Quase golaços

Dodô conta por que geração 97/98 do SPFC não vingou e lamenta não ter jogado no Corinthians, time de infância

Augusto Zaupa e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo Folha Imagem

Ao longo da carreira, Dodô ganhou o apelido de "Artilheiro dos Gols Bonitos", peregrinando por vários times do Brasil e alguns do exterior. O começo dessa trajetória foi impressionante, surgindo com 54 gols pelo São Paulo num único ano — um recorde que segue de pé na história do clube. Mas, apesar de grandes talentos entre 1997 e 1998, para o torcedor são-paulino ficou a sensação de que foi pouco.

Foi apenas um título paulista em 1998. E Dodô é o primeiro a assumir que aquela equipe poderia mais, coletivamente falando, já que muitos ali triunfaram em seus caminhos particulares: Rogério Ceni, Belletti, Edmílson, etc. Para o ex-atacante, aquela poderia ter sido "a melhor geração do São Paulo em todos os tempos".

Em entrevista ao UOL Esporte, Dodô faz essa reflexão e entrega detalhes pouco conhecidos de sua carreira, como as ofertas de Barcelona e Inter de Milão na época em que estava no Morumbi. O ex-atacante ainda revela que torcia para o Corinthians na infância e que, por três vezes, quase defendeu o Timão — na última delas, era para ter sido parceiro de Ronaldo.

Dodô, que hoje agencia jogadores junto do ex-zagueiro Bordon, ainda fala sobre não ter ido à Copa de 1998 e analisa experiências marcantes em outros clubes, como no Palmeiras rebaixado de 2002 e na relação mágica com o Botafogo.

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Dodô: golaços, doping, etc.

Reprodução/São Paulo FC

1997-98: poderia ser a melhor geração do São Paulo

Por décadas o São Paulo ganhou fama por revelar ou ascender inúmeros jogadores que despontaram no futebol europeu — cria tricolor, Kaká, inclusive, foi o último brasileiro a ser eleito o melhor do mundo, em 2007. Em meados da década de 1990, o time do Morumbi teve à disposição no elenco alguns atletas que chegariam à seleção e seriam pentacampeões de 2002, como Rogério Ceni, Belletti e Edmilson.

Se hoje o técnico Hernán Crespo é dependente do argentino Emiliano Rigoni para balançar as redes dos rivais, o São Paulo teve à disposição nas temporadas 1997/98 um trio de ataque de fazer inveja a qualquer equipe brasileira na atualidade, uma vez que contava com Dodô, França e Aristizábal. Este time ainda seria reforçado pelo ídolo Raí, que voltava de uma passagem de cinco anos pelo PSG.

O São Paulo tinha um time bom, nossa molecada era muito boa na época. Se aquele time tivesse uma casca mais forte fora do campo, um técnico mais experiente, eu acho que a gente seria a melhor geração que São Paulo já teve aí em todos os tempos."

"A gente tinha muito jogador bom. França, Fabiano, Rogério Pinheiro, Fábio Aurélio, Aristizábal, Denílson, Serginho, Rogério Ceni, Belletti, Edmilson... Todos jogadores que ficaram enormes depois. A gente não conseguiu ser campeão, mas a qualidade técnica desse time precisava da parte diretiva mais ativa, com visão de futebol, de um treinador mais experiente. Se a gente tivesse o que se vê no Flamengo hoje, com visão de futuro, visão comercial, essa geração do São Paulo iria ser muito mais do que que se tornou dentro do clube", acrescentou Dodô, que aproveitou para cutucar o técnico Paulo César Carpegiani.

"Acabei saindo muito em função do Carpegiani, fiz questão de sair porque a gente se desentendia muito, mesmo eu sendo artilheiro da equipe, ele pegava no meu pé por coisas sem nexo. Por isso que eu falo, que a questão diretiva, eu, como diretor da época, jamais permitiria que isso acontecesse. O jogador é patrimônio do clube e em nenhum momento eu desacatei", recordou Dodô, que à época, em 1999, acabou se transferindo para o rival Santos.

O Muricy bancou a minha posição de titular. Mesmo com outros jogadores importantes do grupo, ele me deu a oportunidade de ser titular contra a vontade de muita gente lá no São Paulo. Ele me viu treinando, viu que eu estava bem e fez aquilo que todo treinador tem que fazer, que é colocar o melhor para jogar.

Dodô, ex-jogador, sobre o começo de trajetória no São Paulo

Folha Imagem

"Tive propostas de Barcelona e Inter"

Revelado pelo Nacional (SP), Dodô atravessou a rua em 1995, depois de uma passagem curta pelo Fluminense, para defender o São Paulo — a sede do modesto clube paulistano fica em frente ao CT tricolor na Barra Funda, na zona oeste da capital paulista. Ainda com 21 anos e com pouco espaço, foi emprestado ao Paraná Clube na temporada seguinte e regressou ao Morumbi no mesmo ano para a disputa do Brasileirão.

