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Café com Dona Jacira

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Tata é tempo

Tata é tempo - Victor Balde
Tata é tempo Imagem: Victor Balde

27/06/2021 06h00

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Eu estava sentada bordando, cosendo um pano e a sala acendeu, depois escureceu.
Num liguei, continuei ali, entretida no pano.
Aí veio a borboleta enorme, uma das maió que eu já vi, ai eu pensei, chegou a hora, é um aviso.
- Ali nas brenha parecida, a gente nunca pode morrê de todo, jamais. Antes do derradeiro suspiro, tem que sair do corpo e ir avisar um outro vivente que é pra mó de ele vir fechar os olho da gente e acendê uma vela, e velá pra que a alma da gente siga.
Ah! e plantear a gente um cadinho.
Eu ali escorregada num canto da sala pensei comigo: eita conversa besta, se a sala acendeu e depois apagou alguém tocou no interruptor, claro.
Só pode ter sido isso.
Ninguém está apto a dar palpite antes da hora, tudo é tempo.
Quem chegou hoje não imagina como eram os tempos de outrora, pode ter a língua afiada, mas o tempo põe tudo no seu devido lugar, sigamos.
A conversa se passava na sala de casa, era desta forma que eu, futura escritora, colhia histórias para o meu legado.
E cismava em achar que naquela idade, já sabia de tudo, a ponto de dar o palpite acima, cheia de certeza.
A da casa de mãe se enchia de mulher todo sábado pra várias coisas, fazer a manicure e pedicure, alisar cabelos, passar parafina nos cabelos, contar e ouvir causos de toda natureza.
Ninguém entrava naquela sala e saia ileso, ou de ouvir ou de ser a história.
Haviam pessoas ali que estavam já estavam na página avançada da vida como minha bisa, outras no meio, e umas como eu, no rodapé do prefácio ainda.
Tinha gente como Dona Antonia, que nem vinha pela botica, ela trazia seus panos, bordava, cosia, e já fazia aquilo com tanta prática que nem olhava pras mãos.
Já tinha um grupo de fofoqueiras que vinham só pra fofocar e esculhambação.
Ali era um lugar de saudades, vaidades, arranjos, e de tudo o que coubesse dentro das metades delas.
Ali as mulheres se completavam de história em história.
Às vezes até tinha homem na roda pra contar histórias.
Uma vez ele contou que, lá embaixo na ponte na rua da feira de domingo, disseram que tinha uma mulher que quando anoitecia ela crescia.
Fato visto e confirmado, ela, na calada da noite, pegou na mão de um vivente que ia cruzando a ponte e começou a crescer. Cresceu, cresceu tanto, ficou enorme, e envergou feito vara verde, aí quando ela ficou bem grande debruçou na ponte sobre a pessoa. Que deve estar correndo até agora, se fosse comigo eu corria.
Sábado, ao cair da tarde, também era de quando mãe preparava a carne do domingo e isso levava tempo.
Caso você seja vegano acho melhor você parar por aqui, porque vai ficar violento o sábado.
Tinha que ir ao galinheiro escolher a galinha, matar, depenar, abrir, separar as partes e marinar.

