O artista jornalista

Lucas Gutierrez conta como se reencontrou na carreira ao equilibrar duas paixões

Beatriz Cesarini Do UOL, em São Paulo Globo/Camilla Maia

Por muito tempo, Lucas Gutierrez caminhou entre duas margens de rios diferentes. Tais andanças não o faziam feliz por completo profissionalmente, ele sentia como se estivesse em dívida com alguém. Tudo mudou quando ele passou a entender que não precisava escolher apenas um dos rios para se banhar.

Lucas é jornalista, mas também é artista. É fã do esporte, mas não do tatiquês. Prefere mais o lado humano que se reflete em suas emocionantes crônicas. Em 2018, o comunicador chegou ao encontro dos rios e alcançou a realização profissional. Enfim, podia ser ele mesmo: de barbão, brincos, pulseiras e chapéu nas externas.

Quem vê Lucas hoje, no ar, não o confunde mais com outros profissionais. Brincam até que ele é filho de Alex Escobar, mas todos sabem distinguir quem é quem. Ele conseguiu construir sua marca: irreverente, poético, criativo e bem-humorado. A junção de tudo isso fez o apresentador se reconhecer no lugar de "um artista dentro do jornalismo esportivo" — o melhor dos mundos para ele.

Em longa conversa com o UOL, Lucas relembrou todo o caminho que trilhou até chegar na apresentação do Esporte Espetacular, o programa dominical da TV Globo que completou 50 anos nesta semana. A seguir, você vai entender como a história do atual apresentador com a atração começou muito antes de ele entrar pela primeira vez no estúdio.

Globo/Camilla Maia
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Família fã de TV

O esporte sempre esteve presente na família de Lucas, que também prezava pela prática esportiva na formação dos filhos. A outra paixão na casa dos Gutierrez era a televisão, ligada a todo o momento em todo o tipo de assunto: novela, filmes, telejornais, programas de música e, é claro, futebol.

"A gente sempre teve um monte de TV em casa. E esse tanto de TV que eu assisti na vida serviu para eu ter um leque de referências para conversar, criar ou para trabalhar. Acho que o jornalismo surge inconscientemente nesse consumo muito alto de TV", comentou Lucas.

"Nossa família também adorava quando chegava quarta à noite para ver futebol. No domingo, todo mundo ia se reunir na sala e ia assistir ao jogo. Lembro que nos domingos eu acordava, assistia um pouco de TV, ficava em casa, minha avó vinha almoçar com a gente e aí ficava ali comendo aperitivo, esperando o grande momento do futebol", relembrou o apresentador.

A escolha pelo jornalismo é, de certa forma, resultado desses hábitos. Lucas também sempre foi fã de cinema, mas preferiu a comunicação, porque entendeu que seria uma carreira conservadora, porém com um pé nas artes.

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Dívida com a alma

Só depois que se formou em jornalismo, Lucas finalmente decidiu embarcar no mundo do teatro, um desejo antigo. O pai incentivava porque o filho era extrovertido, mas não suficiente para criar o impulso que daria coragem para se inscrever em um curso de atuação.

"Já estava trabalhando na TV — entrei na Globo como estagiário em 2006 —, ainda não na frente das câmeras, mas já tinha um ano de formado. Era jovem e pensei o que poderia fazer. Não queria no futuro me arrepender por não ter feito algo a mais. E aí me veio aquele chamado: 'acho que eu tenho que fazer alguma coisa de atuação'. Entrei em um curso e me apaixonei", comentou Lucas.

Ao mesmo tempo em que fazia pilotos para se tornar apresentador do "É Gol", do Sportv, e via a carreira como jornalista se encaminhando, Lucas apresentava peças que enchiam os olhos de brilho. A pulguinha atrás da orelha apareceu.

"Eu sinto que quando eu iniciei no teatro, em 2009, comecei a pagar uma dívida com a minha alma. E não acho que seja à toa que a minha vida melhorou, e muitas coisas aconteceram depois que eu comecei a fazer teatro. A partir daí, eu comecei a navegar: eu vou ficar na TV, como jornalista, ou eu vou largar tudo e ser ator?", destacou o apresentador.

A grande virada

Após oito anos no Sportv, Lucas se mudou para Nova Iorque (EUA) porque sua esposa Karin Duarte — também jornalista do grupo Globo — virou correspondente internacional. Ele deixou a TV e passou a se dedicar somente ao mundo das artes: entrou em uma escola de teatro e depois fez um curso com Allen Savage, o preparador de elenco que também deu aulas para ninguém menos do que Idina Menzel, que dá voz à personagem Elsa, de Frozen — ela que canta a música "Let it go".

Em meio a tudo isso, Lucas foi chamado para apresentar um programa da Globo durante a Copa de 2014 e retornou de vez ao grupo no ano seguinte, para comandar outras atrações. No início, o jornalista se sentiu valorizado, mas pouco depois viu sua energia cair com insatisfações. Por outro lado, ele se realizava com a área artística: seguiu estudando e produziu Relicário, seu primeiro curta, que foi lançado somente em 2021.

"Eu estava para sair da TV, porque eu não estava feliz com o que fazia. O programa que eu estava, o Giro da Rodada, era muito desvalorizado. Não tinha estúdio, e a Globo estava passando por uma reformulação. Refleti sobre o que eu poderia fazer caso deixasse a empresa ou como poderia aproveitar para sugerir algo à nova gestão", contou Lucas.

