Avancini começou a perceber que algo estava errado quando perdeu a motivação de fazer o que sempre amou e ainda ama. O ciclismo virou um fardo em sua vida e as conquistas não o satisfaziam mais.

"Em 2020, terminei o ano como número 1 do mundo e, neste período, já estava sentindo algumas coisas mais pesadas. A temporada de 2021 começou a ficar ainda mais pesada até chegar o momento em que percebi que não estava fazendo as coisas com aquela mesma motivação que sempre tive", destacou Avancini em seu documentário "O Meu Motivo".

"Parecia uma obrigação, mesmo sendo líder do ranking, correndo por uma grande equipe, feito meu nome, estabilizado na carreira e vencido eventos de Copa do Mundo. E isso não me trazia tanta motivação, não sentia o porquê de estar fazendo aquilo", concluiu.

Avancini é considerado o maior ciclista brasileiro: tetradecacampeão brasileiro, bicampeão pan-americano e Mundial e campeão sul-americano. Ele não participará dos Jogos Pan-Americanos de Santiago em outubro, nem das Olimpíadas de Paris, em 2024.

Um dos primeiros passos do tratamento da depressão é reconhecer internamente a doença. Avancini contou que sempre foi uma pessoa aberta, sem dificuldades para se expor até que se viu com problemas de saúde mental. O atleta, então, se fechou.

Ao mesmo tempo, enfrentou outras adversidades. A filha Liz, de apenas quatro anos, precisou de cuidados intensivos por duas semanas, chegou a perder os movimentos momentaneamente e, durante o período, o ciclista bateu o carro duas vezes. Tais fatos ligaram o sinal de alerta no bicampeão, que entendeu que estava fora dos eixos.

"Eu sempre tive muita dificuldade de aceitar [a depressão], de não conseguir lidar com alguma coisa. Nunca tive muito filtro para me expor, sempre fui uma pessoa e um atleta bastante aberto, mas quando eu tive dificuldades mentais, foi algo muito complicado. Eu não conseguia falar sobre isso com ninguém. Passei um período bem longo sem conseguir pedir ajuda. Fui me afundando cada vez mais, até chegar no meu limite", desabafou Avancini.

O atleta, então, decidiu se abrir com amigos, familiares e a própria equipe — que também percebia que algo não estava bem. Além disso, Avancini também trabalhou a depressão com profissionais que o acompanham há muito tempo.

A decisão pela aposentadoria foi tomada completamente em segredo e, inclusive, surpreendeu os patrocinadores. Mais leve com o enfrentamento da depressão, Avancini concluiu que o momento de deixar as competições iria chegar em caso de título no Mundial na Escócia.

"Havia uma autoconfiança muito grande. Não sabia de onde. Não era de resultados prévios, mas tive a sensação de que a vida ia me dar esse título. Logo, comecei a refletir não só sobre o campeonato, mas o que eu faria depois se fosse campeão mundial. Tomei a decisão sem falar com ninguém", contou Avancini.

"Se eu vencesse, seria suficiente para dizer o que eu tentei dizer a carreira inteira. Se eu buscasse muito mais além, seria mais para satisfazer meu ego do que compartilhar uma coisa que eu acredito ser genuína. Foi assim que eu competi: acreditando muito que seria campeão mundial e, se isso acontecesse, seria o final da carreira", revelou.

O maior ciclista do Brasil decidiu parar a menos de um ano para os Jogos Olímpicos de Paris. O bom momento poderia levá-lo ao tão sonhado pódio olímpico e essa "tentação" foi um dos motivos que fez o atleta esconder a escolha pela aposentadoria.

"Foi bem difícil chegar a Tóquio-2021 e, de repente, estava muito perto de Paris. Sempre tem a próxima [Olimpíadas] e tem muitos argumentos para ir seguindo em busca da medalha. Eu conversei com muitos atletas que ficaram amargurados e não conseguiram deixar isso de lado. É difícil decidir parar a colheita", comentou o ciclista.

"Ano que vem vai acontecer tanta coisa legal e tem muitos motivos para eu continuar ativo. Estou num cenário ótimo, bicampeonato mundial a um ano das Olimpíadas. Por isso decidi não compartilhar minha decisão com ninguém, porque é muito fácil voltar atrás. Respeitei o que estava sentindo dentro de mim", disse.

Convicto da sua escolha e consciente do problema que enfrenta, Avancini confidenciou que no futuro gostaria de aconselhar jovens com sua experiência sobre saúde mental. O pesadelo em que viveu, segundo ele, o ajudou a entender que todos estão vulneráveis a diversas doenças.

"Graças a Deus, eu estou aqui hoje. Ainda é um pouco complicado falar sobre o tema, porque acho que envolve tanta coisa: vida profissional, vida emocional, vida pessoal, além de outras pessoas. É difícil. Sou muito grato de ter conseguido superar esse período que foi bastante longo e extremamente pesado e por, hoje, querer estar vivo", afirmou o ciclista.

Nos últimos anos, Avancini dedicou sua vida ao esporte, com uma rotina intensa de treinos, fisioterapia e exercícios respiratórios. Antes das Olimpíadas de Tóquio, em 2021, ele chegou a construir uma réplica da pista de mountain bike usada nos Jogos.

O atleta é referência no ciclismo, a cara do mountain bike no Brasil, mas não quer carregar esse título eternamente. O que Avancini mais quer é abrir espaço para novos ídolos na modalidade.

"A minha motivação para chegar longe foi justamente me ver em uma posição, comparado aos melhores do mundo, completamente abaixo. Eu não era top 10 do mundo e virei número 1. Eu não estava nem entre os 100. Eu colocava na cabeça: consigo melhorar, consigo fazer mais, eu vou conseguir cavar até chegar no meu melhor. Essa é a mensagem, é o exemplo que eu espero que as outras pessoas se agarrem", destacou Avancini.

"Não quero que olhem onde o Henrique terminou. Eu estou terminando campeão mundial, mas olha onde o Henrique começou, e se agarra muito mais a isso. Eu espero que, de verdade, o meu esforço, a minha jornada, possa ser muito mais lembrado pelas pessoas do que o que eu ganhei ou deixei de ganhar", concluiu.