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De onde saíram os 4 milhões de escravizados que chegaram ao Brasil?

Lucas Veloso

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

09/11/2023 04h11Atualizada em 16/11/2023 12h11

O Brasil para sempre vai carregar um título triste de se ter: de todas as Américas, é o país que recebeu o maior número de pessoas africanas escravizadas durante os quase quatro séculos de escravidão.

Entre os séculos 16 e 19, cerca de quatro milhões de homens, mulheres e crianças foram forçados a deixar para trás suas vidas e vir para o Brasil - é o equivalente a mais de um terço de todo o número de escravizados que deixaram a África.

Nos registros históricos, o Benin é importante porque foi um dos últimos lugares que essas pessoas pisaram antes de chegar ao Brasil. No século 18, quando o Reino de Daomé, que entre os anos 1600 e 1904 se manteve no domínio de boa parte da região que hoje é a República do Benin, era a grande potência escravista da região, a maior parte do tráfico estava concentrado lá. A partir do século 19 a área da atual Nigéria entra com força na disputa.

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A área do antigo reino do Daomé foi um dos espaços mais importantes do tráfico negreiro transatlântico. O porto de Ouidah, no Benin, foi o segundo maior ponto de embarque de escravizados na história do tráfico de pessoas negras, ficando atrás apenas de Luanda, em Angola.

Em busca de suas raízes, o Benin foi o destino do chef João Diamante, na sua primeira viagem ao continente africano depois de descobrir que a maior marte de seu material genético é oriundo da Costa da Mina. A jornada resultou na série 'Origens - Um Chef Brasileiro no Benin', nova série documental do UOL.

'Maior exportador'

A base de dados online Slave Voyages mostra que quase dois milhões de africanos deixaram os portos da grande região conhecida como Costa da Mina ou Golfo do Benin em direção às Américas entre os séculos 16 e 19.

Só o Brasil, que estreita as suas relações com essa zona africana a partir do final do século 17, recebeu metade desse total: cerca de 975 mil pessoas.

A maior parte dos homens, mulheres e crianças vindas do Benin desembarcou na Bahia, mas há registros da presença de africanos daquela área também nos portos do Recife, do Rio de Janeiro, Maranhão e, por meio do tráfico interno, até em Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Porta do Não Retorno, em Ouidah, cidade do Benin -- agora transformada em um memorial, antes foi o último ponto de parada de escravizados que vinham para as Américas Imagem: Getty Images

Em seu doutorado na Universidade de Hull, no Reino Unido, o mestre em história social pela Universidade Federal da Bahia e pesquisador Carlos da Silva Junior estudou as origens étnicas dos africanos escravizados na Bahia na segunda metade do século 18 e primeira do século 19.

"Vários fatores contribuíram para que o Benin se tornasse uma importante região fornecedora de escravizados para o Brasil. Em primeiro lugar, a crise de varíola em Luanda no final do século 17 levou os negreiros luso-brasileiros a buscar outras áreas, como a Costa da Mina", explica.

A viagem entre a Bahia e a Costa da Mina durava cerca de três meses. A Bahia, principal parceiro comercial dos reinos da região do Benin (graças especialmente à atuação de Dom Francisco Félix, um baiano que se estabeleceu no Benin e tinha o monopólio do comércio na região), exportava tabaco de terceira qualidade para a Costa da Mina, onde era valorizado. Esse produto era fundamental nas relações comerciais, estabelecendo laços entre os comerciantes e a elite local africana.

Outro fator importante foi o ouro, que era abundante no Brasil entre 1700 e 1750. O ouro em pó era transportado nos navios da Bahia, do Rio de Janeiro e do Recife para a Costa da Mina, onde havia demanda.

O reino de Daomé, em particular, utilizava o ouro para pagar suas tropas, adquirir mercadorias europeias e até mesmo capturar mais escravizados.

De acordo com o Silva, o comércio de escravizados teve um impacto significativo na população e na sociedade do Benin.

"Em primeiro lugar, estimulou a prática de escravização no interior do continente africano, levando a uma flexibilização das formas de escravização e ao aumento de sequestros e conflitos. Guerras foram intensificadas para conquistar outros reinos e obter mais cativos para o comércio", resume.

O cenário resultou em zonas despovoadas devido às expedições escravizadoras frequentes, causando uma diminuição drástica da população em certas regiões.

Além disso, o tráfico e a demanda europeia e americana por escravizados estimularam conflitos que levaram à destruição de reinos e ao surgimento de outros, como o caso da derrota do reino de Aladá pelo Daomé, levando à fundação do reino de Porto Novo.

Olhar sobre o tráfico de pessoas

Ainda de acordo com o pesquisador, no Benin atual, há uma conscientização sobre o papel do país no comércio transatlântico de escravizados de forma geral.

"O monumento do Portal do Não Retorno, em Ouidah, serve como um lembrete das milhões de pessoas enviadas para as Américas como escravizadas. A presença da comunidade dos agudás, descendentes dos retornados do século 19, também mantém viva a memória do tráfico com o Brasil", destaca Siva.

Ele aponta também que, embora o Benin tenha erguido um monumento em memória das vítimas do comércio de escravizados, no Brasil ainda há um caminho a percorrer nesse sentido.

"Pouco se fala sobre os traficados do antigo reino do Daomé, enquanto os traficantes brasileiros são homenageados com estátuas, nomes de ruas e prédios. A conscientização e a preservação da memória do comércio de escravizados ainda são desafios tanto no Benin quanto no Brasil".

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Acarajé ou akará? Só tem feijoada no Brasil? E quem são os "brasileiros-africanos" do Benin? Pela primeira vez na África, o chef João Diamante mergulha entre passado, presente e futuro da história e do sabor brasileiro. Assista agora ao primeiro episódio de "Origens - Um chef brasileiro no Benin":

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