Sempre fiel

Chicão exalta era Ronaldo no Corinthians, diz que jogaria pelo time na Série C e vê preocupação com Sylvinho

Augusto Zaupa e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo Helio Suenaga/LatinContent via Getty Images

Símbolo de uma era de transição no Corinthians, que disputou a Série B e conquistou a América e o mundo no intervalo de apenas quatro anos, Anderson Sebastião Cardoso, mais conhecido como Chicão, se tornou um dos destaques do time e caiu nas graças da torcida pela dedicação.

Segundo zagueiro com mais gols vestindo a camisa corintiana — o recordista é Grané (48 gols em 179 jogos nas décadas de 1920 e 30) —, Chicão foi do inferno ao céu no time paulista. Em 247 jogos e 42 gols, ajudou o Timão a se reconstruir depois da queda para a segunda divisão do Brasileirão e conquistou oito títulos pelo Alvinegro ao longo de mais de cinco anos no clube.

Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, Chicão recordou a chance de realizar o sonho de defender o clube do coração e da família, o amor pelo time que atuaria até na Série C (se necessário), a mudança de patamar corintiana após a contratação de Ronaldo Fenômeno e o dia em que foi dispensado por Luxemburgo no Flamengo. Hoje, como comentarista, analisa o Corinthians de Sylvinho com "preocupação".

Helio Suenaga/LatinContent via Getty Images

Corintianismo na veia

Susto ao saber que jogaria com R9

Na temporada de 2008, o torcedor corintiano talvez tenha passado os meses mais tenebrosos por conta da disputa da Série B do Brasileirão. Porém, com o retorno garantido ao fim daquele ano, a diretoria daria um salto gigantesco de gestão e reestruturação ao anunciar a contratação de Ronaldo, que estava sem clube após o fim do seu contrato com o Milan.

Passando férias no interior de São Paulo, Chicão contou que ficou espantado ao saber da notícia, pois o Flamengo flertava com o atacante.

"A repercussão de apresentar o Ronaldo foi mundial, não foi uma coisa de você trazer um jogador de um time menor para um time maior e ter aquela apresentação. Eu lembro que eu estava no interior, aí o meu telefone tocou era o [então diretor técnico Antônio Carlos] Zago. Ele disse: 'você vai jogar com o homem'. Perguntei que homem? 'Com o Ronaldo', Falei: 'ah, sério? Brincadeira, né?'. 'Não, estou falando sério, o homem tá contratado, já vai se apresentar, assim, assado', recordou.

Em 2002, na Copa do Mundo, quando ele estava jogando, eu estava assistindo o cara, depois você ter oportunidade de jogar ao lado. Eu sou privilegiado pela carreira que tive e jogar com grandes jogadores e grandes pessoas porque joguei com ele, o Roberto Carlos também e depois trabalhei com o Roberto na Índia. A gente costuma dizer que existe o Corinthians antes e pós Ronaldo.

Chicão, ex-jogador do Corinthians

Daniel Augusto Jr./FOTOARENA

Ronaldo em vestiário de contêiner

Em dezembro de 2008, quando o Corinthians soltou a bombástica notícia da contratação de Ronaldo, ninguém imaginaria que o atacante eleito o melhor jogador do mundo em três ocasiões (1996, 1997 e 2002) deixaria as luxuosas e modernas instalações nos centros de treinamento da Europa para encarar vestiários de contêineres, improvisados para os jogadores do clube paulista trocarem de roupas e tomar banho com água gelada no CT do Parque Ecológico.

"Lembro muito bem também dos treinamentos na Fazendinha, no Parque São Jorge, que o campo não era legal, não era bacana, não tinha uma estrutura na questão de sala de musculação, de fisioterapia, de recuperação dos atletas, e, ao longo do tempo foi conquistado isso. Hoje tem um CT maravilhoso, tem um estádio, mas eu lembro de 2008/2009 na fase de construção do CT, por exemplo, a gente pegava roupa no Parque São Jorge ia para o CT, treinava lá e tomava banho no contêiner", repassou Chicão.

O ex-zagueiro, no entanto, recordou que nunca presenciou o Fenômeno reclamando da estrutura precária. Pelo contrário, ele ajudou o clube a captar investimento para a modernização do CT do Parque Ecológico, que se tornaria o CT Joaquim Grava.

"Se o cara três vezes o melhor do mundo está aqui com a gente nessa humildade, por que não a gente passar por isso também para conseguir coisas lá na frente? Era um exemplo de que um cara que ganhou tudo, jogou nos maiores clubes do mundo e estava ali com a gente para participar desse momento de transição, de saída Fazendinha para o CT, não tinha porque a gente reclamar. Ele passou por coisas piores na carreira, que era cirurgia no joelho, várias lesões, e eu acho que um simples banho em um contêiner não seria dificuldade para ele."

