Filho é trabalho importante

Livro de Piangers ganha as telas com Lázaro Ramos na busca de ajudar na compreensão da paternidade

Clarissa Barreto Colaboração para Ecoa, em Porto Alegre (RS) Giselle Sauer

Quem tem crianças em casa sabe do desafio que é criá-las para se tornarem seres humanos gentis, empáticos, responsáveis, motivados - e que também aprendam coisas mais prosaicas como pedir licença, dizer obrigado, comer legumes e lavar as mãos antes das refeições.

Durante a pandemia de covid-19, e o consequente isolamento social, conciliar todas essas tarefas com o trabalho em home office e com os cuidados com a casa foi especialmente complicado - até no lar de um dos pais mais famosos do Brasil.

Marcos Piangers, 40, autor do best-seller "O Papai é Pop", que já vendeu mais de 300 mil exemplares, também passou por essas agruras desde sua casa, em Curitiba, para onde se mudou há alguns anos com a jornalista, escritora e empreendedora Ana Cardoso e as filhas Anita, 15, e Aurora, 8. A família colecionou histórias dentro de casa, como o aniversário da caçula em meio à pandemia, que pediu como presente cozinhar com o pai.

São histórias como essa que recheiam os textos do escritor e que agora vão ganhar as telonas, com Lázaro Ramos, no papel do autor, e Paolla Oliveira, como sua esposa. O livro serviu de inspiração para o roteiro de um longa homônimo, e Piangers atuou como uma espécie de consultor — com direito a uma ponta no filme. Para o escritor, que cresceu sem o pai por perto, a paternidade é uma aventura permanente e o trabalho mais importante. Tentamos entender com ele como os pais podem lidar com seus filhos durante e pandemia na busca de construir pessoas e um mundo melhor.

Giselle Sauer
CLAUDEMIR Santi CLAUDEMIR Santi

Ecoa - A gente sabia (pelo menos mais ou menos...) como era ser pai e mãe até que chegou 2020 e a pandemia trancou todas as crianças em casa, fechou escolas. O que foi mais desafiador?

Piangers - O maior desafio foi essa sensação de que as meninas estão usando tecnologia demais, ver minhas filhas desde cedo no computador, estudando, lendo, fazendo aula online, WhatsApp, joguinho, YouTube. Ainda tem a diferença entre as idades (Alice tem 15 anos e Aurora, 8). O desafio da adolescência é perceber que seu filho está formando uma personalidade, tentando encontrar pares, amigos e tentando entender o que ele gosta através até da negação do que você gosta. Por outro lado tem a Aurora, que tem um jeito de viver muito fácil, pra ela tudo está bom: "O que você quer de aniversário durante a pandemia?" "Eu quero cozinhar com você", e a gente saiu cozinhando, nem pediu presente nem nada. A gente fez um bolinho, botou um cartaz e ela ficou superfeliz. Quando a gente entende a diferença entre desejo e necessidade e entende que desejo é um acordo que a gente faz com a gente mesmo pra ser infeliz, então tudo fica mais fácil.

Como você acha que as crianças de um modo geral vão sair dessa experiência?

Essa experiência é muito prejudicial pras crianças. O papel do pai e da mãe é tentar - e eu não quero botar culpa nem pressão em cima de nenhum pai ou mãe - fazer essa experiência um pouquinho mais leve. E tornar mais leve não quer dizer falar só "sim" pro filho, porque se você disser só "sim", ele só vai ficar plugado na internet jogando Roblox e assistindo YouTube. É tentar transformar essa experiência em uma experiência mais conectada, reflexiva, que seja mais consciente.

De tanto me ver trabalhar em casa no computador, meu filho de 7 anos diz que quando crescer quer ser aposentado, como a vovó, que tem tempo pra brincar e ver TV. Será que eles vão ter outra relação, mais saudável, com o tempo e com o trabalho?

Isso já está acontecendo. Tenho um laboratório de estudos do trabalho, chama-se Back to Humans, e a gente tem feito pesquisas e entrevistas em seis países diferentes em 30 áreas de atuação. Antes da pandemia, 97% dos trabalhadores se diziam cansados; durante a pandemia, 44% dos trabalhadores no Brasil se declararam esgotados. Temos que entender que o filho não é a pessoa que interrompe o trabalho importante. O filho é o trabalho importante. Quando a gente constrói uma sociedade com licença parental dividida entre pais e mães e que dá estrutura de saúde e educação para que essa criança seja bem recebida no mundo e floresça, isso também é investir na sociedade, na produtividade, na economia.