Mãe exigia, fazia questão que todos nós assistíssemos o preparo desde o início, não abria mão, se alguma de nós três não estivéssemos ali ela esperava, era um aprendizado.
Eu morria de dó, ficava com raiva dela, mas no outro dia eu comia tudinho.
Lembro ali mesmo, naquela sala, quando minha irmã teve a primeira neta de minha mãe, a Simone, minha sobrinha.
A bisa segurou ela no colo e emocionou dizendo:
- Eu vivi pra alcançar minha tataraneta.
Nos anos que se passaram, quantas crianças mais chegariam ali.
Quantas pessoas partiram dali, o velório de meu irmão Adi foi ali na mesma sala.
A sala da minha casa sempre foi repleta de filosofia, mas eu tive que deixá-la um dia.
Fui e voltei várias vezes, ainda volto.
E não foi nem uma, nem duas, nem três vezes que eu duvidei das histórias contadas ali.
Até chegar a conta, a conta sempre chega.
Hoje, só hoje, vejo o quanto foi importante estar ali na sala, no pouco que consegui ficar, entre as pessoas que acendiam meu sol, se eu nunca tivesse ficado, que histórias eu contaria agora?
E tem de várias gerações
Num sábado frio, as crianças estavam numa festinha em frente de casa e de repente Leandro correu pra casa me chamando.
- Mãe, caiu um clarão lá longe.
- Oxe minino, passe pra dentro, chegue de rua.
No outro dia de madrugada ficamos sabendo que havia caído um avião na serra da pedreira.
Era o avião do grupo Mamonas Assassinas.
Tem uma de mãe que é alerta pra num dizer besteira.
Certa vez a feira tava tão ruim que já tava dando o horário de acabar e mãe não tinha descolado (vendido).
Contas pra pagar, mercadoria pra repor, o juízo dela começou pipocar.
Juízo de mãe pipoca na hora da necessidade.
Chegando pertinho da hora de juntar a traia, ela, muito nervosa, soltou:
- Eu queria vender alguma coisa, nem que fosse para o...
Neste mesmo momento, por esta luz que me alumia agora, pela fala de mãe, chegou uma dona na barraca e começou comprar de monte, escolhia, botava de lado, mandava somar. Mãe estava lavando a burra, vendendo quase tudo.
Conta feita, noves fora, chegou a hora de pagar e a mulher muito fina pagou com cheque.
Naquele tempo cheque era uma coisa que só gente rica tinha e mãe aceitou, pegou o cheque e foi ao banco.
O cheque estava sem fundo.
Hoje estamos contando histórias horríveis, só neste ano e em 2020, morreram várias pessoas da rua onde a mãe mora.

Dulce se foi, dois dias depois a Minda, Valderez foi em 2019, João de Regina foi também, vamos precisar de muito amor pra amenizar tanta dor.
Senão quem encherá nossos mundos vazios de coisas boas.
A gente tá sempre junto, crescemos assim, muito difícil encontrar uma de nós só.
Todas nós agora, mãe, tias e avós.
Histórias contadas assim a esmo numa tarde qualquer, num qualquer lugar, numa noite chuvosa, ou quando acaba energia, ou ainda quando tem muito vento ou raio e relâmpago em algum momento dão um friozinho na espinha se a gente lembra.
Refletem depois noutros tempos, fica arquivada na parte subliminar da cabeça da gente e acordam muitas vezes quando a gente nem lembra mais.
Quando eu voltei a estudar, tive que escolher enfermagem, até aí tudo em ordem, cuidar é o que a gente mais sabe.
É tão bonito a gente se educar, ficar forte e seguir a luta pra melhorar a vida.
Foi assim que eu cheguei ao estágio, ali no Mandaqui em Santana, no ano de 1994, perto do fim do mundo.
Preciso dizer que eu nem pensava mais em escola, mas comecei a ser visitada por aquela minha velha companheira, a voz de dentro, e ela insistia que eu devia registrar a carteira.
Foi por causa deste sonho que encarei a escola, as patroas, enfrentei todas as pessoas que riam de mim, que faziam pouco da minha vontade.
Três anos depois eu arranjei emprego registrado num grande hospital, o Nove de Julho.
E três anos depois entrei em insuficiência renal.
Graças a este cuidado da minha ancestralidade eu pude ter uma aposentadoria pra poder me tratar, nunca esqueci, nunca esqueço, e sempre agradeço pelo cuidado que a espiritualidade me dá.
Mas como nem tudo são flores eu sofri horrores e tive vontade de largar tudo e voltar pra sina de fazer faxina.
Depois eu aprumei, isso acontecia, e muito, quando eu estava na escala de levar as pessoas que morriam para o necrotério.
Quando fui estudar enfermagem, eu nem imaginava para onde iam os corpos das
pessoas que morrem, tampouco quem levava.
Toda vez que eu me via nesta condição eu morria de medo, e ali, no caminho entre a enfermaria e destino final, as histórias da sala de casa de assombração vinham me visitar.
Pense numa pessoa covarde, bem covarde, ali empurrando a maca, e rezando para nunca ter nenhuma ação ou recepção de parte da outra pessoa.
Uma vez, de tanto medo, eu no escuro, dei pra andar de costas no corredor, esbarrei na porta do expurgo, cai lá dentro, e morta de medo acendi a luz e descobri que estava abraçada com o aspirador.
As vassouras e rodos se riam de mim, era uma cena deprimente, levantei, me equilibrei, bati a poeira rara, botei coragem na minha cara e a vida seguiu.
Juro que neste dia eu pensei em jogar tudo pro alto e voltar a fazer qualquer outro ofício.
Tem histórias que são de brincadeira, meu irmão Adi tinha um São Benedito desde que se tornou devoto dele, não me pergunte por quê.