Folha Imagem

Pintura de Ronaldo ofuscou golaço de Chicão

Em 26 de abril de 2009, o Corinthians deu importante passo rumo à conquista do seu 26º título paulista ao ganhar do Santos por 3 a 1, na Vila Belmiro, com dois gols e show de Ronaldo. O placar, porém, foi aberto por Chicão, em uma cobrança de falta no canto esquerdo do goleiro Fábio Costa.

Ainda no primeiro tempo, aos 25 minutos, o atacante começou o espetáculo na Vila. Após longo lançamento, o camisa 9 teve habilidade para dominar a bola e bater de esquerda para aumentar. Mas a 'pintura' do Fenômeno ainda estava por vir.

Já na segunda etapa, quando o Peixe havia conseguido diminuir a desvantagem, Elias roubou a bola no círculo central, partiu em velocidade e tocou para Ronaldo. Da intermediária, o atacante driblou Triguinho e tocou por cima de Fabio Costa - que em entrevista em 2020 refutou ter falhado no lance.

"Eu brinco que ele ofuscou meu gol, porque o primeiro gol lá foi meu de falta. No primeiro gol dele, eu antecipo uma bola, dou um balão para frente, ele faz aquele domínio de direita e finaliza de esquerda. O segundo gol do Ronaldo, ele mesmo já contou que já tinha percebido isso do Fábio Costa, que jogava um pouquinho adiantado. Você poder estar dentro do campo, ver uma maestria daquela lá, é surreal, né? É um cara que fazia algo diferente dentro do campo, é aquele jogador que você fala 'toma cuidado porque se não ele vai fazer realmente' e ele fez aquele dia, foi mágico", relembrou Chicão.

Folha Imagem

Jogaria até na Série C pelo Corinthians

Para buscar a volta à elite do Brasileirão em 2008, o Corinthians fez várias contratações para disputar a Série B. Então com 26 anos, Chicão havia se destacado no Brasileiro de 2007 ao marcar dez gols, a maioria de bola parada, com a camisa do Figueirense. Ele foi um dos pedidos do técnico Mano Menezes, que assumiria o clube semanas depois.

"Eu cheguei primeiro que o Mano no Corinthians, ele tinha a intenção de me levar para o Grêmio, onde ele estava. Como eu tinha dado a palavra para o Antônio Carlos Zago [então diretor de futebol] que eu aceitaria o convite que ele tinha me feito, acabei recusando uma proposta do mundo árabe. Também recusei uma outra proposta de um clube de São Paulo porque já tinha dado a palavra para ele."

"Eu jogaria até na Série C, qualquer campeonato que fosse o Corinthians disputar, jogaria porque era um sonho que estava sendo realizado, não só meu, mas como da minha família também, principalmente do meu pai. Acho que sou o único zagueiro que fez dez gols em uma edição de Campeonato Brasileiro e veio o reconhecimento depois e uma proposta do Corinthians, que eu não poderia deixar de aceitar."

Antes de se destacar no Figueirense e ser campeão do mundo e da Libertadores pelo Corinthians, o zagueiro teve passagens por times de menor expressão, como Mogi Mirim, Portuguesa Santista, América de Rio Preto e Juventude.

Ricardo Nogueira/Folhapress Ricardo Nogueira/Folhapress

Libertadores foi mais importante que o Mundial

Durante muitos anos os corintianos conviveram com as provocações dos torcedores rivais pelo fato de o clube não ter conquistado do título da Copa Libertadores, mesmo quando ganhou o primeiro Mundial de Clubes organizado pela Fifa, em 2000 e em território brasileiro. Mas as chacotas ficaram no passado em 2012, quando, enfim, o Alvinegro ganhou a América diante do Boca Juniors.

"Seria hipocrisia da minha parte falar que o sonho era chegar lá no Mundial, o sonho era ser campeão. Surgiu a oportunidade de ganhar uma Libertadores e depois, consequentemente, o Mundial. Eu acho que o foco maior era uma Libertadores porque o Corinthians tem o título de Mundial 2000, mas uma Libertadores a gente não tinha. Era o sonho de qualquer atleta poder marcar na história o seu nome. Muitos bons jogadores, ótimos jogadores, ídolos, que passaram no clube, não conseguiram esse título. Nós tivemos a oportunidade de conquistar, me sinto honrado e privilegiado por ter feito parte de toda essa história", analisou Chicão.

Mas antes de conquistar a América, um fato negativo marcou aquele grupo: a eliminação para o Deportes Tolima, na Pré-Libertadores de 2011, tornando-se o primeiro time brasileiro a cair nesta fase preliminar. Para o ex-zagueiro, não houve descaso diante da modesta equipe colombiana.

"Eu não falo nem que houve menosprezo em relação ao Tolima, acho que o que faltou, de repente, para todos no geral, era se cuidar um pouquinho mais para chegar bem nesse jogo. A gente não conhecia a equipe do Tolima e quando nós vimos no Pacaembu, ela se apresentou muito bem [empate sem gols]. E lá nós perdemos o jogo de 2 a 0, e méritos do Tolima, a gente tem que reconhecer porque fez um bom trabalho e conseguiu passar pelo Corinthians naquela época."

