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Será possível viajar barato no pós-pandemia? Repórter fez a experiência

Um programa mochileiro é possível em tempos de pandemia? - NurPhoto via Getty Images
Um programa mochileiro é possível em tempos de pandemia?
Imagem: NurPhoto via Getty Images

Natália Manczyk

Colaboração para Nossa

08/07/2020 04h00

A máscara nova foi comprada pensando no conforto: o elástico não poderia apertar as orelhas, afinal, eu passaria cerca de quatro horas dentro do trem e cinco horas em um ônibus para a minha primeira viagem pós-quarentena.

Em tempos de cortes de gastos e de euro nas alturas, o modo econômico de viajar foi ativado.

Moradora de Berlim, na Alemanha, há tempos eu vinha programando uma viagem a Nuremberg, na Bavária. Bastaram os hotéis e as atrações turísticas voltarem a funcionar para que a lista de mais acessados no meu computador voltasse a ter aqueles tão úteis sites de comparação de preços.

Pesquisa pelo "mais em conta"

Natália Manczyk foi de Berlim a Nuremberg e conta o que mudou depois da pandemia - Natália Manczyk - Natália Manczyk
Natália Manczyk foi de Berlim a Nuremberg e conta o que mudou depois da pandemia
Imagem: Natália Manczyk

Segundo a plataforma (e o meu curto orçamento), o melhor custo-benefício seria me hospedar em um hostel, em quarto privativo para casal - o dormitório coletivo não aparecia na busca e assumi erroneamente que não era oferecido.

No site, a foto do quarto vinha estampada com o selo "Hygiene Concept, certificado na Alemanha pelo insitituto Fresenius & TÜV Nord" - algo que parecia bem seguro. Mas, ainda assim, a pesquisa de hospedagem demorou um pouco mais que em período pré-coronavírus. Foi preciso buscar o que significava o tal do selo, concedido no estado da Bavária aos hotéis que cumprem com rigorosos medidas de higiene, como marcas nos pisos indicando rotas de caminhada, totens de álcool em gel pela propriedade e a proibição de bufês de café da manhã.

As novas medidas de hotéis cinco-estrelas e aviões têm sido divulgadas maciçamente, mas e no caso de trens, ônibus e hostels? Era hora de descobrir ao vivo.

Máscara no rosto - só quando surge o fiscal

No trem de alta-velocidade de Berlim a Nurembrg,  distanciamento era escolha de cada passageiro - Natália Manczyk - Natália Manczyk
No trem de alta-velocidade de Berlim a Nurembrg, distanciamento era escolha de cada passageiro
Imagem: Natália Manczyk

O trem de alta velocidade alemão, o ICE, me levaria em quatro horas a Nuremberg, mas não precisou de todo esse tempo para a minha maior curiosidade ser respondida: não havia assentos bloqueados e o distanciamento era escolha de cada passageiro. Tudo bem, já que com capacidade para até 830 pessoas, é possível haver distanciamento dentro do ICE.

A máscara é obrigatória todo o tempo e a maioria dos passageiros respeitava a regra"

Porém, das sete pessoas que sentavam à minha volta somente uma usava o novo apetrecho (a não ser quando a coincidência reinava e as máscaras eram vestidas exatamente nos momentos em que o fiscal atravessava os vagões).

Comer é permitido dentro dos trens, e óbvio que sem máscaras. E, assim como a escolha do assento, é responsabilidade de cada passageiro vesti-la de novo depois de saciada a fome. O vagão do restaurante, aliás, funciona normalmente, com petiscos e mesas disponíveis, com a única diferença de que o atendente usa o mais novo acessório do pedaço: a máscara.

Enquanto aeroportos se desdobram para inovar em medidas de higiene - com testes rápidos do coronavírus em Frankfurt e Munique e organização para distanciamento no embarque e desembarque -, as estações de trem também fazem a sua parte: sem tanta tecnologia, é verdade.

Placas de acrílico protegem atendentes das lojas e dos restaurantes fast-food; a entrada e a saída é feita por corredores diferentes nas lojas, marcas no chão determinam pontos para se postar nas filas e flechas indicam a rota de caminhada para evitar trombadas.

Hostel com jeitão de hotel

À primeira vista, a dinâmica de um hostel nem parece ter mudado tanto  - Natália Manczyk - Natália Manczyk
À primeira vista, a dinâmica de um hostel nem parece ter mudado tanto
Imagem: Natália Manczyk

Passado o ambiente de ferrovias, era o momento de adentrar no mundo dos hostels em período pós quarentena.

O típico hall de sofás coloridos e moderninhos continuava por lá. A galera também. E, ufa, tudo com muitas mudanças. A primeira delas já veio no momento do simples cafezinho. Ao lado da cafeteira, luvas de plástico e o aviso: "para a sua própria segurança, por favor coloque as luvas para usar a máquina".

