Ele, Neymar e mais 9

Ídolo do São Paulo, Amoroso acha injusta ausência na Copa de 2002 e diz que hoje seria titular da seleção

Gabriel Carneiro e Rui Dantas Do UOL, em São Paulo Sportphoto/ullstein bild via Getty Images

Pelo Borussia Dortmund, Amoroso foi artilheiro e conquistou o título do Campeonato Alemão na temporada 2001/2002. Também foi vice-campeão da Copa da Uefa, torneio em que marcou três gols na semifinal contra o Milan de Maldini, Pirlo e Gattuso. Era difícil alguém que apresentasse credenciais melhores, mas isso não foi suficiente para uma convocação à Copa do Mundo do Japão e da Coreia do Sul após aquela temporada.

"Eu falo para você que teria vaga naquela seleção, sim", reflete, quase 20 anos depois: "Fica uma mágoa? Fica, porque o sonho de todo jogador, desde menino, é defender seu país nas competições mais importantes."

Para Amoroso, se futebol é momento, ele deveria ter sido convocado por Felipão em 2002. Isso sem contar a participação no título da Copa América três anos antes, com quatro gols em seis jogos e o título sob o comando de Vanderlei Luxemburgo. Parecia uma escolha óbvia.

Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo Fenômeno e Rivaldo. Para esses três eu poderia não ser convocado, mas por todos os outros que foram eu brigaria de igual para igual ou até teria mais chances."

Amoroso não participou do penta. Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho, sim. Além de Denílson, Kaká, Luizão e Edílson. O título mundial só veio três anos depois, com a camisa do São Paulo, clube em que hoje é ídolo e torcedor corneteiro. Aos 47 anos, o agora empresário, pai de jogador e comentarista da ESPN contou ao UOL Esporte o que pensa de futebol e da vida em suas alegrias e mágoas.

Se a concorrência pelo ataque da seleção acontecesse hoje, o goleador não tem dúvida: "Amoroso, Neymar e mais nove. Fácil, fácil (risos)".

Sportphoto/ullstein bild via Getty Images
Antônio Gaudério/Folhapress Antônio Gaudério/Folhapress

Luizão brinca comigo até hoje: 'o Amoroso foi muito melhor do que eu, mas eu fui penta, né?' Eu brigaria com Juninho Paulista, Edilson, Denílson, Kaká, que estava começando, e ali no meio com Ricardinho. Era um jogador mais meia ofensivo do que um atacante em si, mas jogaria em todas. É um sonho que não pude realizar. Sem mágoa do Felipão, mas não foi uma convocação pelo momento que os jogadores viviam. Sou brasileiro e fiquei feliz pelo penta."

Amoroso, sobre a ausência na lista de convocados da Copa do Mundo de 2002

Eu vejo a seleção hoje com uma dependência muito grande do Neymar. Parece que os caras que jogam com ele não acompanham o raciocínio, sabe? É preciso usar as característica dele no momento ideal para que ele possa ser decisivo, mas quem joga do lado tem que fazer o simples, não inventar: dar a bola nele e deixa que ele resolve. É o jogador que mais me encantou depois do Ronaldinho e vai ser difícil para caramba fazer outro Neymar no futebol brasileiro."

E o que pensa sobre a seleção brasileira atual

Assista à entrevista´: "Copa foi um sonho que não pude realizar"

Rubens Chiri

Ida ao São Paulo para espantar fantasmas

Amoroso fez sucesso no Guarani e ainda jogou três meses no Flamengo antes de ser vendido ao futebol internacional com apenas 22 anos. Ele ficou quase dez temporadas longe do país. Já experiente, concluiu que seria a hora de mostrar também ao público brasileiro que não era mais um craque que sai cedo do país, volta velho e não ganha mais nada.

O experiente atacante queria provar seu potencial num grande clube brasileiro e mostrar que devia, sim, ter uma Copa do Mundo no currículo. Em seis meses fez seu nome: conquistou a Libertadores e o Mundial de 2005 pelo São Paulo e criou um termo que a torcida tricolor adotou: "Morum-TRI".

