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Ciclista viaja sozinha por mais de 3,4 mil km entre África e Oriente Médio

Com o objetivo de ir a Meca, a tunisiana Sara Haba atravessou África e Oriente Médio em sua bicicleta Imagem: Arquivo pessoal

Marcel Vincenti

Colaboração com Nossa

22/07/2020 04h00

Tunisiana criada durante parte de sua vida na França em família muçulmana, Sara Haba decidiu fazer, sozinha e de bicicleta, uma longa viagem pelo Oriente Médio e África a partir do final de 2019. O objetivo de sua jornada era chegar ao lugar mais sagrado do planeta para o islamismo: a cidade de Meca.

Para isso, ela realizou uma jornada verdadeiramente épica, que percorreu mais de 3.400 quilômetros em cinco meses: do Cairo, pedalou até o extremo sul do Egito, passando pelas proximidades dos templos faraônicos de Abu Simbel e atravessando o lago Nasser para entrar no Sudão.

Depois, atravessou parte do território sudanês para ir até a cidade de Suakin, onde tomou uma embarcação que cruzou o mar Vermelho e a deixou no porto saudita de Jeddah. E, de lá, deu início ao caminho até Meca.

Sara a caminho de Wadi Halfa, no Sudão Imagem: Aquivo pessoal

"Meu sonho era ir da Tunísia até a Arábia Saudita. Mas a situação da Líbia [país que se encontra no meio do caminho e vive uma situação de guerra atualmente] me impediu de fazer isso", conta ela, hoje com 33 anos. "Comecei, então, minha viagem pelo Cairo, no Egito [um ponto de partida que tornou desnecessária a travessia pelo território líbio]".

Deserto como casa

Durante a viagem, Sara teve como companhia as paisagens áridas que marcam o norte da África e a Península Arábica.

Com sua bicicleta carregada de mochilas e suprimentos, ela se embrenhou na região desértica que existe entre o Egito e o Sudão, frequentemente disputando rodovias com caminhões e, às vezes, se vendo praticamente sozinha em estradas ermas. Subiu montanhas, enfrentou ventanias e aguentou o sol inclemente que marca presença nesta parte do globo.

Uma das fascinantes paisagens exploradas de bike por Sara Imagem: Arquivo pessoal

Ferramentas para consertar eventuais danos na bicicleta, alimentos com alto valor energético e muita água faziam parte do kit de sobrevivência de Sara. "Também levei uma barraca e, em muitas oportunidades, acampei perto da estrada, no deserto", conta ela.

A tunisiana afirma que, durante a viagem, nunca se sentiu ameaçada.

Na verdade, aconteceu o contrário. Houve casos em que as pessoas ficaram com medo de mim", relembra.

"Certa noite, estava pedalando no Sudão, saí da estrada e resolvi buscar um lugar seguro para acampar, atrás de uma montanha. No caminho, no meio do deserto, me deparei com um grupo de mulheres que viviam em tendas. Elas eram nômades e, quando me viram, no meio do escuro, começaram a gritar, a jogar pedras contra mim e me mandaram embora", relembra.

Além disso, Sara relata que, ao passar por um povoado do Egito, um jovem arremessou uma pedra contra ela. "Não sei se ele fez aquilo porque eu era uma mulher viajando sozinha ou simplesmente pelo fato de ser uma pessoa estrangeira. No Egito, alguns homens também falaram impropérios para mim, mas, em todos estes casos, não aconteceu nada de grave. E recebi algumas propostas de casamento, não aceitas".

Hospitalidade e desafio saudita

A tunisiana, aliás, ressalta que foi muito bem recebida pelos nativos durante toda a sua jornada.

"Nas vilas, as pessoas me ofereciam comida e me hospedavam em suas casas. No Sudão, por exemplo, passei dias seguidos em alguns povoados e recebi um carinho muito grande. Os moradores já sabiam que eu estava chegando de bicicleta e iam me receber na praça destas vilas. Jamais vou esquecer das amizades que fiz nestes lugares. É uma região com pessoas muito hospitaleiras".

Sara fez boas amizades entre pessoas do Sudão Imagem: Aquivo pessoal
Jovens sudanesas fotografadas por Sara Imagem: Arquivo pessoal

As paisagens, por sua vez, eram frequentemente encantadoras: Sara acampou junto a templos faraônicos de Soleb, no norte sudanês, e passeou perto de lindos lugares banhados pelo rio Nilo.

Ao cruzar do Sudão para a Arábia Saudita, porém, ela teve que lidar com um cenário incerto: mesmo passando, atualmente, por um processo de abertura para o turismo internacional, o território saudita ainda constitui um dos lugares mais conservadores do mundo (lá, até pouco tempo atrás, mulheres eram proibidas de dirigir).

Sara acampou próximo aos templos faraônicos de Soleb, no norte sudanês Imagem: Arquivo pessoal
Sara e sua barraca que a acompanhou na jornada Imagem: Arquivo pessoal

"Achava que teria problemas com as autoridades locais por ser uma mulher viajando sozinha e de bicicleta", conta Sara. "Depois de chegar a Jeddah, fui parada pela polícia algumas vezes e tive a certeza de que enfrentaria percalços, que talvez não me deixassem continuar a viagem. Estava conformada com a possibilidade de tudo acabar a qualquer momento".

Em uma destas ocasiões, os policiais se impressionaram ao saber dos detalhes da jornada da tunisiana. "Eles ficaram chocados quando lhes disse que estava vindo do Cairo. Me deram água e me disseram, em árabe, que eu iria iluminar Meca".

Peregrinação a Meca

Sara Haba em Meca Imagem: Arquivo pessoal

"Durante a viagem, todas as vezes em que me sentia cansada ou doente, pensava que tinha que chegar a Meca. Era o objetivo que eu queria cumprir e que me dava forças para continuar", afirma Sara.

A tunisiana, afinal, conseguiu visitar a cidade mais sagrada do islã duas vezes enquanto esteve na Arábia Saudita.

Na primeira vez, antes de a pandemia ser decretada, ela conheceu as estruturas sagradas de Meca ao lado de legiões de peregrinos muçulmanos vindos de todos os cantos do mundo.

Na segunda ida até lá, tudo mudou: "eu estava em Riad (a capital da Arábia Saudita) quando a crise sanitária do coronavírus chegou à região. Neste meio-tempo, resolvi ir de novo a Meca e, quando cheguei lá, estava tudo vazio. Já havia as restrições a aglomerações. Foi muito estranho ver a cidade sem gente. Parecia um pesadelo".

Sara, porém, ainda possuía outros objetivos a cumprir: ela pretendia ir até a fronteira com o Iêmen, para explorar mais a Península Arábica.

A viagem, entretanto, teve que ser interrompida por causa do coronavírus.

O governo saudita começou a impor toques de recolher nas cidades do país e Sara acabou sendo acolhida por amigas que vivem na cidade de Jeddah.

Após meses viajando, ela resolveu comprar uma passagem aérea para a Europa e voltou para a França.

Mas seu espírito de aventura não foi abalado pela pandemia. "Quero terminar a viagem que havia programado para a Arábia Saudita e depois, quem sabe, fazer a rota inversa, voltando para o Egito de bicicleta. Mas, antes, preciso saber o que vai acontecer com o mundo", conclui.

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