversar, também fizeram amizades com os outros passageiros — no caso do Ricardo pai, foi preciso apelar para o bom e velho "portunhol" que une os latinos.

Viagem - Ricardo Leonardo Preussler/Arquivo pessoal - Ricardo Leonardo Preussler/Arquivo pessoal
Viagem também proporcionou encontros com outras culturas
Imagem: Ricardo Leonardo Preussler/Arquivo pessoal

"Fizemos amizades com os tripulantes peruanos e foi uma oportunidade de troca desta viagem. O andar superior tinha 40% de ocupação, então todo mundo acabou se conhecendo e criando uma boa relação."

De Cusco, a dupla deu adeus à experiência rodoviária e seguiu até o Machu Picchu, uma das sete maravilhas do mundo moderno.

Ricardo - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Ricardo pai e Ricardo filho embarcaram juntos no ônibus com a rota mais longa do mundo, que sai do Brasil para o Peru
Imagem: Arquivo Pessoal

E qual a próxima parada?

Há mais de 15 dias no Peru, Ricardo Leonardo e Ricardo Antonio planejam ir a Bogotá, que deve ser o destino final do roteiro. A volta, confessam, não deve ser feita completamente de ônibus.

"De lá, meu pai vai voltar de avião, pois ônibus depois de tanto tempo viajando fica muito desgastante."

Já o filho não deve dispensar as quatro rodas e ainda planeja incluir mais aventura na viagem.

"Pretendo retornar ao Brasil de ônibus, passando pelo rio Amazonas, fazendo o trajeto a partir do Peru. O meu plano é ir até Manaus. Depois, talvez me encontre com o meu irmão nos Lençóis Maranhenses e, de lá, retorno a Porto Alegre de avião", detalha.

Nomadismo

O gaúcho começou suas aventuras na juventude, explorando os cânions do estado em que nasceu, e decidiu largar sua carreira na área da tecnologia em 2017, para passar dois anos viajando.

De lá pra cá, ele chegou a abrir uma cafeteria, que quebrou durante a pandemia, e voltou para a estrada em 2022, viajando de moto até a Argentina e de trem por toda a Ásia.

A rota

O trajeto completo na rota de ônibus mais longa do mundo, de Rio a Lima, dura cinco dias e tem mais de 6 mil quilômetros.

O ônibus faz três paradas mais longas por dia, para café, almoço e jantar. O banho é recomendado nas duas últimas, quando os passageiros têm mais tempo.

Rota viagem Rio-Lima -  -

Dentro do veículo, há banheiro com uma privada e uma pia pequena — e alguns leitos são divididos por uma cortina.

Hoje, as viagens da Transacreana saem quinzenalmente às quintas-feiras às 13 horas do Rio, com parada em São Paulo à noite, e previsão de chegada na terça-feira em Lima. O retorno de Lima ao Rio também ocorre às quintas-feiras.

A Transacreana pretende expandir, no futuro, a viagem para saídas toda semana. A passagem de ida, em preço promocional, custa R$ 1 mil. E boa parte dos passageiros são peruanos, que querem voltar à terra natal.

E é a rota mais longa do mundo?

Saber exatamente qual a rota de ônibus mais longa do mundo não é tarefa fácil, uma vez que frequentemente novas rotas surgem e são extintas em cada país.

Um trajeto nada linear de Rio a Bogotá, com 14 mil quilômetros de extensão por vários estados e países e com inúmeras paradas, chegou a ser operado pela companhia peruana Ormeño, mas foi extinto com a falência da empresa, no ano passado.

Ela era considerada a mais longa viagem de ônibus, apesar de não ter figurado no livro dos recordes.

Já a rota Rio-Lima está no Guinness World Records desde 2016 (quando era operada pela Ormeño) como a mais longa rota de ônibus do mundo, com 6.200 quilômetros de extensão.

Com a falência da Ormeño, o mesmo trecho passou a ser operado agora pela Transacreana — que vai pleitear em julho o título no Guinness.