Ele dizia que São Benedito tinha uma vontade de fumar danada.
O engraçado era que pra meu irmão o santo fumava mesmo, então ele sempre botava um cigarro no pé do santo.
Mas meu outro irmão fumava o cigarro do santo, o que fazia com que Adi sempre reclamava que São Benedito dava um gasto danado com cigarro.
Quando ele morreu, foi uma tragédia, um acontecimento terrível nas nossas vidas.
Uma vizinha disse que precisava, vez ou outra, acender o cigarro do santo, e no dia que a gente acendeu a fumaça saia do cigarro em círculo como se alguém estivesse tragando. Dava o que pensar na gente.
Avaliando a filosofia do pensamento filosófico e dos corpos que pra além de pensar sentem, eu hoje defino a educação em células.
Uma é a da sala de casa, a sombra de toda segurança que ela traz ou não.
Outra é aquela de quando somos entregues ao mundo, escola, trabalho, de quando vai depender do pensamento e do caráter de quem orienta e daquilo que já temos como posto e seguro tipo: Quando minha pele preta virou saco de pancada?
Uma outra é a nossa diáspora para o mundo maior, buscando elevação e tudo mais, estas aberrações que a gente inventa pra fugir do primeiro item que é a sala de casa, almoço em família e missa de domingo.
E o retorno, de quando a gente somou tudo e descobriu que foi longe demais e que tudo o que é muito importante continua no mesmo lugar.
E este lugar é muito aquele ligado ao espírito de agradecer e contribuir.
Então toda história constrói algo...
Tardiamente, como agora, vem o fechamento dos ciclos onde a gente se confronta com o espelho da gente mesmo.
Na minha escolinha da igreja a professora, uma delas, contava que: Um homem e uma mulher quando ficavam muito velhinhos recebiam um cobertor e eram levados pra morrer nas montanhas.
Eu pensava que a bisa, que era a nossa pessoa mais velha, em breve faria esta passagem e seríamos nós que a abandonaríamos a sua própria sorte.
Veja como é possível desumanizar uma pessoa ainda tão miúda, pra mim estava certo aquilo.
Minha cabeça ainda ia mais longe: A história acontecia nas montanhas, mas aqui é mata, então seria na mata que a gente desovaria a bisa? Mas como faríamos isso, sendo ela tão mandona? Como se ela sempre sumia e aparecia noutro lugar?
Mãe passando roupa ouvia uma música na rádio que cantava isso. A criança acompanhava o pai na despedida do avô. Na volta ele trazia metade da coberta que ele pediu ao velhinho. Quando o pai perguntou por que, ele respondeu:
- Esta metade da coberta eu darei ao senhor, quando eu trouxer o senhor pra cá.
Mais tarde, o episódio lançou o jogue a vovó do penhasco, e ela queria ir, e a gente ria com isso.
Músicas e músicas expunham, em 1970, a violência exposta pra além da sala.
Tinha uma que o homem casa com uma mulher por causa dos cabelos dela.