Giselle Sauer Giselle Sauer

No seu livro, você conta que curtiu ser pai cedo, mas este era um plano seu?

Anita não foi planejada, mas é o melhor acidente que pode acontecer na vida de uma família. Sempre sonhei em ser pai, justamente por não ter tido pai, e ter a oportunidade de vivenciar aquele amor sublime, transformador, profundo, atrapalhado. Sempre curti muito a ideia de uma casa cheia, mais bagunçada, barulhenta, porque minha mãe e eu tínhamos uma família diminuta - os meus avós, no começo, cortaram relações com a minha mãe porque eles não aceitavam uma mãe solo.

E como foi ser pai sem ter o cara pra se espelhar?

Foram muitas trapalhadas, muita tentativa e erro. A minha esposa praticou o poder do "tó que o filho é teu" e me oportunizou trocar fralda, dar banho e fazer tantas coisas importantes para essa conexão. Claro que eu preferia ter tido um pai inspirador que tivesse me mostrado como me comportar como homem, namorado, marido e pai. Qualquer pai que abandona está deixando um legado, mas é o pior legado, de abandono e carência que é pro resto da vida. Hoje eu me sinto resolvido, mas muito é porque construí uma família e consegui tratar isso em terapia, conversar com a minha mãe e eventualmente com esse pai biológico.

Fábio Jr. Severo Fábio Jr. Severo

Muitas coisas na sua vida mudaram em função de ser pai - desde as mais "comuns", como pra todo mundo, até escrever livros e agora, um filme. Como você encara essas mudanças?

Primeiro, comecei a escrever e guardar esses textos para mim; achava muito íntimo falar da minha vulnerabilidade, das minhas inseguranças, de momentos engraçados mas também emocionantes com filhos. Não sabia que isso era passível de se tornar público. Até que li uma compilação de quadrinhos do Neil Gaiman, "The best american comics". E ali tinha um cara que desenhava só sobre a família, a mulher dele grávida, coisas simples, o bebê chegando. Eu vi aquele quadrinho e pensei "caramba, então é possível escrever sobre a família e mostrar pros outros". O livro foi lançado em 2015 com filas de autógrafos de cinco, seis horas e, aí, eu vi que tinha alguma coisa de especial naquelas histórias, todo mundo se identifica.

E, mais que isso, tem um subtexto no meu livro, que é a história de a minha mãe ter sido uma mãe solo. A gente está discutindo um conceito de masculinidade que abandona, [uma masculinidade] tóxica, autodestrutiva, insegura com relação à sua capacidade de cuidado.

Como conseguiu transformar isso em um "negócio"?

O livro fez muito sucesso, lançamos "O Papai é Pop 2", e depois o livro em quadrinhos, mas eu nunca quis transformar isso em negócio. Todo o dinheiro do livro a gente doou para instituições de caridade que cuidam de crianças. Sei que muita gente me conhece da internet, de produção de conteúdo, e eu virei um influencer, muitas marcas me procuram, mas nunca vendi um curso, por exemplo, porque não vejo como um negócio.

Fábio Jr. Severo Fábio Jr. Severo

E como as suas filhas veem e lidam com essa exposição?

As gurias passaram por várias fases. No começo, a Anita ficou muito empolgada, aí depois de um tempo foi crescendo, pediu pra escrever menos sobre ela porque estava crescendo. Aurora adora aparecer nos livros, adora ler os próprios livros, adora participar das minhas palestras. Cada filho é de um jeito, a gente tenta conversar bastante pra entender e principalmente pra não quebrar uma conexão e um laço que no fim das contas é o mais importante de tudo.

Sobre o filme ("O papai é Pop", inspirado no livro), qual vai ser a sua participação? Que tal ser interpretado pelo Lázaro Ramos, que é um paizão na vida real também? Vocês trocaram ideias?

Talvez eu faça uma ponta - e digo talvez porque eu nunca fiz isso e se ficar horrível vou ser o primeiro a dizer que não é pra colocar (risos). Mas fiquei muito feliz com a escolha do Lázaro Ramos, acho que ele representa tudo de bom num ser humano, é um super pai, um super marido, é um homem inspirador e eu fico assim... nem acredito! A gente troca ideia, participa dos processos, das reuniões, mas como não entendo nada de cinema não quero ser aquele metidão.

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