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As Histórias Que Nos Trouxeram Aqui: um resgate histórico da construção de identidade de pessoas negras


Mãe de santo ajudou a redescobrir porto soterrado pela monarquia no RJ

Simone Freire e Daniele Dutra

Colaboração para o UOL, do Rio de Janeiro

03/11/2023 04h00

Quem passa pela zona portuária do Rio de Janeiro pode ver de perto o único vestígio material por onde chegaram os africanos escravizados no Brasil, o Cais do Valongo. Por lá, passaram cerca de um milhão de escravizados entre os séculos 16 e 19.

Mas nem sempre foi possível vê-lo. Em 1843, o Cais do Valongo foi aterrado pelo Império e só foi redescoberto durante as obras do Porto Maravilha, em 2011. Lá foram encontrados diversos objetos arqueológicos, o que deu início a um amplo processo de resgate histórico na região.

A identificação das peças, muitas delas de matriz africana, contou com a colaboração da escritora e gestora de cultura no Centro Cultural Pequena África, Celina Maria Rodrigues, 59, mais conhecida como Mãe Celina.

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Fiquei quase um ano e meio reconhecendo os objetos dos povos africanos, de realezas, de terreiros, coisas do tempo dos escravos. Encontramos muitos búzios, ossadas, ferragens para montar orixás, Exus e objetos de terreiros que são usados até hoje
Mãe Celina

"É o lugar que me representa"

Nascida e criada em São Gonçalo, região metropolitana do Rio, Mãe Celina é iniciada no candomblé desde 1988. Em 2006, morando na região portuária da cidade, a poucos metros do Cais do Valongo, assumiu o cargo de gestora de cultura e passou a estudar a história do local.

Mãe Celina de Xangô Imagem: Divulgação

Quando os arqueólogos da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) passaram a trabalhar por lá, abrindo um pedaço de terreno de quatro mil metros quadrados, Mãe Celina conta que eles queriam que o povo negro também participasse das descobertas e escavações, e a convidaram. "Fui apresentada à professora Tânia Andrade Lima e trabalhamos juntas na descoberta dos objetos", exlica.

"Foi um carinho de Xangô na minha vida me colocar ali com a equipe de geólogos e arqueólogos. Foi um combo de profissionais sérios redescobrindo e resgatando nossas memórias, nossa cultura ancestral, nossa história soterrada"
Mãe Celina

Cais do Valongo, no Rio de Janeiro Imagem: Alexandre Macieira/RioTur

Em 2012 a Prefeitura do Rio de Janeiro acatou a sugestão de organizações dos movimentos negros que acompanhavam a recuperação dos objetos e transformou o espaço em um monumento preservado e aberto à visitação pública.

O Cais também passou a integrar o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana e, em 2017, recebeu o título de Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco.

Guardiã de uma nova memória

Local emblemático da história negra brasileira, o Cais do Valongo também foi uma das regiões visitadas pelo chef João Diamante no documentário Origens, um chef brasileiro no Benin, que retrata a sua experiência inédita pelo país africano situado na região de onde centenas de milhares de pessoas foram raptadas para serem escravizadas nas Américas.

João Diamante no Rio de Janeiro Imagem: Reprodução / Origens UOL

Ao chef, Mãe Celina explica como os trabalhos de revitalização do espaço também têm proporcionado ressignificar sua imagem de sofrimento. "Foram várias viagens à Europa e ao continente africano para falar desse equipamento tão importante", diz.

Hoje, falando de Cais do Valongo, a gente transformou esta dor em possibilidades, de trabalho, de ganho, de alegrias, de afeto, de harmonia. Possibilidade de coisas positivas.
Mãe Celina

Com a ampla discussão histórica e representatividade do local, em julho deste ano, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), do Ministério da Cultura, iniciou uma sequência de obras para melhorias no espaço.

"Digo que sou uma Celina antes e depois do Cais do Valongo. Se é para recontar nossa história, tenho prazer de contar com maestria, carinho afeto e principalmente com muito respeito. É a possibilidade de trazer para essa terra que a gente pisa, coisas boas, bacanas e de crescimento quando se fala dessa memória ancestral. Da redescoberta até aqui, tenho tido várias redescobertas também em mim, quanto mulher, mãe de santo, profissional. Evoluí bastante e a minha ancestralidade me leva para esse lugar."
Mãe Celina

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Acarajé ou akará? Só tem feijoada no Brasil? E quem são os "brasileiros-africanos" do Benin? Pela primeira vez na África, o chef João Diamante mergulha entre passado, presente e futuro da história e do sabor brasileiro. Assista agora "Origens - Um chef brasileiro no Benin":

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