Um dia ela apara as pontas e o bruto bate nela, não satisfeito leva ela ao mesmo barbeiro, manda raspar todo cabelo dela. Obriga ela dar uma volta na praça e em seguida devolve ela à casa do pai.
Eu pensava: Mas e quando o cabelo nasceu de novo? cabelo volta.
E este que remete a reinado: Um homem, suposto rei do café, se ofende porque no mesmo lugar que ele tem um boiadeiro. O boiadeiro também se diz rei, paga a pinga com mil cruzeiros e pede ao garçom pra guardar o trocado, e se diz rei do gado. E menciona ser de Andradina.
Estudando diáspora, eu e meus companheiros, chegamos a uma conclusão: ambos eram traficantes e herdeiros de traficantes.
Hoje é sabido que a agricultura nunca enriquece quem trabalha, só viabiliza a servidão e o tráfico de pessoas.
Histórias, histórias, estórias, separei aqui o fechamento do ciclo do meu ciclo, um deles.
Ali mesmo, no bairro na rua de cima, morava uma menina que namorava um rapaz.
Um namoro tão demorado, entrava ano, saía ano, e sempre naquele noivado.
As pessoas diziam que ela sim tinha juízo, porque assim num namoro tão longo ficava logo sabendo quem era o rapaz.
Podia assim ser uma moça que não casaria enganada, e em qualquer tempo podia desmanchar o noivado e só teria, de perda mesmo, o tempo que gastou lá atrás.
Mas não é assim que a banda toca, a fila anda e a vida pede, o tempo urge.
Todo ano eu tinha um filho, e mais outro, e mais outro, e o casal nada.
Ficou tão sem graça aquele namoro que não acontecia nada, que ninguém dava mais conta mesmo, porque cada uma de nóiz agora, sentadas na calçada do larguinho em frente de casa, tínhamos problemas e filhos a mais da conta.
E a moça nunca tava pronta.
Eu tinha amizade com ela e com as irmãs, só não tinha mais tempo.
Nunca houve casamento mas teve uma gravidez.
E com a chegada da criança a gente esperava que teria a festa, engano nosso, nunca aconteceu.
A criança foi crescendo, era um menino, ficando grande, entrou pra escola e nada.
Como o cabra não tomava atitude ela acabou o namoro.
Ela tinha razão, um cabra desenxabido daquele, já tinha até cabelo no ouvido, e juízo nada.
Será que ele já tinha outra família?
A gente já havia descoberto, assim do nada, que ele era do Jardim Joamar.
Mas sabe como é né, cada qual cuidando de sua vida, aqui e ali um cuidado na vida do outro, nem faz mal.
Até areja trazia ocupação pra tarde da gente, para o tanque, pra feira, pra o domingo depois da oração.
Quando enfim o namoro terminou, o homem ficou valente, não queria ser deixado jamais.
Lá no portão da casa dela escandalizava, rapava o pé na calçada, ofendia ela e ia embora.

O tempo só fez piorar o estado porque o malfadado além de não trabalhar, deu pra beber.
E foram-se assim anos e mais anos, e como problema ali, todo mundo tinha.
Principalmente com cachaça e falta de emprego, e assim sendo, um desempregado a mais nem falta fazia.
E o caldo só entornou, o rapaz, de nome Luiz, num alcoólatra se tornou.
Eu já tinha me separado, já estava noutra fase da minha vida, e a vida daquela moça só entristecia, a mãe dela e o pai morreram de desgosto, o filhinho corria de medo do pai, até a gente ficava triste.
Com o tempo, Luiz foi ficando tão ruim, tão inchado, que nem conseguia mais subir a escadaria pra chegar a rua de cima.
Entrava ano, saía ano, e o quadro só piorava.
Ah! Com o tempo, sem conseguir subir o escadão, Luiz sentava na guia bêbado, chamava por ela e cantava.
Os moleques, de safadeza, bagunçavam com ele coitado, uma vez a bola caiu no riacho e ele foi buscar, caiu na água e ficou lá sentado, dentro da água, chorando e cantando.
A última vez que ele tentou subir o escadão pra chegar a rua de cima ele caiu. Desceu a escadaria rodando e se estatelou lá embaixo.
Chamamos uma ambulância pra socorrê-lo. Socorrido, o largo da Rua Lucas Alaman voltou a sua rotina.
Já era hora, jantamos, fechamos nossas portas e nos recolhemos cada qual pra nossas significâncias.
Duas horas da manhã, a vila dormia, e tudo estava de boa, até que eu ouvi um barulho.
As portas da minha casa se abriram todas ao mesmo tempo, portas e janelas da sala e cozinha escancaradas.
Como assim, eu mesma havia fechado, tinha certeza, botei corrente, travei cadeado.
Um vento violento invadiu todo espaço, o quarto todo se movia, e eu quando acordei no meio daquilo tudo, tive muito medo.
E o medo me paralisou, ali na cama, eu tentava me acalmar, prestar atenção no movimento.
Coração acelerado, parecia que tudo estava acabado, parecia um pesadelo, cada minuto levava uma eternidade pra seguir.
E eu ouvi passos, fosse lá o que fosse, ele chegou na escada e começou a subir.
Um degrau após o outro, fazendo uma parada, parecia assombração, e eu tentei lembrar das rezas que antes eu sabia de cór e nada.
Minha cabeça estava vazia, eu ali, desesperada com o perigo iminente.
O ladrão vai nos roubar, estuprar, vai matar a gente.
Eu agonizava e sofria, tentava puxar uma reza, mesmo que fosse miudinha, um credo, uma Ave Maria, um Pai Nosso, uma Salve Rainha.
Nada, e tinha momentos, que de tanto desespero, eu tentava virar na cama e fingir que dormia pra ver se talvez quem sabe fosse um pesadelo.
E dormindo, quem sabe talvez, eu acordava de vez e o mau feito talvez tivesse ido embora.
Mas nada de o tempo mudar, a assombração sumir, ou eu reaprender a rezar.
E nessa cantilena, os passos chegaram ao último degrau no primeiro andar.
Pronto, é agora que nóiz vamos se acaba.