"Quando surgiu a proposta de vir para o São Paulo, eu aceitei imediatamente porque sabia que me encaixaria muito bem naquele elenco, que já tinha alguns amigos, como o Junior, o Luizão, o Rogério Ceni, o Roger, goleiro reserva que já tinha tido uma passagem pelo Flamengo. Para mim, foi muito fácil me adaptar", diz o ex-jogador, que mesmo assim lembra de ter encarado desconfiança:

"Algumas pessoas não acreditavam que o Amoroso ainda estaria em grande fase, em um nível técnico muito alto. Mas eu sabia que poderia ser importante para o elenco justamente pela minha experiência. Cheguei para jogar, infelizmente por uma contusão do Grafite. O Paulo Autuori me deu confiança e hoje é só lembrança boa. Foram seis meses e hoje eu me considero um ídolo também do São Paulo. Não pelo longo tempo, mas pelo comprometimento e pelos títulos grandes."

O goleador fez um gol na decisão da Libertadores, o primeiro na vitória por 4 a 0 sobre o Athletico-PR. Antes, já havia balançado as redes na semifinal diante do River Plate, em Buenos Aires. Depois, no Mundial, fez dois no triunfo da semifinal contra o Al-Ittihad, da Arábia Saudita.

Fernando Santos/Folhapress Fernando Santos/Folhapress

Corneteiro tricolor? "Eu nem posso falar nada"

Alguns representantes da geração multicampeã de 2005 a 2008 são especialistas em uma coisa: a cornetagem aos times que não conseguiram tirar o São Paulo do jejum de taças. Foram quase nove anos, entre 2012 e a conquista do Paulistão deste ano. São ex-jogadores influentes, queridos pelo torcedor e de alguma forma novas fontes de pressão, principalmente via redes sociais. Amoroso é um deles e sabe o peso de suas palavras:

Eu nem posso falar nada porque qualquer declaração minha cai com uma bomba, né? Então a gente mede as palavras para poder falar alguma coisa."

O ex-jogador acha que o São Paulo "viveu durante muitos anos no ostracismo" e que a gestão do presidente Julio Casares, a quem chama de amigo, e da qual faz parte o "mestre" Muricy Ramalho, pode ajudar na reconstrução do clube.

"Ter conquistado o Campeonato Paulista tira um pouco esse peso das costas do torcedor, mas o São Paulo já vinha numa nova fase ajeitando a casa. Todo mundo fala 'ah, o Campeonato Paulista não serve'. Mentira, serve. Ele derruba, emprega e, se bem usado, vai dar muita vantagem lá na frente."

Mesmo assim, a recente eliminação na Libertadores com derrota por 3 a 0 para o Palmeiras gerou uma cornetada discreta de Amoroso. "Você começa a patinar em algumas situações que pela sua experiência poderia evitar. Do outro lado tem grandes jogadores que não facilitam, então é saber o momento certo de punir o adversário. Como na chance do Pablo, que caiu no pé dele a oportunidade do 1 a 1."

Reprodução

Comentarista e empresário

Articulado, Amoroso hoje é comentarista esportivo dos canais Disney: a ESPN Brasil e o Fox Sports. Além disso, lidera junto com a família duas empresas na região de Campinas, uma de roupas e outra de acessórios para celulares. Ele diz que as iniciativas vão bem, obrigado, e que são o resultado do planejamento que fez para quando deixasse o futebol e os grandes salários.

"Eu tive uma sorte de poder, graças a Deus, me estruturar para o pós-carreira. Hoje, divido as minhas atividades, o meu dia a dia, com as minhas três empresas e a minha família", afirma. Pai de Giovanni, Matteo e Isabela, respectivamente de 23, 18 e 7 anos, Amoroso ainda administra a carreira do filho do meio, que faz parte do elenco sub-23 do Internacional de Porto Alegre. É sua "terceira empresa".

Sobre ser comentarista, o ex-jogador acredita que sua atuação mistura um pouco de Caio Ribeiro com Júnior, ambos comentaristas da TV Globo. Mede as palavras, mas diz que não deixa de falar a verdade mesmo que ela seja dolorida para o jogador analisado. "Não posso deixar de falar o que estou vendo porque o cara vai ficar puto. Tento ser correto. Não me escondo atrás de amigos", fala o jogador, que costumava ganhar o vestiário pela "resenha", como diz.

Comentarista dos comentaristas

O Neto é um cara que fala a verdade, né? Ele é sincero. Um cara que jogou muita bola e tem propriedade para falar o que pensa. Já tivemos algumas discussões na época em que eu jogava no Corinthians, mas temos uma amizade de muitos anos. Muita gente não gosta do que o Neto fala, mas eu gosto. Melhor do que os que querem falar e não falam."

