Opinião

A batalha por reservas de potássio no AM que viola os direitos indígenas

No coração da Floresta Amazônica, a comunidade indígena de Terra Mura, localizada no município de Autazes (AM), enfrenta uma ameaça crescente às suas terras ancestrais.

O território, rico em reservas de potássio desejadas por políticos e empresários, tornou-se o ponto central de uma disputa contenciosa pelos direitos de exploração, lançando luz sobre a questão mais ampla da interferência externa em territórios indígenas.

A saga começou com os esforços do governo de Lula para desbloquear a exploração das reservas de potássio de Terra Mura pela Potássio do Brasil, uma empresa de mineração de olho no lucrativo mercado de produção de fertilizantes. Reuniões diretas entre o presidente da empresa, Adriano Espeschit, e representantes-chave do governo, incluindo o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, prepararam o terreno para esse empreendimento polêmico.

O vice-presidente, Geraldo Alckmin, também defendeu as explorações pela Potássio do Brasil em Mura, aumentando ainda mais as tensões dentro da comunidade indígena.

Divisão da comunidade indígena

Uma decisão judicial favorável às comunidades Mura impactadas por essa proposta marcou uma virada.

A senadora Tereza Cristina, ex-ministra da Agricultura durante o governo Bolsonaro, lançou uma campanha contra o juiz e o promotor do Ministério Público que buscavam proteger os direitos do povo Mura. Ela acusou ambos de ativismo judicial, adicionando combustível a um debate já inflamado.

Parte da comunidade indígena Mura declarou apoio à empresa Potássio do Brasil
Parte da comunidade indígena Mura declarou apoio à empresa Potássio do Brasil Imagem: Reprodução - Potássio do Brasil

Uma das questões centrais deste conflito é o direito de consulta às Terras Indígenas Soares e Urucurituba, que ainda não estão demarcadas. Apesar da ocupação documentada do grupo étnico Mura na área por mais de um século, a Potássio do Brasil se recusa a reconhecer seus direitos.

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Lideranças indígenas e o MPF apontam que a empresa tem tentado subornar líderes indígenas para abandonar a demarcação de seu território em favor da exploração de potássio, causando divisões dentro da comunidade indígena

Essa divisão ficou evidente quando 30 comunidades que não eram diretamente impactadas pelo projeto demonstraram apoio à Potássio do Brasil em frente às instalações do Ministério Público, em 30 de novembro do ano passado. No entanto, as comunidades diretamente afetadas pela exploração de potássio permaneceram firmemente opostas à mineração em suas terras.

Soberania ameaçada

A situação destaca uma realidade perturbadora em que empresas que buscam explorar terras indígenas podem manipular divisões dentro das comunidades, deixando os grupos mais vulneráveis a suportar as consequências, e até mesmo enfrentar o risco de extinção da comunidade.

Indígenas Mura em área desmatada de terra indígena não demarcada na floresta amazônica perto de Humaitá
Indígenas Mura em área desmatada de terra indígena não demarcada na floresta amazônica perto de Humaitá Imagem: 20.ago.2019 - Ueslei Marcelino/Reuters

O Ministério Público Federal (MPF) levantou preocupações sobre violações graves e irregularidades contínuas neste caso. Várias formas de evidência, incluindo gravações de áudio e vídeo, telefonemas, audiências presenciais e por videoconferência, documentos e outros meios, demonstram o caos semeados entre o povo Mura e líderes indígenas pela Potássio do Brasil e seus representantes.

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No contexto mais amplo, esse conflito serve como um lembrete contundente de como atividades não indígenas em territórios indígenas ameaçam a soberania de suas terras, levando à perda de autonomia e autodeterminação.

Marco Temporal deve ser anulado

A interferência externa perpetua conflitos territoriais, enfraquece estruturas sociais tradicionais e contribui para a divisão e conflitos dentro das comunidades.

Isso ressalta a necessidade urgente de o Supremo Tribunal Federal decretar a inconstitucionalidade do PL2903/2023, também conhecido como Marco Temporal, que, em sua totalidade, vulnerabiliza as terras indígenas a atividades de não indígenas. Esse é um passo crucial para salvaguardar os direitos e a autonomia das comunidades indígenas em todo o Brasil.

Desenho de indígena Mura, povo que habita Amazônia Central
Desenho de indígena Mura, povo que habita Amazônia Central Imagem: Coleção de Alexandre Rodrigues Ferreira/Biblioteca Nacional

Como apontado pela Science, um dos maiores periódicos científicos do mundo, as terras indígenas têm um papel fundamental na proteção da Amazônia e dos serviços ecossistêmicos que mantêm as chuvas das regiões sul e sudeste do país, abastecendo a área mais populosa do país e com a maior produção agrícola e industrial.

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Resguardar as terras indígenas é resguardar a soberania do Brasil, e essa soberania está ameaçada pelo Marco Temporal.

*Lucas Ferrante é biólogo, mestre e doutor em biologia (ecologia) e possui mais de 66 artigos científicos publicados em periódicos especializados, incluindo os dois maiores periódicos científicos do mundo, a Science e a Nature, além de mais de 100 textos de divulgação científica.

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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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