Um ano para a glória

Como Rebeca Andrade prepara o corpo e a mente para disputar até seis medalhas em Paris

Demétrio Vecchioli Colunista do UOL, em São Paulo Laurence Griffiths/Getty Images

Faltando um ano para o início das Olimpíadas de Paris, e um ano e dois dias para as primeiras apresentações da ginástica artística feminina, a dúvida não é mais se Rebeca Andrade vai ganhar medalha na França. A pergunta é: uma vez saudável, quantas medalhas ela trará na mala?

Atual campeã mundial do individual geral e bronze no solo, a brasileira defenderá em Paris o ouro conquistado em Tóquio no salto, é obstinada em ganhar uma medalha nas paralelas assimétricas, e recentemente mostrou que pode entrar na briga pelo pódio na trave. Dependendo da condição física das colegas, ainda dá para sonhar também com pódio por equipes.

É um cenário absolutamente inédito no esporte olímpico brasileiro. No momento em que o Time Brasil expande o leque de possibilidades de pódio, deixando de depender dos 'carros-chefes', o desempenho de uma única atleta pode fazer o Brasil mudar de patamar no quadro de medalhas.

Rebeca não pensa nisso. Acostumada desde muito cedo a lidar com as expectativas que os outros colocam sobre o desempenho dela, segue concentrada naquilo que está sob seu controle: a constante evolução técnica, física e mental. Uma fórmula que tem dado certo e que ela explicou ao UOL.

Laurence Griffiths/Getty Images
Tim Clayton/Corbis via Getty Images

Corpo são

Lá se vão 262 dias desde que Rebeca ganhou a medalha de bronze no solo no Mundial de Liverpool. Desde então, ela nunca mais competiu. Acostumada a longos períodos de afastamento por cirurgias — foram três no joelho direito — desta vez está se resguardando por decisão técnica.

"Gosto muito mais de competir do que de treinar, mas meu corpo não aguenta tantas competições também, né? É o melhor para a minha preparação, para o que a gente precisa fazer no ano", diz Rebeca, que deve participar do Campeonato Brasileiro, em agosto, e abrir a temporada internacional no Challenger de Paris, em meados de setembro.

A partir dali, não terá respiro. O Mundial começa ainda em setembro e, menos de duas semanas de terminar na Antuérpia (Bélgica), começa o Pan em Santiago. Ela pediu à comissão técnica para ir à competição, porque tem o sonho de ser campeã pan-americana e completar a coleção de medalhas de ouro que já tem a olímpica e mundial.

Em um cenário possível de classificação para todas as finais, Rebeca faria 30 apresentações em 52 dias, o que demanda enorme preparação.

"É muita musculação. A gente treina para deixar o corpo bem preparado, mas a cabeça também, né? Porque às vezes o seu corpo tá ótimo, mas ela também não funciona. Por isso que eu falo que o Mundial, pra mim, foi muito importante. Nas Olimpíadas a gente não estava com equipe, então eu tive mais tempo para descansar."

O problema, ela explica, é o solo, por causa das cirurgias. "Eu não tenho problema para fazer paralela, nem trave, nem para saltar. Mas o solo é mais difícil, porque eu sinto que ele exige muito do meu corpo, então a gente precisa dar uma segurada."

Cabeça boa

Eu continuo sendo a mesma Rebeca, fazendo as mesmas coisas. O que eu já fazia já me deixava feliz, não tem por que mudar. Eu continuo sendo a mesma menina sorridente, com a mesma cabeça, mesmo pé no chão e tudo mais"

Rebeca Andrade, ginasta brasileira

Marijan Murat/dpa via Getty Images Marijan Murat/dpa via Getty Images

Mente sã

Enquanto não compete com o corpo, Rebeca simula competições na própria mente.

"Às vezes eu viro e falo assim: 'Vai, essa série é como se fosse a série que você vai apresentar lá na hora'. E aí eu uso aquela série para me apresentar". E nem precisa de um árbitro para julgar. Rebeca vai se autoavaliando e decidindo, durante a série, o que pode fazer para compensar um eventual erro.

"Se eu acerto, ou se eu erro, eu consigo calcular rápido na minha mente uma solução, para que quando aconteça na competição, se acontecer, eu consiga me virar e dar um jeito. Eu senti isso no Mundial do ano passado, na paralela, no individual geral. Minha série não estava boa, eu tive de fazer uns paranauê, e deu certo, porque eu já tinha feito em treinamento".

Aos 24 anos, e há uma década executando séries de altíssima dificuldade, Rebeca vem construindo repertório para sair de qualquer situação. "É claro que eu quero sempre acertar, sempre ser perfeita, mas o perfeito não existe. Então é importante saber me virar para quando acontecer um imprevisto, confiar que eu vou dar um jeito."

Reprodução/Instagram

Vida pessoal

Rebeca concilia uma rotina intensa de treinamentos no CT do Time Brasil, no Parque Olímpico da Barra, com momentos de lazer, especialmente na praia, e as aulas da faculdade de psicologia. Depois de iniciar o curso presencial, noturno, ela optou pelo ensino a distância, para conseguir encaixar o curso com a necessidade de acordar cedo para treinar.

Entrando no quarto semestre da faculdade, ela já desempenha um papel informal de psicóloga das colegas de seleção. "Eu sinto que eu sou meio psicóloga, mas eu não sou. Eu coloco para elas mais as minhas experiências, o que eu passei. A gente vai conversando e, dessa conversa, elas tiram o que para elas é importante".

