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Medo a bordo e até 6 escalas: como brasileiros presos no exterior voltaram

Camila e Rogerio Silveira voltam do Egito após interrupção de uma viagem que já durava um ano e três meses Imagem: Arquivo pessoal

Marcel Vincenti

Colaboração para Nossa

30/04/2020 04h00

Presos no exterior por causa da pandemia de coronavírus, que fechou fronteiras e gerou cancelamentos de viagens aéreas no planeta inteiro, milhares de brasileiros têm sido trazidos de volta para o Brasil com voos de repatriação.

As viagens são realizadas com aviões fretados custeados pelo Itamaraty e já resgataram brasileiros, entre residentes e turistas, de países como Índia, Tailândia, Vietnã e Austrália. E, apesar do alívio de voltar para a terra-natal, a vinda não ocorre sem muita burocracia e obstáculos.

Leia o relato de brasileiros que, após um longo tempo "ilhados" em territórios estrangeiros por causa da crise gerada pela covid-19, foram repatriados recentemente.

Desinfetado e escoltado pela polícia

Após ficar preso na Índia por mais de um mês, o brasileiro Rodrigo Airaf finalmente conseguiu retornar ao Brasil no último dia 15 de abril, com uma viagem organizada pelo Itamaraty que repatriou 328 brasileiros.

Rodrigo Airaf em seu voo de volta, que durou 24 horas Imagem: Arquivo pessoal

Ele estava na cidade de Jaipur e, para ir até Nova Déli (a cerca de 280 quilômetros de distância, de onde sairia o voo), ele recebeu, com a ajuda da embaixada brasileira na Índia, um documento de salvo-conduto que lhe outorgou autorização formal para se locomover entre as duas cidades (a grande maioria das pessoas no território indiano está com a movimentação restrita neste momento, por causa do "lockdown" imposto pelo governo local).

O brasileiro contratou um carro para transportá-lo até Nova Déli, mas, antes de entrar no veículo, o motorista teve que desinfetá-lo com um spray. Além disso,cientes de que Rodrigo se encontrava a caminho de um voo de repatriação, policiais indianos o escoltaram ao longo trajeto e até facilitaram sua passagem pelos checkpoints que existiam na estrada. "Me senti como um presidente", brinca ele.

Ao chegar à capital indiana, Rodrigo se chocou com a desolação da cidade. "Nunca imaginei ver Nova Déli como uma cidade fantasma", conta ele. "Não havia gente, só vacas nas ruas".

Rodrigo Airaf e mais brasileiros esperam a hora de embarcar no aeroporto de Nova Déli Imagem: Arquivo pessoal

O brasileiro lembra que sentiu um "grande alívio" com a viagem de retorno. Enquanto esteve "ilhado" em Jaipur, ele presenciou um clima pesado contra estrangeiros que se instalou na Índia: muitos nativos do país de Gandhi estão hostilizando turistas, pois os veem como vetores do coronavírus.

O voo, por sua vez, foi longo. Muitas das viagens de repatriação lembram itinerários de ônibus, realizando paradas ao longo do trajeto: no caso de Rodrigo, a aeronove decolou de Nova Déli e, antes de chegar ao Brasil, fez escalas em Mumbai, na Etiópia e no Togo. Ao todo, a jornada durou mais de 24 horas.

Corrida contra o tempo

Por causa dos cancelamentos dos voos, o casal de viajantes Camila e Rogerio Silveira ficou preso na cidade egípcia do Cairo, interrompendo uma longa viagem internacional de um ano e três meses que os dois estavam fazendo.

No último dia 8 de abril, eles pegaram um voo de repatriação para o Brasil organizado pelo Itamaraty e que retirou 117 brasileiros do Egito.

Toda a jornada, porém, teve aspectos inusitados. Para começar, os dois, que voariam somente de madrugada, precisaram tomar um táxi ainda no meio da tarde, para dar tempo de chegar ao aeroporto antes que todos fossem proibidos de estar na rua. Isso porque, no Cairo, há um toque de recolher que começa diariamente às 19h, como medida para conter a disseminação do coronavírus.

Ao sair do táxi, o casal se surpreendeu com o aeroporto egípcio quase vazio. "O aeroporto estava aberto só por causa do nosso voo", lembra Rogerio, que ainda elogia o amparo oferecido por funcionários da embaixada brasileira no local.

Painel do aeroporto do Cairo mostra somente um voo: o que repatriaria os brasileiros retidos no Egito Imagem: Arquivo pessoal

No voo, que ainda passou pela cidade etíope de Adis Abeba, boa parte dos passageiros usavam máscaras. "Tinha uma menina, inclusive, que estava com óculos de mergulho, máscara e toca, toda coberta. Havia um medo real", conta Camila.