Sobre Neto

O Casão é mais parecido com quando ele jogava mesmo. Um cara que tinha uma visão e falava, mas nunca um cara polêmico. Você nunca viu ninguém falar mal do Casagrande como jogador, né? Eu joguei contra ele acho que umas duas vezes, ele estava no Corinthians. É um cara que tem opinião própria, tem quem goste e tem quem não goste."

Sobre Casagrande

O Caio já é mais tranquilo, procura medir as palavras e consegue analisar o jogo pela experiência que teve. Para mim é um dos melhores comentaristas do futebol brasileiro. Consegue colocar bem as palavras."

Sobre Caio Ribeiro

Além de ser meu ídolo, o Maestro é um cara que eu tenho amizade muito grande. É um daqueles que saiu da sua posição quando jogador, o que faz dele uma referência. Vou demorar para chegar nesse nível."

Sobre Júnior

É um cara que sabe ler o jogo, tem visão. Em campo ele era brigador, lutava por todas as bolas dentro da área. Então, ele sabe muito bem comentar situações dentro do jogo que poucos conseguem enxergar."

Sobre Edmundo

Robson Ventura/Folhapress Robson Ventura/Folhapress

Vida curta no Corinthians

Amoroso é ídolo do São Paulo, mas nove meses depois de deixar o Morumbi para jogar no Milan, estava de volta ao Brasil como contratado do Corinthians. O novo time era 15º colocado do Campeonato Brasileiro quando ele chegou. Ganhou a camisa 10, dias antes vestida por Carlitos Tévez, e começou com polêmica.

Eu já cheguei mudando o nome do clube (risos). Fiz uma confusão porque na Itália a gente chamava os times de 'società', né? Na minha apresentação ao Corinthians, veio isso na cabeça e saiu 'Sociedade Esportiva Corinthians', que é o nome do Palmeiras. Primeiro dia..."

O Corinthians se livrou da ameaça de rebaixamento em 2006 e terminou em nono lugar, já sob o comando de Emerson Leão, que tinha assumido na lanterna após 16 rodadas. Amoroso atuou em 12 jogos da campanha e fez dois gols.

"Eu sabia que não faria história, mas falei 'cair, comigo aqui, não vai'. Tive algumas lesões, fiz alguns gols, algumas partidas boas, outras não, mas nunca faltou comprometimento. Sempre me dediquei para ajudar o clube a sair daquela situação."

Na virada para 2007, questões financeiras já pesavam contra a relação. O Corinthians queria diminuir o salário de Amoroso, que não topou e se abriu para interessados depois de somente 23 jogos no Parque São Jorge. Santos e Fluminense tentaram, mas o destino foi o Grêmio. "Eu sai do Corinthians antes do Brasileiro de 2007. Não tinha ninguém mais para chamar responsabilidade e dizer que não ia cair. Aí caiu."

Victor Monteiro/Divulgação
Matteo Amoroso, o filho

Filho será o melhor da família?

De linhagem nobre no futebol brasileiro, Amoroso é sobrinho de José Amoroso Filho, centroavante do Botafogo e do Fluminense nos anos 60 que ainda hoje, aos 83 anos, conta suas batalhas ao lado de Garrincha, Nilton Santos, e Didi. Na família, o futebol segue seu caminho com Matteo, filho de Amoroso e sobrinho-neto do ex-jogador do Botafogo. Aos 18 anos, ele tenta a sorte nas categorias inferiores do Internacional.

O pai destaca as diferenças entre as três gerações e o estilo de cada uma delas. "Naquela época [anos 60], era um futebol diferente do que o que vivi, na década de 90, e do que meu filho está vivendo hoje e viverá daqui algumas décadas. Como melhor das três gerações, vou ficar com meu tio Amoroso, porque só de ele ter jogado com o Garrincha. É muito melhor, não tem jeito (risos)."

No passado, diz o comentarista, o futebol era muito técnico e só havia espaço para quem era diferenciado. "Cresci vendo meus primos, meus tios, que jogavam futebol, terem aquela técnica e queria ter também", afirma. "Hoje é muito mais físico. A gente vê um futebol voltado para outras situações, principalmente para o business: há uma influência muito grande nas vendas, nas contratações de jogadores importantes. Para falar para você a verdade, não me agrada o futebol de hoje."

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