Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Queer cities: por cidades mais diversas
No Mês do Orgulho LGBTQIA+, trago à coluna um debate que se faz cada vez mais urgente nos contextos urbanos: a diversidade e as violências de gênero e sexualidade. De forma recorrente o debate sobre cidade negligencia a dimensão generificada das relações urbanas e invisibiliza as relações com desigualdade social e racial que precisam ser estabelecidas.
Mas o que é o conceito de queer? Sem dúvida os escritos de Judith Butler colaboram para a ruptura dos padrões de discussão sobre gênero e sexualidade, desfazendo até o entendimento de "ruptura", por pressupor que não há norma pré-estabelecida para ser quebrada. Afinal, não haveria a lógica cis-normativa e, portanto, não haveria necessidade de distinções, que reafirmam justamente as desigualdades: um modelo a ser seguido e dado como régua para o entendimento de que tudo fora desta norma seria lido como atípico e estranho (ou seja, queer, em seu significado original).
Nessa lógica, há de se apontar os fenômenos urbanos queer, onde as liberdades sexuais e de gênero podem se dar, em contraponto à cidade forjada na normatividade do funcionalismo estéril do modernismo e do pós-modernismo, construindo a concentração de manifestações LGBTQIA+, seja por meio da presença dos indivíduos, seja a partir de suas manifestações e áreas de inserção econômica: entretenimento, cultura, arte, etc. Os "bairros proibidos" ou os quarteirões onde as liberdades queer podem ser experienciadas passam a ganhar marca e identidade urbana, produzindo no mundo manifestações culturais das mais vivas.
Bairros como Schöneberg, o primeiro reconhecidamente LGBT do mundo, em Berlim, Camden Town, Greenwich Village, com toda a sua repercussão a partir de Stonewall, Marais em Paris. O Café Le Parlement, na Tunísia, pós-conferências de 2017 se tornam palco privado dos direitos civis LGBTQIA+, num país que ainda prende e criminaliza esses indivíduos em seu território nacional.
No Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo concentram a maior parte dos territórios LGBTQIA+ do país, destacando-se o bairro da Lapa no Rio e a rua Frei Caneca em São Paulo, com grande número de pontos comerciais e culturais voltados para o público. A liberdade sexual, vista na presença de casas voltadas para a "porn culture" não são manifestações possíveis nesses territórios, assim como as restrições de equipamentos públicos pensados para públicos normativos: creches, escolas, hospitais são equipamentos pensados para o público dentro dos padrões sociais cis, e não o padrão queer.
Com isso, dois processos podem ser analisados como decorrentes dessa incompatibilidade de presença x setorização urbana: o público cis-normativo não transita em seu cotidiano nos territórios queer e, portanto, não dialoga em seu cotidiano com essa população residente ou usuária queer, corroborando para o apartheid de gênero e sexualidade que se observa na cidade. Drag queens, lésbicas, intersexuais, agêneros passam a ter sua presença reduzida na cidade e pior, sua presença negada ou questionada quando fora dos territórios queer, num processo de apartheid de gênero não discutido e replicador de manifestações de ódio e lgbtqifobia cotidianos.
Numa tentativa resposta a isso, a discussão do pride (orgulho) e do pink money vem atendendo um público mundial queer, mas infelizmente ainda muitas vezes restritos ao público queer que pode pagar, em territórios mais caros mas identificados como "gay friendly", onde o público LGBTQIA+ pode desfrutar de conforto urbano e segurança.
Nesse sentido, é importante se manter o sentido da democratização da cidade que devemos inserir o debate queer: cidades com neutralidade de gênero e com equidade de gênero podem permitir que espaços culturais promovam arte queer, que espaços públicos tenham fraldários, banheiros neutros e que as políticas de enfrentamento à misoginia e lgbtfobia figurem nos planejamentos urbanos das cidades. Espaços queer em todos os bairros, assim como política de assistência LGBTQIA+ devem ser estimulados e figurar nas formas de financiamento urbano.
Que as cidades aprendam o pajubá dos novos tempos e orgulhem-se da diversidade que promovem!
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