Apesar de repatriados, os dois ainda não conseguiram rever seus familiares por estarem em quarentena voluntária em São Paulo. "De certa maneira, temos a sensação de que ainda não voltamos", avalia Rogerio.

Festas no aeroporto e "lacrada" no avião

Samira Campos estava em uma viagem de trabalho pela Índia quando eclodiu toda a crise gerada pela pandemia. Assustada com notícias de hostilidades contra estrangeiros que marcam o território indiano neste momento, ela pegou um voo de repatriação desde Nova Déli para o Brasil no dia 14 de abril.

Samira Campos na Índia, onde estava a trabalho quando eclodiu a pandemia Imagem: Aquivo pessoal

A brasileira faz questão de elogiar o trabalho do Itamaraty na organização da viagem, mas ficou alarmada com seus compatriotas ao chegar ao aeroporto indiano. "Havia um grupo de hare krishnas brasileiros dançando e cantando sem máscaras. Do outro lado, havia outro grupo fazendo festa, como se fosse uma excursão de adolescentes. Fiquei apavorada", relembra.

Samira Campos se "encapotou" totalmente com medo do contágio no voo de volta Imagem: Arquivo pessoal
Para evitar o contágio, Samira conta que "se lacrou completamente" para entrar no avião, com máscara, óculos escuros, luvas e uma jaqueta de capuz. "Fiquei quase 30 horas sem comer e sem beber no avião, pois não queria ter que ir ao banheiro. Eu só queria me proteger", lembra ela.

Desde que chegou ao Brasil, se isolou em sua casa em Florianópolis (SC), onde está fazendo uma quarentena voluntária.

Ilhado na Filipinas

A crise gerada pelo coronavírus pegou o brasileiro Cícero Bilhalba no meio de uma viagem pela Ásia, deixando-o preso na ilha de Negros, onde ficou por quase um mês.

Cícero Bilhalba no voo que o tirou das Filipinas Imagem: Arquivo pessoal
Para o resgate, o Itamaraty organizou um voo "pinga-pinga" por mais seis ilhas para pegar outros brasileiros, antes de ir para Manila (capital das Filipinas). De lá, foram necessários mais dois voos para chegar ao Brasil: um até Doha, no Qatar, e, depois, o avião até São Paulo.

Apesar do cansaço, Cícero classifica esta última perna da jornada como a "melhor viagem aérea de sua vida", já que os voos foram operados pela companhia Qatar Airways, conhecida por ter um dos melhores serviços de bordo do mundo.

Depois do seu regresso, Cícero foi para a casa da sua família no interior do Rio Grande do Sul. Entretanto, ele conta que quer voltar a viajar pelo mundo assim que possível.

Salvo conduto e até viagem de barco

Quando a crise começou a fechar fronteiras e cancelar voos, o fotógrafo brasileiro Fayson Merege se encontrava no meio de uma viagem pela América Central.

Fayson Merege, na Guatemala, antes de ser obrigado a voltar Imagem: Arquivo pessoal

Sem a possibilidade de continuar com sua jornada, ele se encontrou "ilhado" na cidadezinha de Santa Cruz La Laguna, ao lado do lago Atitlán, na Guatemala.

Antes de embarcar no voo que retiraria brasileiros do país em 10 de abril, Fayson encarou uma longa jornada.

Primeiramente, ele teve que receber uma carta de salvo-conduto, para poder se locomover pelo país (que se encontra sob um rígido "lockdown"). Depois, precisou contratar um barco privativo para levá-lo de Santa Cruz até a cidade de Panajachel (na outra margem do lago) e, de lá, tomar um táxi até cidade de Antigua, em uma viagem terrestre que custou R$ 420.

Fayson Merege no aeroporto da Guatemala Imagem: Arquivo pessoal
Em Antigua, o fotógrafo foi hospedado, gratuitamente, por um brasileiro que vive na cidade.

Após chegar ao aeroporto da capital guatemalteca (Cidade da Guatemala) e embarcar no avião, ele enfrentou mais um momento de preocupação. "Teoricamente, o voo sairia às 7h, mas só decolou às 11h, por algum motivo que não nos informaram", lembra Fayson.

Após uma longa rota com escalas em El Salvador, Nicarágua, Costa Rica e Colômbia para pegar mais brasileiros, já no Brasil, Fayson encerrou a viagem com uma quarentena de dez dias.

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