Conexão surreal

Pedro Barros conta como deixar as competições de lado o ajudou a se reencontrar na vida e na carreira

Beatriz Cesarini e Paulo Favero Do UOL, em São Paulo Gaspar Nóbrega/COB

Alcançar a glória e deixar seu nome marcado para sempre na história dos Jogos Olímpicos ao conquistar a primeira medalha de prata no skate park virou uma chave na cabeça de Pedro Barros. O atleta decidiu deixar as competições de lado porque precisava de um tempo para refletir.

Sem dar certeza sobre aposentadoria ou um possível retorno, Pedro Barros foi viver a vida. Afinal, foram quase três décadas dedicadas exclusivamente ao skate. Corpo e mente, segundo ele, precisavam desacelerar até parar de vez. O atleta queria ter certeza se o esporte ainda fazia sentido em sua trajetória.

Pedro experimentou tudo o que queria. Mesmo sem grandes conhecimentos e técnicas, abriu uma empresa de cerveja artesanal e montou uma banda. Assim, ele encontrou o equilíbrio consigo mesmo e alinhou-se com seu propósito.

O atleta, então, concluiu que sua história no skate não acabou e, agora, está mais focado do que nunca. Quer chegar ao lugar mais alto do pódio nas Olimpíadas de Paris, em 2024, e deixou um recado para a nova geração: "Vão ter que ralar — e muito — para me alcançar".

Gaspar Nóbrega/COB/Gaspar Nóbrega/COB

Parada para manutenção

Logo depois das Olimpíadas de Tóquio, que teve a grande estreia do skate no quadro de modalidades, Pedro pediu uma espécie de ano sabático. Ele usa uma metáfora para esclarecer seu afastamento do esporte:

"A partir do momento que a gente entra em um movimento, é muito complicado parar. Veja, é difícil fazer uma manutenção enquanto um trem está em movimento. A minha vida, esse meu veículo, que é composto pelo meu corpo e minha mente, sempre teve um movimento muito intenso. Eu não parava. Estava sempre correndo", explicou Pedro Barros.

O skatista vivia sob pressão interna, sentia uma autocobrança muito grande e não tinha certeza se queria seguir essa vida. Segundo Pedro, ele queria um momento para refletir, visitar o "seu interno" e conferir se estava totalmente conectado com suas atitudes no "externo".

"Chegou um momento em que eu pensei: 'Será que é isso ainda? Será que é isso que eu gosto de fazer?'. E eu percebi que, na verdade, eu estava em busca da minha melhor versão. Então qual o melhor jeito de ficar se desafiando? Tem um desafio maior do que participar novamente das Olimpíadas? É isso", concluiu o atleta.

Eu aprendi a me cobrar muito para conseguir chegar no lugar que eu quero, mas aprendi também a deixar de lado a cobrança se eu não alcançar aquele objetivo, então está tudo bem"

Pedro Barros

Julio Detefon/CBSk Julio Detefon/CBSk

'Não é hora de baixar a cabeça'

Durante o ano que ficou sem competir, Pedro sentiu conforto. Não tinha grandes preocupações ou ambições. O sentimento passou a virar angústia, aflição. O skate é a maior motivação de sua vida e a principal maneira que o atleta tem para se comunicar com a sociedade.

"A gente é um exemplo diariamente em nossa vida. Estamos comunicando algo interno. Eu quero muito que o exemplo de superação, de correr atrás, de não baixar a cabeça e de buscar a melhor versão de si mesmo possa ser cada vez mais visto. Se eu não estiver fazendo isso comigo mesmo, eu não estou sendo de verdade", refletiu Pedro.

"A partir do momento que eu fiquei um ano sem competir, vira muito confortável. Fica muito tranquilo. Você tem outras dificuldades na vida? Claro que tem, mas a que mais me instigava mesmo a me superar era essa motivação da competição, o esporte. É algo que eu sempre quis ser muito bom. Eu tenho 28 anos, não é hora de baixar a cabeça, tenho muito a mostrar, muito a me inspirar. Não é hora de parar", afirmou.