Dodô, no entanto, começou a deslanchar no Tricolor em 1997. Ao lado do colombiano Aristizábal, fechou aquele ano com 54 gols em 69 jogos. Ele ostenta até hoje o recorde de mais gols numa mesma temporada vestindo a camisa são-paulina na história.

A temporada de brilho despertou o interesse de clubes do outro lado do Atlântico, mas a diretoria tricolor recusou ofertas, e Dodô viu escapar a oportunidade de atuar no Barcelona, que na época contava com Luís Figo, Rivaldo, Giovanni, Luis Enrique, Pep Guardiola, entre outros.

"Eu tive propostas concretas do Barcelona e da Inter de Milão. Na época, que o Denílson tinha sido vendido para o Betis [em agosto de 1997]. Os contratos eram feitos de maneira diferente, o São Paulo não tinha multa e o São Paulo era quem decidia o que iria acontecer. Junto com o Juan Figger, que era meu empresário, decidiram para que eu ficasse", recordou.

"Depois, fui procurado por Sevilla e Betis, só que as condições financeiras da época... Eu sempre joguei em grandes clubes aqui do Brasil. Às vezes, a gente preferia ficar aqui do que ir jogar nesses clubes [de menor expressão], mas tive propostas de sair e não saí", completou o atacante, que teve passagens pelo futebol sul-coreano (Ulsan Hyundai), japonês (Oita Trinita) e dos Emirados Árabes Unidos (Al-Ain FC).

Sou 'fanzaço' do Barcelona, desde sempre. Ia ser um sonho realizado poder vestir a camisa do Barcelona, mas acho que eu não tinha muito nível para isso, não (risos).

Dodô, atacante aposentado, sobre o namoro com o gigante espanhol

Antonio Lacerda/EFE

Infância corintiana

Nascido na Vila Matilde (zona leste da capital paulista), Dodô atuou por três dos quatro maiores clubes do Estado de São Paulo, mas nunca conseguiu concretizar o sonho de vestir a camisa do time que torcia na infância, quando ainda morava na Cohab de Itaquera: o Corinthians.

"Cresci gostando muito do Corinthians, acompanhava no rádio, gostava bastante até eu começar a jogar profissionalmente. A paixão foi deixada de lado e, como eu joguei em vários clubes, gosto muito de ver futebol hoje. Hoje, o meu time de coração é o Barcelona, estou muito triste [pela saída do Messi para o PSG]. Mas não tenho um time específico, tenho carinho pelos que eu joguei, mas hoje eu não torço para nenhum time aqui do Brasil", contou.

A possibilidade de reforçar o Corinthians resvalou 'na trave' em 2002, quando o atacante preferiu aceitar a oferta do Palmeiras.

"Eu tinha duas propostas na mesa em 2002. Aí, escolhi o Palmeiras porque o [Vanderlei] Luxemburgo era o técnico. Na época, todo mundo que trabalhava com ele já chegava na seleção de novo. O Palmeiras tinha um time bom também, infelizmente, deu tudo errado. Não era um time ótimo, mas era um time bom. A gente entrou numa maré muito ruim e acabou caindo para a segunda divisão [do Brasileirão]", analisou o ex-jogador, que ficou apenas seis meses no clube e fez somente três gols.

Fui dispensado do Corinthians quando eu tinha 13 anos. Fui dispensado pelo Seu Ivan, que era o treinador. Ele queria me colocar de lateral esquerdo, e aí falei: 'pô, de lateral esquerdo não tem nada a ver comigo'. Ele ficou na birra comigo e me mandou embora. Depois ele veio me pedir desculpa quando eu estava no São Paulo.

Dodô, sobre a frustração na base corintiana

Luiz Ackerman/Photocamera

Doping atrapalhou dupla com Ronaldo

O flerte entre Dodô e Corinthians ganhou novo episódio nos meses derradeiros de 2008, mas um fato inesperado na carreira do jogador impediu o casamento. O "Artilheiro dos Gols Bonitos" havia assinado pré-contrato para defender o Timão na temporada que marcaria o retorno do clube à elite do Brasileirão após o descenso.

Na ocasião, ele iria atuar ao lado de Ronaldo, mas a suspensão por doping frustrou os planos — foi punido pelo CAS (Corte de Arbitragem do Esporte) por dois anos por uso de femproporex (anfetamina presente em remédios para emagrecimento).

"Eu estava com um pré-contrato com o Corinthians de dois anos. O Antônio Carlos [Zago], que era gerente de futebol [era diretor], foi na minha casa no Rio e falou: 'o Corinthians quer que você jogue no lá, porque você é a cara do Corinthians'. Eu fiz o pré-contrato e falei: 'só vamos esperar, se Deus quiser, dar tudo certo lá, que eu não seja punido, está certo o contrato'. Só que veio a punição, e eu não pude jogar no Corinthians", lamentou.