Já o bar, agora com placas de acrílico no balcão, não mais reunia a galera ao redor. Apresentava a informação: "não estamos mais servindo drinques. Sirva-se nas máquinas do hall" - referindo-se àquelas de refrigerantes e salgadinhos. Além disso, placas de acrílico também separavam os lugares na mesa conjunta para trabalho, assim como os recepcionistas dos clientes. E, para o check-in, havia a opção de ser feito online ou preenchendo uma ficha em uma mesa a 1.5m do balcão, com álcool em gel à disposição antes de usar as canetas.

A recepção do hostel está bem distante do que normalmente se vê, com barreiras de acrílico - Natália Manczyk - Natália Manczyk
A recepção do hostel está bem distante do que normalmente se vê, com barreiras de acrílico
Imagem: Natália Manczyk

Para a minha surpresa, quartos compartilhados continuam sendo oferecidos, mas com uma mudança: nos dormitórios com seis camas, há lugar para apenas três pessoas, e nos quartos com quatro camas, são recebidos somente dois viajantes. "Todos da mesma casa ou são de casas diferentes?", perguntei à atendente. "Sim, podem se hospedar pessoas desconhecidas", me respondeu.

E, um mês após a reabertura, os viajantes pelo visto estão confiantes na segurança. O hostel e os quartos compartilhados estavam com grande ocupação.

No meu quarto privativo, o hostel fez questão de provar que baixo custo não é sinônimo de falta de higiene.

Na maçaneta da porta, a tão comum plaquinha "do not disturb" desta vez me recebia com a mensagem "este quarto foi desinfetado para você". Na escrivaninha, mais um folheto mostrava o checklist de limpeza: puxadores de portas e janelas; interruptores; mesas e prateleiras; lençóis e toalhas; chuveiro; banheiro; privada e secador. Realmente, tudo sem um mísero pontinho preto.

As mudanças estão em detalhes como o café da manhã embalado individualmente - Natália Manczyk - Natália Manczyk
As mudanças estão em detalhes como o café da manhã embalado individualmente
Imagem: Natália Manczyk
O aviso na porta avisa sobre a desinfecção dos quartos - Natália Manczyk - Natália Manczyk
O aviso na porta avisa sobre a desinfecção dos quartos
Imagem: Natália Manczyk

Junto do checklist, mais uma novidade: a possibilidade de reserva do café da manhã entregue no quarto por 7,90 euros.

Já que bufês não vêm mais sendo oferecidos na Bavária, essa então é a chance de se sentir em um cinco-estrelas marcando à vontade os itens do café da manhã a ser entregue no quarto: geleias, queijo gouda e emmenthal, iogurtes, frutas, cereais e quatro tipos de pão. Tudo entregue no quarto em um uma bandeja coberta com papel filme - um conforto impensável para hostels até poucos meses atrás.

E os ônibus?

Muitos castelos, centros históricos, catedrais e muralhas depois, chegava a hora de conferir mais um meio de transporte, desta vez para voltar a Berlim: os ônibus, já que o trecho custava metade do preço da passagem de trem, e a viagem duraria apenas uma hora a mais.

O FlixBus é o mais popular ônibus da Europa: cobre 2.500 destinos em 29 países europeus, o que significa que leva a um baixo custo por todo o continente.

Na volta a Berlim, muitos avisos e pouco distanciamento nos ônibus lotados - Natália Manczyk - Natália Manczyk
Na volta a Berlim, muitos avisos e pouco distanciamento nos ônibus lotados
Imagem: Natália Manczyk

As regras de higiene divulgadas no site prometiam: obrigação de usar máscaras antes, durante e após a viagem; entrada somente pela porta traseira; desinfetante para as mãos disponível aos passageiros na entrada do ônibus; inspeção digital do bilhete; motoristas com equipamento de proteção; banheiros fechados (e mais paradas); além de não serem mais oferecidos snacks e bebidas a bordo.

Como um jogo dos erros, nesse conjunto de ações bonitas só não avisaram que os ônibus iriam lotados e sem um assento livre. Logo após ser solicitada pelo motorista a desinfetar as mãos na entrada, me deparei com passageiros que já estavam a bordo, deitados em bancos para duas pessoas ou com os pés no assento ao lado.

Enquanto companhias aéreas prometem deixar assentos livres para um maior distanciamento e organizar a ordem de entrada e saída da aeronave, o mesmo não acontece nos ônibus.

Pessoas se trombando nos corredores para encontrar um assento livre, cutucando o coleguinha para tirar os pés da poltrona ao lado, e viajando por horas a centímetros de distância do passageiro vizinho. Janelas sempre fechadas e usuários sem máscaras completavam a experiência que não cumpria com a mensagem anunciada no site: "viaje em segurança".

Apesar de todos os cuidados, é bem provável que eu tenha lançado olhares involuntários de repreensão aos passageiros sem máscara no trem, ao ouvir desconfiada sobre os quartos compartilhados e ao ver pessoas se esbarrando no ônibus.

Sim, é possível viajar de forma barata no pós-pandemia, mas com relação à tranquilidade não se pode dizer o mesmo.