Daniele renasceu

Como o esporte fortaleceu Daniele Hypólito durante cinco internações e duas experiências de quase morte

Beatriz Cesarini Do UOL, em São Paulo Gregory Bull-12.jul.2015/AP

Se no bater das taças de champanhe na virada do ano, alguém contasse para Daniele Hypólito que ela viveria quase cinco meses internada em um hospital, ela não acreditaria. Afinal, quem poderia imaginar uma ex-atleta que participou de cinco Olimpíadas passando pela experiência de quase morte duas vezes por complicações de doenças que muitos consideram simples?

Aconteceu com Daniele aos 38 anos de idade. Ela ignorou os primeiros sintomas de uma infecção de urina, que evoluiu para um caso grave e a levou ao tratamento intensivo. Chegou a se despedir da família em uma chamada de vídeo ao ver sua pressão colapsar.

Quando pensou que estava livre de hospitais, Daniele voltou a ser internada outras quatro vezes por problemas diferentes. O pesadelo que começou em março teve fim somente em agosto, uma semana antes do aniversário da ginasta.

Manter a mente sã enquanto o corpo estava em crise foi muito complicado, mas ela precisava disso. E não era só sobre Daniele, era sobre toda a família sofrendo junto. Em longa conversa com o UOL, a ex-atleta descreveu como o esporte sustentou sua resiliência e não permitiu com que a cabeça fracassasse.

Gregory Bull-12.jul.2015/AP

O primeiro susto

Março foi um mês agitado. Daniele estava ensaiando para o espetáculo que protagonizava com seu irmão Diego no Circo Reder quando começou a passar mal. A temperatura do corpo subiu e nada parava em seu estômago.

"Os primeiros sintomas começaram e eu não dei muita importância. Pensei que deveria ser alguma coisa que tinha comido. Relacionei o vômito com a febre e continuei vivendo a vida. Isso se arrastou por mais de uma semana", relatou Daniele.

A ginasta não melhorou e decidiu ir ao pronto-socorro. Após uma investigação rápida, Daniele foi levada à internação semi-intensiva. Ela estava com pielonefrite, infecção séria nos rins originada de uma infecção urinária silenciosa.

"Não senti ardência e não percebi a infecção de urina. Quando entrei na emergência, já estava com quase 60% dos rins inflamados", destacou a ex-atleta.

Léo Moura Daniele e Diego Hypólito em apresentação no Circo Reder

Daniele e Diego Hypólito em apresentação no Circo Reder

A despedida

No segundo dia de internação, Daniele sofreu com fortes dores na região abdominal. Nenhum remédio funcionava. O marido Fábio a acompanhava no dia e percebeu que os monitores mostraram uma alteração na pressão arterial de Dani e, preocupado, fez uma chamada de vídeo com a sogra Geni.

"Minha mãe sempre controlou a pressão dela. O Fábio mostrou os indicadores e ela disse: 'corre, está muito baixa'. Até conseguia escutar a conversa, mas não estava reagindo. Os enfermeiros entraram e me deram alguma coisa", contou Daniele.

"Eu voltei um pouco e foi neste momento que falei para o meu marido: 'Não esquece que eu te amo muito. E fala para a minha mãe e para a minha família que eu amo muito eles'. Estava em uma situação em que não sabia se voltaria. Depois, só lembro de ter acordado no CTI (Centro de Terapia Intensiva)", relatou a ginasta.

Arquivo Pessoal Arquivo Pessoal

Pneumonia misteriosa

Após 10 dias de internação, Daniele teve alta e, aos poucos, voltou à rotina atenta a qualquer sintoma. Fez espetáculos no circo em abril, mas de novo começou a passar mal. Voltou ao pronto-socorro, descobriu pneumonia, foi internada e continuou tratando em casa. A doença não regrediu e Dani precisou voltar ao hospital. Era a terceira internação.

É neste momento que aparece o médico Júlio Ramos que, segundo Daniele, se tornou "o anjo de sua vida". Triste com a situação da irmã, Diego Hypolito desabafou com um amigo, que apresentou o doutor Ramos. Ele se interessou pelo caso e foi visitar a ginasta.

"Eu nem esperava que o doutor Júlio lembraria, mas no dia seguinte ao papo do Diego com o amigo, ele passou em meu quarto, conversou com os médicos e disse que teríamos que investigar a causa da pneumonia e não só tratá-la. Não era normal três internações em curto período. Ele me deu alta, passou a me tratar em casa e pediu uma bateria de exames", explicou Daniele.

Todas as causas das doenças me trouxeram um grande transtorno. Não só para mim. Mas acho que para quem fica perto também. Minha família, principalmente as pessoas que estavam comigo lá no hospital. Minha mãe ficava comigo todos os dias, o dia inteiro. E quando raramente não pôde ficar, fazia questão de me visitar.