Esses papos não são apenas com as mais jovens, como Ana Luiza Lima, garota de 17 anos que ficou longo período afastada por lesão, voltou a competir no mês passado, e já rompeu o tendão de Aquiles. Eles ajudam também a velha companheira Flávia Saraiva.

"A Flá, da primeira vez [que se machucou], eu acho que ela estava bem mais apreensiva. Hoje ela já tem um pouco mais de entendimento do que é passar por uma lesão. Pra Ana é um pouco mais novo, então eu compartilho muito do que eu vivi com ela, e eu acho que está sendo muito bom", avalia a futura psicóloga.

"Poder ter essa troca, poder me abrir e saber que a minha história está podendo ajudar as meninas é algo que pra mim é bem importante. Porque eu preciso delas assim como elas precisam de mim. Eu preciso delas bem, saudáveis e felizes, fazendo o que elas estão fazendo, sabe? Então, é saber da importância que é ter uma volta segura e tudo mais, mas ao mesmo tempo estar muito feliz e tranquila de saber que tudo tem seu tempo."

Tim Clayton/Corbis via Getty Images Tim Clayton/Corbis via Getty Images

Novos elementos

Estas linhas estavam sendo escritas, no sábado pela manhã (22), quando Rebeca atualizou seu Instagram, e consequentemente esta reportagem. "Nossa, nossa, Rebequinha", escreveu na legenda de um vídeo de três segundos. E, a reação não poderia ser outra: "nossa!"

A gravação mostra Rebeca na trave, conectando um Flic Layout Layout, uma sequência que, se inserida na série padrão dela, eleva a nota de dificuldade em 0,4 pontos, para 6,4.

Na ginástica, esses vídeos de treino são comuns, e servem não só como autopromoção, mas também como parte do jogo de xadrez. Circulam por fóruns especializados e chegam às adversárias, que nem precisam de calculadora para concluir que, com o acréscimo, a brasileira pode se aproximar dos 14 pontos.

Uma nota que não apenas a colocaria diretamente na disputa por medalha também neste aparelho, mas também ampliaria a vantagem sobre as rivais no individual geral, que já foi de 1,5 pontos em Liverpool.

No mês passado, ela já havia postado outro vídeo curto, de uma saída de Fabrichnova (duplo com dupla) nas assimétricas. Vice-campeã mundial em 2021 nesse aparelho, a brasileira briga no topo de classificação se conseguir levar o elemento para as grandes competições.

"Paralela é meu aparelho favorito. Eu quero muito, muito, muito ter melhores resultados, conseguir fazer as minhas melhores séries. Eu sei que tudo pode acontecer, mas a gente treina muito paralela. Meu Deus do céu, a gente treina muito! Sei que posso fazer a saída de duplo com dupla e tirar uma nota melhor, sabe? Quero muito conseguir fazer a série mais difícil que eu tiver para fazer."

E se isso acontecer, e o pódio vier? "Se vier uma medalhinha, Nossa Senhora, beijo. Aí é beijo para todo mudo."

Retorno de Simone Biles

Tem planos de apresentar um novo elemento, ter seu nome no código?
"Já tive muita vontade, mas hoje em dia eu sou bem tranquila. Se surgir, se eu quiser, vai ser porque sei lá, porque eu sou maluca. Mas não tenho mais essa vontade, não."

Possível volta de Biles anima ou preocupa?
"Eu estou focada no meu. Se as meninas voltarem, se a Simone [Biles] voltar, se a Gabi Douglas voltar, se todo mundo voltar, cara, vai ser ótimo, vai todo mundo mostrar uma ginástica maravilhosa, linda, forte. E eu acho que isso para o nosso esporte é muito bom, é muito importante. Vai estar todo mundo querendo a mesma coisa, fazer o melhor, sabe? Com sangue nos olhos."

Como é a vida de campeã olímpica e estrela do esporte?
"
Eu continuo sendo a mesma Rebeca, fazendo as mesmas coisas. O que eu já fazia já me deixava feliz, não tem por que mudar. Eu continuo sendo a mesma menina sorridente, com a mesma cabeça, mesmo pé no chão e tudo mais. Mas é muito difícil. Você conhece muitas coisas novas, muitas coisas diferentes, faz muita coisa. E para se perder, como já aconteceu com muitas pessoas, é muito fácil. Mas a minha base é muito boa, minha família é muito importante para mim. E eu acho que minha cabeça também é uma cabeça muito boa. Então por isso que eu continuo a mesma doidinha de sempre."

Ricardo Bufolin / Panamerica Press / CBG Ricardo Bufolin / Panamerica Press / CBG

+Especiais

Marcus Steinmeyer/UOL

Estou curado: em sua sala de troféus, Oscar Schmidt reflete sobre vida pós-pandemia

Mariana Pekin/UOL

Luca Kumahara: Primeiro mesatenista transgênero celebra acolhida no esporte

Ler mais
Tom Pennington/Getty Images

Campeão de tudo, Bruninho planeja retorno ao vôlei brasileiro e fala sobre carreira

Ler mais
Clive Mason/Getty Images

Após campanha inédita em Roland Garros, Bia lembra Guga e resgata brasileiros

Ler mais
Topo