O título do Mundial também tem uma importância muito grande, mas, sem dúvida nenhuma, nós acabamos também com aquela piada que o Corinthians não tinha Libertadores.

Chicão, ex-jogador do Corinthians

Reprodução/Youtube

Sylvinho "não tem costas largas"

Apesar de ter deixado o Corinthians há oito anos, Chicão ainda acompanha de perto o dia a dia do clube. O ex-zagueiro disse que ficou preocupado com a situação do clube nesta edição do Brasileirão e que chegou a temer um novo rebaixamento. No entanto, diz crer que as contratações de Renato Augusto e Giuliano vão ajudar a recolocar o time nos trilhos.

"Antes dos reforços, eu tinha até um receio [do descenso] e até porque também tem time pior que o Corinthians aí, tem time jogando muito pior, mas tem que se preocupar porque o futebol brasileiro, o Campeonato Brasileiro não perdoa. Time grande quando entra ali [zona de rebaixamento] sente uma dificuldade muito grande para sair. A gente está vendo o São Paulo e o Grêmio, que está ali atrás na tabela e fazendo uma força danada para sair e não está conseguindo", alertou.

Ocupando atualmente a 12ª posição no Brasileiro, com apenas quatro pontos à frente da zona de degola, o Corinthians tem oscilado muito, tanto que venceu apenas três dos seus últimos dez jogos no torneio - empatou quatro e perdeu outras três vezes. Para Chicão, a diretoria deveria ter contratado um treinador mais experiente.

"Como a gente fala no futebol, não tem costa larga para aguentar a tal pressão. O torcedor vai cobrar, o torcedor não quer saber se é o Sylvinho, se é o Tite, se é o Carille, vai cobrar o resultado. Eu não via muita evolução na questão ofensiva. Uma coisa que eu sempre falo e ressalto aos torcedores é a questão do sistema defensivo, ele melhorou muito. Não está tomando o gol bobo que nem estava tomando, toma gol por méritos do adversário. É uma coisa que ele evoluiu, mas precisa melhorar muito ainda para poder sair dessa zona aí desconfortável", analisou.

Buda Mendes/Getty Images

Saída do Fla por decisão de Luxa: "não entendi bem"

O ciclo de mais de cinco anos de Chicão no Corinthians chegou ao fim em agosto de 2013. Mas o zagueiro trocou uma grande torcida por outra ao acertar a sua transferência para o Flamengo. À época, ele tinha em mãos uma proposta de renovação por mais um ano, mas decidiu sair porque não estava sendo titular com o técnico Tite.

No Rio, o jogador então encontrou outra figura conhecida do futebol brasileiro: Vanderlei Luxemburgo. Chicão começou a temporada na reserva, mas passou a ser escalado com frequência depois da chegada de Luxa. Mas o clima de paz com o técnico durou pouco, e ele acabou dispensado antes do término do Brasileirão 2014.

"Eu sai rapidinho porque foi muito curto. O Vanderlei me chamou na sala e falou que não ia renovar meu contrato porque meu salário era alto e precisava contratar um meia, não entendi, não entendi muito bem. 'Tá bom, professor, não teve nem proposta de renovação, entendo, vou embora'. No outro ano chega o Bressan como zagueiro lá, não entendi muito bem que se o Bressan tinha virado meia, se já tinha o Chicão poderia ter continuado, mas respeitei, respeitei e respeito porque foi uma decisão dele."

"Eu tenho uma gratidão pelo Flamengo, muito grande, porque você sai de um clube como o Corinthians, depois de tudo que você conquistou, a diretoria te chama e fala que você não serve mais praticamente para o grupo, para o elenco, para o time, enfim, para o Corinthians. E quem que te abre as portas? O Flamengo, simplesmente Flamengo. Eu só tenho gratidão pelo Flamengo, me abriu as portas, tenho amigos lá hoje", acrescentou o zagueiro, que foi campeão da Copa do Brasil 2013 e do Carioca 2014 pelo Rubro-Negro.

Reprodução/YouTube

Vida de comentarista em rádio própria

Depois da passagem pelo Flamengo, Chicão ainda defendeu o Bahia e se aventurou no futebol indiano, quando aceitou convite do então treinador e lateral esquerdo Roberto Carlos para atuar no Delhi Dynamos. Mas, em julho de 2016, chegou o momento de anunciar a aposentadoria.

Atualmente, o ex-denfensor ataca de comentarista esportivo em um canal no YouTube que leva o seu nome: Rádio Chicão - 03, que conta com mais de 8 mil inscritos. "Lá é descontraído para gente trabalhar com leveza, isso é importante", disse o ex-jogador, hoje com 40 anos.

Como não poderia ser diferente, o canal prioriza as transmissões dos jogos do Corinthians. Todavia, Chicão planeja aumentar a equipe para acompanhar partidas de outras equipes, como fez recentemente no duelo entre São Paulo e Palmeiras, pelas quartas de final da Libertadores.

O canal foi criado no YouTube em maio deste ano e já conta com mais de 116 mil visualizações.

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