JENNIFER LORENZINI/REUTERS JENNIFER LORENZINI/REUTERS

Preparado para a vida

Ficar pronto para o retorno e participar de sua segunda edição das Olimpíadas teve a ver com o processo de estar preparado para tudo o que acontecesse em sua vida. Segundo ele, por mais apto que você esteja esportivamente, um imprevisto pessoal pode afetar a competição e é preciso saber lidar com ambos os lados.

"Hoje, o que eu percebi muito das Olimpíadas é que, mais do que tudo, para estar preparado para as Olimpíadas, é preciso se preparar para a vida. A vida é muito mais complexa do que uma competição. Existem muitos mais fatores que oscilam na vida. Agora eu me sinto preparado para a vida. Tenho me preparando cada vez mais e eu sinto que o que ela me entregar eu vou conseguir encarar", comentou.

Gaspar Nóbrega/COB Gaspar Nóbrega/COB

A importância das Olimpíadas

As Olimpíadas, para Pedro Barros, não correspondem somente à maior competição esportiva do mundo. Para o skatista, o evento que une o mundo vai além e tem muita importância na sociedade e no cuidado da saúde mental.

"Hoje a gente vive uma geração que está sofrendo muito de problemas que não são físicos, e estão dentro da mente. Como a gente pode ajudar e prevenir essas doenças? O esporte é uma grande resposta para mim. É o movimento, a atividade física. E acho que essa é a grande importância das Olimpíadas, não só para o skate. Inspirar as pessoas", refletiu Pedro.

O atleta acredita que a prática de esporte leva as pessoas a se conectarem internamente e traz uma sensação de bem-estar que consegue aliviar as aflições que causam as doenças mentais.

"Não precisa buscar uma medalha olímpica para acordar de manhã e buscar a prática de esportes diária, mas as Olimpíadas conseguem incentivar isso. A gente ainda vê muitas coisas cruéis no mundo: guerra, falta de alimento e moradia, falta de água, falta de entendimento. A gente não vive em um mundo justo ainda. Estamos longe e sempre estaremos em busca de uma justiça maior. Acho que o esporte pode ajudar e muito a chegarmos nesse lugar", concluiu.

Acho que eu nunca fui tão disciplinado na minha vida como eu estou agora, comigo mesmo, sabe? Acho que eu nunca tive tanta maturidade na minha vida como eu tenho agora"

Pedro Barros

JENNIFER LORENZINI/REUTERS JENNIFER LORENZINI/REUTERS

'Nova geração vai ter que ralar'

O encanto de Pedro com a nova geração conquistando ótimos resultados no skate é nítido. Ele gosta de ser inspiração, conversar e aconselhar os jovens. Apesar disso, o atleta também busca se tornar uma motivação para que os limites sejam quebrados.

"Hoje tem um desafio que é ir para as próximas Olimpíadas. Seria muito mais confortável para mim eu não ir, na verdade. Mas eu sei que eu não vou ser fiel comigo. Quero dar o exemplo para a juventude. Eu tenho 28 anos. A gente viu o Nadal, a gente viu o Djokovic ganhando agora um Grand Slam com 38. Não precisamos ignorar os fatos. Vamos tentar puxar os limites. Eu acho que essa é a grande magia do esporte", comentou.

Ele sabe que a fila anda rápido no skate. Novos nomes surgem a cada competição e gente nova aparece pedindo passagem. Mas se depender de Pedro Barros, a garotada vai ter que andar muito no park para superá-lo.

"A nova geração vai ter que ralar ? e muito ? para me alcançar. Eu acho que é esse aí o conselho que eu quero dar pra eles. No fim, eu estou louco que eles ganhem de mim mesmo. Mas também eu vou trabalhar com todas as minhas ferramentas e com todo o meu conhecimento para eu ser o melhor que eu puder ser. Eu não sei qual é o limite do meu potencial. E eu estou curioso pra saber", avisou o atleta.

Julio Detefon/CBSk Julio Detefon/CBSk

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