Daniele Hypólito

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"Me colocaram de ponta-cabeça"

No pequeno período em que ficou fora do hospital, entre maio e junho, Daniele aproveitou para cumprir alguns de seus compromissos e foi palestrar em Campinas. Quando estava retornando ao Rio de Janeiro, começou a passar mal no avião, era uma dor de cabeça fortíssima.

"Atleta não gosta de deixar nada em aberto. Fui à palestra tomando antibióticos, mas meu corpo não resistiu. Do aeroporto, fui direto ao hospital com meus pais. O doutor Júlio nos encontrou lá e fizemos uma série de exames, todos que você possa imaginar", contou.

Encontraram, então, a causa da pneumonia: uma sinusite grave, que evoluiu à pansinusite, uma inflamação aguda na face, que pode se tornar meningite bacteriana. Mais uma vez, Dani foi internada no CTI e quase morreu pela segunda vez em menos de dois meses.

"Tomei antibióticos fortíssimos, mas minha febre estava instável e a pressão também. No CTI, eu quase morri por causa dessas alterações. Em certo momento, tiveram até que me colocar de ponta-cabeça para ver se a pressão estabilizava. E minha mãe e meu marido estavam lá, acompanhando todo esse turbilhão de emoções", relatou.

"Não quero ser internada de novo"

Após sete dias de CTI e 15 dias no quarto, a médica Janaina Koppi - otorrino que tratou Dani - descobriu que a infecção na face ainda estava por lá. O caso era cirúrgico. Lá se foi mais de um mês de internação.

No início de julho, Daniele pôde, enfim, retornar para casa. Ao lado da família, ela fez toda a recuperação da cirurgia e acompanhou com os médicos por 35 dias. No dia anterior ao seu último check-up, a ginasta teve febre e sentiu calafrios. Era mais uma infecção, desta vez, no trato urinário.

"Fui ao hospital por causa da febre, mas estava tudo ótimo com a cirurgia nos seios da face. Saíram outros exames e o doutor Júlio sentou para conversar comigo e sabia que era sério: 'Não quero ser internada de novo'. Só que não teve jeito, um cálculo renal inflamou e fui para a semi-intensiva pela quinta vez no ano", contou.

"Um infectologista também entrou na equipe de tratamento e descobriu que a bactéria que causava a infecção urinária estava dentro do cálculo renal. Tomei sete dias de antibiótico, fui para a cirurgia. A última - e que continue assim", falou Dani.

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Eu saí do hospital em 29 de agosto, uma semana antes do meu aniversário de 39 anos, que foi no dia 8 de setembro. Foi uma comemoração extremamente especial, passei meio ano no hospital. Cinco internações graves, em que toda a minha família passou sofrendo comigo

Daniele Hypólito

Uma infecção urinária virou uma pielonefrite e por causa disso quase eu tive uma infecção generalizada que por pouco não me levou a óbito. A segunda internação por causa da pansinusite foi a mesma coisa. Então foram dois momentos em que quase morri

Daniele Hypólito

O esporte ensinou a não desistir

É fácil perder a cabeça quando uma montanha-russa de problemas aparece na vida de qualquer um. Encontrar explicações e aguentar seis meses de internação por problemas diferentes e que não tiveram relação direta é complicado. Segundo Daniele, a experiência como atleta manteve sua mente sã, o que foi essencial durante todo esse período.

"Essa resiliência vem do que eu aprendi como atleta. A gente realmente não quer desistir das coisas com facilidade. Eu acho que o esportista vive em contínua luta pelo sonho, um constante movimento para que a gente consiga realizar as nossas coisas", exaltou Dani.

"Todo esse tempo de hospital, de internação, de cirurgia, de quase virar óbito, não foi fácil. E além de lidar com todos esses problemas diretamente, eu sofria com o que estava deixando de fazer, todos os meus projetos e compromissos. Minha vida parou por quase seis meses", acrescentou a ginasta.

Lars Baron/Getty Images 	Lars Baron/Getty Images

Não foi só lutar por aquilo que a gente acredita, pelo sonho que a gente acredita, mas ter a resiliência de lutar para realmente hoje estar aqui viva e poder dar esse relato para as pessoas, poder passar essa informação para as pessoas.

Daniele Hypólito

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Sempre alerta

Dani tem um comprometimento com o esporte e quer deixar seu legado às crianças. Agora, a ginasta também firmou um compromisso com a saúde. Ela quer transmitir a experiência e alertar as pessoas para ficarem atentas a qualquer irregularidade que o corpo sentir.

"Agora eu sempre falo que é importante a gente dar importância a qualquer coisa que você sinta. Teve febre? Vomitou? Vai ao médico, não espere. Dê atenção aquela sinusite, pode não ser somente uma crise passageira", comentou Daniele.

"É importante passar essas informações adiante. São coisas que aconteceram comigo que, às vezes, as pessoas não dão tanta importância para uma infecção urinária, para uma febre, para coisas assim bobas", concluiu.

Daniele comemorou seu aniversário, em oito de setembro, na praia da Barra e agradeceu pela vida.

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