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Curitiba se destaca na produção de orgânicos em hortas comunitárias

Curitiba tem 170 hortas comunitárias apoiadas pela prefeitura Imagem: Divulgação/Prefeitura de Curitiba

Jess Carvalho

Colaboração para Ecoa, em Curitiba

24/05/2024 04h01

Lorena Alves dos Santos, 73, nasceu no campo e se manteve em contato com a terra mesmo depois de se mudar para a cidade. Desde o início da década de 1990, ela mora no Sítio Cercado, bairro periférico de Curitiba. Há 20 anos, a aposentada cuida de uma horta comunitária urbana perto de casa, onde planta os orgânicos que consome.

Ao contrário do que o nome sugere, o Sítio Cercado é altamente urbanizado. Segundo o Censo do IBGE de 2010, ele é o segundo bairro mais populoso do município, com mais de 115 mil habitantes que vivem, majoritariamente, em moradias populares.

Este é o caso de Lorena. Ela costumava morar em um casebre de madeira no meio de um quintal com área verde, mas, alguns anos atrás, fez uma permuta com uma construtora e trocou a metade do seu terreno por uma casa de alvenaria. Desde que as construções ocuparam todo o espaço disponível, seu refúgio é a horta.

Ela ainda se lembra de quando foi à rua da Cidadania do Sítio Cercado para solicitar autorização para plantar, no início da década de 2000. Após analisar e aprovar o pedido, a Prefeitura de Curitiba cedeu a ela e outros moradores alguns canteiros na beira de um rio que corta o bairro, além de insumos para dar início ao plantio.

Desde 1986, esta é uma política do município. Cidadãos interessados em plantar em vazios urbanos como linhões de energia e terrenos baldios precisam se organizar por meio de Associação de Moradores ou Entidade Social para fazer o pedido. A prefeitura pede que pelo menos dez pessoas estejam engajadas no cultivo. Se a solicitação for aprovada no estudo de viabilidade técnica, o poder público oferece terra, adubo, calcário, mudas e sementes para as hortas. Os agricultores também podem fazer capacitações por meio da Fazenda Urbana, outro projeto do município.

Os principais objetivos dessas iniciativas são ajudar a combater a fome e estimular a população a se alimentar de forma saudável, priorizando alimentos orgânicos.

"A maioria dos produtores é de baixa renda", indica a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, que administra o projeto Hortas Comunitárias Urbanas. "As hortas também têm um caráter terapêutico, beneficiando principalmente idosos, que geralmente moram sozinhos e encontram nesses espaços um ambiente de convivência, reduzindo os casos de depressão".

É exatamente assim que Lorena encara os dias de plantio. "É uma terapia para a cabeça da gente. Eu não penso em nada quando mexo na terra, é muito gostoso", fala. Ela gosta de plantar mandioca, couve, alface, pepino, abobrinha e beterraba.

Hortas por toda a cidade

Atualmente, Curitiba conta com 170 hortas urbanas comunitárias, escolares e institucionais (mantidas por asilos, por exemplo) espalhadas por toda a cidade, com destaque para os bairros Sítio Cercado, CIC, Tatuquara, Alto Boqueirão, Pinheirinho, Uberaba, Xaxim, Fazendinha, Campo do Santana, Caximba e Boqueirão.

Conforme informações da Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional, a atividade envolve aproximadamente 5.828 pessoas diretamente e beneficia cerca de 42.596 pessoas indiretamente, entre produtores, familiares e vizinhos.

As hortas têm uma área total de 19,78 hectares, e a pasta estima que produzam em torno de 1.650 toneladas de hortaliças ao ano, entre alface, couve, brócolis, rúcula, almeirão, repolho e temperos. A maior parte da produção é destinada ao consumo próprio dos agricultores, mas eles também podem comercializar os excedentes para complemento de renda.

No Sítio Cercado, vizinhos e donos de restaurante frequentam diariamente a horta para comprar os orgânicos. Lorena explica que os compradores podem ser atendidos por qualquer um dos 11 agricultores urbanos que compartilham o cuidado do espaço. Quem tem o produto e está presente no local quando o cliente chega, vende.

Quando a reportagem esteve na horta, a aposentada estava cultivando alfaces orgânicos. "No mercado custa mais ou menos R$ 5 reais a cabeça de alface, aqui a gente vende a R$ 2,50", disse Lorena. "Além de tudo é fresca e não tem agrotóxico".

Lorena Alves dos Santos na horta comunitária em Curitiba Imagem: Jess Carvalho/Colaboração para Ecoa

Modelo nacional

No fim do ano passado, o Instituto Escolhas publicou um estudo que analisa a experiência de três cidades onde a agricultura urbana é incentivada pelas prefeituras. São elas: Rio de Janeiro, Recife e Curitiba.

Segundo Juliana Luiz, gerente de projetos da organização, Curitiba se destacou em relação às demais por três razões. A primeira é a longevidade do projeto de Hortas Comunitárias Urbanas, que nasceu na década de 1980. Outro diferencial é a existência da Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional e do Fundo de Abastecimento Alimentar de Curitiba - por causa dele, o projeto tem financiamento perene, e não intermitente, como ocorre em outras cidades.

O terceiro ponto positivo mencionado pela profissional é a legislação do município, que permite o uso temporário de espaços públicos e privados para o plantio. "A disponibilidade de terra é um gargalo em outras cidades porque, citando um exemplo, às vezes o terreno é do poder público, mas a Secretaria de Educação tem a intenção de construir uma escola no local e ele fica parado por cinco, seis anos, tempo suficiente para manter uma experiência de agricultura urbana", explica.

Apesar das potencialidades, Curitiba ainda tem espaço para melhoria. A fim de sugerir caminhos, o Instituto Escolhas fez um mapeamento a partir de imagens de satélites. "Foi um trabalho de pinça, varrendo bairro a bairro, lote a lote", conta Juliana Luiz. O Censo de 2017 do IBGE mapeou 123 estabelecimentos agropecuários no município. Já o Escolhas encontrou 1.118 polígonos de agricultura, contendo um potencial enorme de produção que estava invisível para a administração pública.

Os lotes sem prédios e sem florestas da capital paranaense também foram mapeados. "Nós detectamos 1.506 hectares ociosos, podendo ser espaços públicos ou privados. Como nós não sabemos de quem são esses lotes, qual é o grau de complexidade que se tem para usá-los, se eles são adequados para agricultura urbana ou não, a gente fez uma simulação sobre o potencial da produção em apenas 5% desses espaços", diz.

A estimativa do instituto é que 5% dos espaços ociosos, que correspondem a 75 mil hectares, poderiam comportar a produção de 4 mil toneladas de alimento ao ano - verduras e hortaliças o suficiente para alimentar 137 mil pessoas, número que corresponde a 96% dos inscritos no CadÚnico em situação de pobreza na cidade.

A profissional ainda observa que os 75 mil hectares ociosos mapeados pelo Instituto poderiam gerar renda para 1.506 cidadãos, caso houvesse um programa de bolsas para incentivar o cultivo. Além disso, o consumo de orgânicos pode impactar positivamente a saúde da população, e a implementação de hortas comunitárias pode ajudar a evitar o acúmulo de lixo e auxiliar na segurança dos espaços urbanos, promovendo revitalização. "É uma experiência de ganha-ganha", conclui.

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