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Sem vaga na escola, criança é alfabetizada por ONG na periferia de Maceió

Imagem: Arquivo pessoal

Adriana Amâncio

Colaboração para Ecoa, no Recife (PE)

02/11/2023 04h06

"Quando crescer, quero ser professora", diz, empolgada, Laura Sofia Oliveira, de 6 anos. Ela mora no Residencial Jorge Quintella, no bairro Benedito Bentes, na periferia de Maceió, em Alagoas. Em outro momento da nossa conversa, com uma voz tímida e angelical, ela fala "Quero aprender a ler."

Mas esse sonho pode estar ameaçado porque, há mais de seis meses, Laura está fora da escola regular por falta de vaga. Quando precisou deixar o local onde estudava, ela estava no fim do primeiro semestre do Jardim II, último ano da pré-escola.

Laura vive com a mãe e a avó Silvania Oliveira da Silva, de 44 anos, Ela conta que entristeceu quando viu que a neta poderia ficar sem estudar. "Ela estava tão animada com o que estava aprendendo", recorda.

Com medo de que a menina regredisse, a avó matriculou-a nas aulas de reforço do Instituto Amigos da Periferia, uma ONG que apoia pessoas em condição de pobreza e extrema pobreza, e em situação de rua na comunidade Benedito Bentes.

Sem dinheiro e sem vaga

Até o mês de junho deste ano, Laura estudava em uma escola privada. A avó pagava a mensalidade de R$ 165 com a renda que a neta recebia agregada ao Bolsa Família pela sua participação nas políticas de assistência social da Secretaria de Estado Extraordinária da Primeira Infância (Cria).

Somados, os valores do Bolsa Família e do Cria chegavam a R$ 900. "Não sei porque, em junho, foi cortado o Cria, aí eu tive que tirar ela da escola porque não tive mais como pagar", relembra a avó.

Silvania conta que tentou, então, matriculá-la na Escola Municipal Paulo Henrique Costa Bandeira e em outras duas unidades próximas, localizadas na própria comunidade, mas não encontrou vaga.

Imagem: Arquivo pessoal

Quando ela saiu da escola sabia fazer o primeiro nome e escrever algumas letras. No reforço, aprendeu a copiar as palavras.
Silvania Oliveira, avó de Laura

Laura demonstra estar feliz com as aulas na ONG. "No reforço, eu gosto mais de escrever", diz. Agora, que já escreve sem olhar para o quadro, ela traça planos. "Quero aprender a ler'.

Silvania conta que Laura vibra com cada novidade que descobre no mundo das letras. "Voínha, a tia do reforço me ensinou a fazer o meu nome!", diz ela enquanto exibe orgulhosa o aprendizado, escrevendo o próprio nome diante da avó.

180 mil crianças fora da pré-escola

Infelizmente, o caso de Laura não é isolado. Estimativas da Organização Todos Pela Educação, baseadas no Censo Escolar 2022, mostram que cerca de 180 mil crianças estão fora da pré-escola. Em grande parte, as razões são falta de vagas, de transporte e até por opção dos pais, que não veem a escola como um lugar seguro ou acreditam que os filhos estejam muito pequenos para aprender.

A pré-escola é obrigatória e interfere no desenvolvimento integral e no desempenho do estudante ao longo de toda a sua trajetória escolar. O estudo "A relação entre educação pré-primária, salários, escolaridade e proficiência escolar no Brasil", do Instituto de Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), afirma que estudantes que frequentaram toda a pré-escola tiveram melhor desempenho da 4ª a 8ª série do Fundamental e da 3ª série do Ensino médio.

Os Amigos da Periferia oferecem reforço escolar justamente para as crianças excluídas da pré-escola por falta de acesso, além dos moradoras do Residencial em condição de pobreza e extrema pobreza e em situação de rua.

A gente recebe alunos que ficaram de fora da escola por falta de vaga e que nunca foram para a escola. Fazemos parcerias com as escolas e conseguimos vaga para eles. Já conseguimos cinco vagas. Quando não dá, ficam no reforço.
Erivânia Gato, do instituto Amigos da Periferia

As aulas acontecem, nas segundas, quartas e sextas, entre 8h e 11h e à tarde, entre 14h e 16h.

Imagem: Arquivo pessoal

ONG depende de doações

Para manter a estrutura física da ONG, que funciona no salão de festa do Residencial Benedito Bentes, e viabilizar as demais atividades, a equipe depende de doações de pessoas físicas e jurídicas.

Erivânia conta que o contato direto com os estudantes faz com que a equipe conheça cada um deles individualmente. "A gente sabe quem vem alimentado e quem não vem. Então, às vezes, a gente consegue doações de alimentos e oferece uma merenda."

Os Amigos da Periferia surgiram em 2018, inicialmente, com uma ação de doação de sopa para pessoas em situação de rua. O bairro Benedito Bentes, onde o Instituto está localizado, tem 88 mil habitantes, muitos vivem em residenciais públicos construídos pela Prefeitura de Maceió.

Aulas mantêm a esperança

É neste cenário que os sonhos de Laura quase sucumbiam. Mas as aulas de reforço estão mantendo acesa a sua esperança de um dia poder ser professora. A avó diz que está de olho no início do período de reserva de vagas para 2024. "No começo do ano vou procurar a vaga dela, pois agora é online. Em abril ela vai estar com sete anos, não pode ficar fora da escola."

O outro lado

A reportagem de Ecoa entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação de Maceió. Por meio de nota, o órgão reconheceu que "a falta de vagas na educação infantil não apenas em Benedito Bentes, é histórica e persiste há anos."

Ainda segundo a nota, a secretaria estabeleceu "uma meta de oferecer, até 2024, 10 mil novas vagas no ensino infantil." O órgão informou que em comparação com 2022, este ano de 2023, foi registrado um pequeno aumento no número de matrículas de 10.613 para 11.603, o que corresponde a 4,2%.

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