Três ou quatro passos foram ouvidos por mim, e ele chegou bem pertinho de onde dormia minha filha.
Se aproximou dela, olhou, eu imaginava estes movimentos no escuro.
De repente, seja lá o que fosse, segurou os panos por causa da ventania e sentou.
Mas era só o que me faltava, o danado arrombar minhas portas pra vir descansar.
Aí ele começou a cantar.
Quando eu ouvi ele entoando a canção a imagem de Luiz me veio a cabeça e o pensamento foi: Acho que eu não tranquei direito porta e portão, aí ele teve alta, a ambulância trouxe ele de volta achando que ele morava ali onde recolheram ele.
Aí, pensamento meu, ele viu a porta aberta e entrou. Ah! Foi isso que se deu.
Aí eu acordei e fiquei corajosa, toquei o dedo no interruptor e a luz se acendeu.
Tinha nada no quarto, reinava o mais puro silêncio.
Eu estava com a roupa ensopada da luta que havia travado com o meu imaginário.
Evandro, que dormia comigo na cama de cima do beliche, ensopadérrimo, mas dormia sossegado.
Bom, já que não tinha nada ali no quarto eu fui fechar portas e janelas pra passar a ventania.
Não tinha nada aberto, tudo fechadinho como eu havia trancado, nossa como assim?
Não pensei duas vezes, tomei um banho pra lavar o suor, dei banho no menino, troquei as roupas dele e as minhas.
Troquei a roupa de cama e o problema foi resolvido, não era nada, um pesadelo um, susto talvez, voltei a dormir.
Naquela época eu tinha barraca na feira, era sexta-feira, e a feira era ali no Joamar.
O fato ainda me intrigava, mas o dia seguia tranquilo.
Por volta de umas 13 horas, minhas vizinhas passaram ali na minha barraca.
- A gente tá fazendo vaquinha pra o enterro do Luiz Seresteiro, era assim que também chamavam ele.
- Como assim, ele morreu?
- Sim, duas horas da manhã.
Quando eu ouvi, me veio à mente o acontecido e eu lembrei do vento as portas abertas, os passos na escada e a música.
Luiz veio me avisar, Luiz veio me avisar que havia partido.
Mas o que veio junto, foi também um fechar de ciclo, naquela mesma hora eu lembrei da história da bisa de muito tempo atrás.
Tinha muitos anos que tinha acontecido e o acaso me ensinou: Peça desculpas a sua velhinha pela sua ignorância naquele dia. Eu ali descobri que desvendei o mistério, quando toquei o dedo na tomada e acendi a luz.
Mas nas brenhas da bisa ainda não tinha energia.
Este foi pra mim, pra além do fechar do ciclo, uma iniciação do sagrado pra entender o que os olhos não veem, tudo é tempo.