Assim como em São Paulo, Dodô quase fechou a 'quadra' no Rio. Pelos times da Cidade Maravilhosa, foi vice-campeão da Libertadores pelo Fluminense (2008), campeão carioca pelo Botafogo (2006) — anotou 90 gols em 124 jogos pelo Alvinegro — e teve passagem de seis meses pelo Vasco em 2010. Porém, também ficou no quase com o Flamengo.

"Muitas vezes [recebeu ofertas], mas o Flamengo, como rival do Botafogo, era complicado. Tive algumas propostas do Flamengo ainda jogando no Botafogo. Assim, é difícil de jogar no Flamengo."

Três camisas

Reprodução

Santos

"O Santos me fez uma proposta, acho que US$ 7 milhões. Adorei jogar no Santos, a recepção foi muito legal. Era o Leão o técnico, era um time muito limitado, tinha muitos jogadores jovens. A gente tinha uma cobrança muito grande porque o Santos não conquistava nada. Foi uma experiência muito legal. Fiz 60 gols e vesti a camisa 10 por duas temporadas."

Reprodução/Instagram

Botafogo

"O Botafogo era a minha casa. A torcida entendia o jeito que eu jogava, nunca vi isso. O Botafogo nunca foi um time com um primor de qualidade técnica, até pela condição financeira do clube. Mas a torcida entendia [a situação]. O time mal, e a torcida me aplaudia, ficava até com vergonha dentro do campo. A torcida me entendeu. Botafogo foi lindo demais."

Folha Imagem

Palmeiras

"O Palmeiras jamais vai ser um erro. Tinha proposta do Palmeiras e do Corinthians [na temporada 2002] e poder escolher um dos dois... Pensei, estava com 30 gols na temporada e vou fazer 60 de novo. Mas deu tudo errado e isso acontece, mas escolheria de novo e tentaria fazer diferente porque não tem como falar que o Palmeiras é um erro."

Michael Steele/EMPICS via Getty Images

Concorrência para 98

Dodô viveu grande temporada pelo São Paulo em 1997, com 54 gols. Em uma noite inspirada em 16 de julho daquele ano, o atacante anotou cinco vezes contra o Cruzeiro no Mineirão, na goleada do Tricolor por 5 a 0. Dias depois, foi lembrando pelo técnico Zagallo na convocação da seleção para amistosos contra Japão e Coreia do Sul.

Mas, apesar daquele 97 brilhante, o artilheiro teve poucas oportunidades na seleção e ficou fora da Copa da França, em 1998. Dodô entende que não esteve no Mundial em razão da concorrência no setor ofensivo, que contava com Ronaldo, Bebeto, Denílson, Giovanni e Edmundo — Romário era constantemente convocado e foi cortado por lesão.

"A concorrência era grande. Quando eu fui convocado para a seleção pelo Zagallo, era o time que jogou a Copa. Na minha estreia, era todo mundo e eu no lugar do Bebeto. Eu estava muito bem no São Paulo, voando, jogando pra caramba, era o melhor jogador do país. As opções que o Zagallo tinha eram muitas. Vários jogadores tinham importância nos clubes, eram jogadores de ponta."

Ao todo, Dodô foi convocado cinco vezes e anotou dois gols com a camisa amarela da seleção.

O Neymar a gente divide, futebol e as outras coisas [fora de campo]. Ele, depois do Messi, para mim, é o melhor que tem, é um cara excepcional jogando futebol e é o único talento que a gente tem, craque diferenciado.

Dodô, sobre o principal jogador da seleção na atualidade

Miguel Schincariol/Perspectiva/AE

Qual o preferido do "Artilheiro dos Gols Bonitos"?

Pode até parecer piegas, mas são tantas belas opções que fica difícil escolher.

Mas e aí, Dodô: qual o seu gol mais bonito?

Tem o gol pelo Santos após o chapéu sobre o zagueiro Lúcio e que foi completado com o chute forte para bater o goleiro João Gabriel (sem a bola quicar no gramado). Tem a batida de primeira, de fora da área, depois do cruzamento de Thiago Neves na goleada do Fluminense sobre o Arsenal de Sarandí (ARG). Tem a arrancada, escapando dos marcadores do Grêmio antes de invadir a área e deixar o goleiro Danrlei deitado no campo. E tem ainda a 'folha seca', talvez inspirada em Didi, na vitória do Botafogo sobre o Madureira no Maracanã.

"É difícil falar um gol só. Eu vejo pelas redes sociais o pessoal: 'pô, põe aquele gol, põe aquele gol'. Pedi para o pessoal selecionar o mais bonito, é difícil, porque são momentos diferentes, muitos gols importantes", hesitou.

"Esse do Fluminense chama muita atenção pelo grau de dificuldade. Então, o gol foi, com certeza, o mais difícil que eu fiz na minha carreira, pelo grau de dificuldade, pelo jeito que a bola foi, pela distância que eu estava do gol. Mas tem outros que eu acho mais bonitos", finalizou.

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