A chave virou no período da Copa do Mundo de 2018. Lucas conseguiu emplacar um programa que era a sua cara, o "Fala Muito". Pouco depois, o jornalista começou a cobrir férias no Esporte Espetacular até que virou o apresentador titular.

Eu entendi um outro lugar de realização no trabalho, porque eu não sou o cara analista, não sou o comentarista, não sou o fanático, sabe? Se você quiser conversar de cinema comigo, eu vou conversar com você horas. Se você quiser conversar de futebol, eu vou falar, mas em termos dos elementos humanos, das histórias, e não da formação tática do time.

Lucas Gutierrez

Na TV fechada, eu era meio que um patinho feio, porque eu não era o cara para ser chamado para apresentar debate, eu não era o cara para a mesa de debate. O público da TV aberta é exatamente como eu, que gosta dos elementos humanos e da emoção. Essa foi a grande virada: ser colocado em um lugar que, no final das contas, fazia todo sentido.

Lucas Gutierrez

Apresenta o programa que assistia com a família

As manhãs de domingo de uma família fã de televisão tem o Esporte Espetacular no meio. É claro que era assim com Lucas, o espectador que se tornou apresentador de um dos programas mais tradicionais da Globo.

"É uma viagem. Até hoje a ficha não caiu muito, sabe? Eu sou muito ligado à memória, então sempre penso nos momentos com a família, lembro de reportagens que assisti", comentou Lucas.

Para completar o combo cheio de simbolismos, Lucas viu uma história de sua família se tornar reportagem do Esporte Espetacular. É isso mesmo que você entendeu. Nos bastidores, durante aquelas conversas informais, o apresentador descreveu o dia em que seus pais entrevistaram Ayrton Senna no camarote no Carnaval de 92.

"Um grupo de amigos foi ao Carnaval e um deles era cinegrafista, que precisava enviar imagens à CNN internacional. Eis que no camarote Brahma, eles notaram a presença do Senna e resolveram fazer uma entrevista. Um homem ajudou com a produção e a mulher comandou o papo. Esses eram meus pais. Em 2022, completou 30 anos desse fatídico dia. O Noel Coser, que é editor-chefe do EE, propôs uma matéria sobre a história", relembrou o jornalista.

"Você imagina o que é? Fiz uma matéria com os meus pais para o Esporte Espetacular, com uma história que era da nossa família. Aquela historinha que a gente contava em reuniões de família foi contada para o Brasil, para o mundo todo. Isso é uma viagem muito boa", acrescentou.

Camilla Maia/João Miguel Júnior/Globo Camilla Maia/João Miguel Júnior/Globo

Dream Team

Tanto no Esporte Espetacular como no Segue o Jogo, Lucas acredita ter os melhores parceiros possíveis. Bárbara Coelho é vizinha do jornalista e o completa, porque ele a vê como uma das melhores comentaristas de futebol que conhece.

"Quando eu estava saindo em 2013, chegamos a fazer um piloto juntos. A Bárbara estava chegando? Quando retornei, a gente se reencontrou e eu me dou super bem com ela. É uma ótima parceria e, assim, ela tem ciúmes do meu louro favorito", brincou Lucas.

O tal louro que Lucas mencionou acima é Paulo Nunes. E quando o apresentador anda pela rua, frequentemente é abordado por espectadores que pedem para enviar um abraço ao ex-jogador. É carisma ou não?

"Quando começamos a montar o Segue o Jogo, eu falei que tinha que ter o Paulo Nunes. E foi coisa de afinar a dinâmica. Ele sempre comprou tudo. A gente se entende muito bem, sabemos bem o lugar que cada um deve ir na hora de falarmos com o público. Tem muita galhofa, claro, mas tem muito respeito. É um cara que eu vi jogar, vi ser campeão com Palmeiras e Grêmio e hoje trabalhamos juntos. O Paulo é aquele cara exatamente como você na TV, querido demais", destacou Lucas.

João Miguel Júnior/Globo João Miguel Júnior/Globo

A marca de Lucas

Lucas se inspira em nomes como Tiago Leifert, Tadeu Schmidt e Alex Escobar. São profissionais que, segundo o apresentador, conseguiram espaços singulares dentro do "sistemão" da Globo.

"O Tiago chegou e revolucionou o Globo Esporte, um cara que mudou o jeito de a gente editar as matérias no esporte. E o Tadeu com seu jeito de criar: mudou o jeito de a gente contar os gols de um jogo e expandiu isso para o jornalismo, quando ele se tornou apresentador do Fantástico. Ele conseguiu criar o espaço dentro da Globo, dentro do sistemão. A Globo é uma grande empresa, um sistemão", disse Lucas.

A construção da própria marca também passa por uma inspiração que Lucas realizou recentemente: Pedro Bial.

"O Bial é artista, é documentarista. Então, ele é um jornalistão, mas também é um artista. O Bial já esteve no esporte, cobriu a Copa do Mundo, a Olimpíada, e percebi o quanto ele é uma super referência", comentou.

É assim, como um artista jornalista que Lucas vai construindo sua marca. Nadando nos rios que se uniram e pensando, num futuro distante, que essa correnteza poderá até levá-lo em locais similares às suas inspirações.

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