Topo

"A imagem de Salah gera tolerância", diz líder da 1ª mesquita britânica

Caio Carrieri/Colaboração para o UOL
Imagem: Caio Carrieri/Colaboração para o UOL

Caio Carrieri

Colaboração para o UOL, em Liverpool (ING)

23/05/2018 04h00

“Mohamed Salah é famoso no Brasil também?”, pergunta Galib Khan, 69, com sorriso entusiasmado e brilho nos olhos. Ao ouvir a resposta afirmativa, o presidente da mesquita mais antiga do Reino Unido reage com simpatia. “Fico orgulhoso em saber que ele tem a admiração do país de ícones como Pelé e Sócrates”.

O berço da religião muçulmana na Inglaterra sente os efeitos positivos do que o atacante do Liverpool tem feito com maestria a menos de 2 km de distância dali, no Anfield. Somados às ações de caridade na sua cidade natal no Egito, os 44 gols em 51 jogos do finalista da Liga dos Campeões deixaram não só adversários pelo caminho como abalaram a generalização e o preconceito contra seguidores do Islã, avaliam os líderes do templo pioneiro.

“Mo Salah atingiu aquilo que governos e políticos do mundo todo não conseguiram, que é transformar a percepção das pessoas”, afirma Mumin Khan, diretor-executivo da Fundação Abdullah Quilliam, cujo nome homenageia o responsável pela iniciativa de abrir a mesquita no noroeste do país, em 1887. “Começamos a receber não muçulmanos interessados em saber como é aqui dentro, quais os rituais de reza de Mo Salah. A imagem dele gera tolerância das pessoas, o melhor fator possível quando vivemos em sociedade e respeitamos os valores e a fé de cada um”.

Com cerca de 4 milhões de adeptos (6,3% dos habitantes), o islamismo ocupa o posto de segunda religião mais popular do Reino Unido, atrás apenas da maioria cristã. Em Liverpool, cidade multicultural, com raízes na classe operária e historicamente aberta à diversidade, torcedores dos Reds compuseram uma música em referência à devoção espiritual do Rei Egípcio, apelido carinhoso do novo ídolo. Inspirados na canção “Good Enough” (Bom o suficiente), sucesso de 1996 da banda britânica Dodgy, os seguintes versos ecoam em reverência a Salah:

“Se ele é bom o suficiente para você / Ele é bom o suficiente para mim / Se ele fizer mais alguns gols / Então eu serei muçulmano também / Ele está sentado em uma mesquita / É lá que eu quero estar”.

Um dos curadores da restauração da mesquita inaugurada no século XIX, Abdul Hamid, 42, relata que Salah frequenta diferentes centros religiosos na cidade, sempre de maneira discreta. “Tenho certeza que ele já esteve aqui, mas pelo perfil modesto que ele adota, não foi reconhecido. Eu o encontrei em um local menor e ele foi muito respeitoso no nosso breve contato”.

Hamid ainda relembra os tempos em que a pluralidade não era comum nos estádios ingleses. “Nasci e cresci em Londres, e um dos meus amigos de escola, negro e muçulmano, jogou no West Ham nos anos 80. Ele sofreu tanto racismo e preconceito da própria torcida que teve de deixar o clube. Naquela época os muçulmanos tinham de evitar os arredores do West Ham, Chelsea e Millwall”, relata.

Final no período do Ramadã

A decisão do próximo sábado contra o Real Madrid, em Kiev (UCR), acontecerá durante a época do Ramadã, ritual interpretado como forma de purificação com jejum do nascer até o pôr do sol, o que modifica radicalmente a rotina dos muçulmanos e exige condicionamento redobrado de atletas de alto rendimento.

“Este momento serve para reforçamos a nossa espiritualidade e pensarmos naqueles que são menos prósperos do que nós. Fazemos doações em dinheiro, de alimentos e prestamos nossa solidariedade a instituições carentes”, explica Hamid.

“Claro que se alguém estiver em jejum e não se sentir bem, tem de suspender a prática. Mas Mohamed Salah está acostumado a condições adversárias, porque cresceu jogando em altíssimas temperaturas no Egito. Pelo o que soubemos, ele e (Sadio) Mané seguirão as tradições de jejuar. Caso eles decidam pelo contrário, como recompensa terão de doar alimentos para no mínimo 60 pessoas”, finaliza.