Topo

Anielle Franco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Justiça por Bruno e Dom: Brasil e a violência contra ambientalistas

Um membro da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) segura um cartaz com retratos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, enquanto participa de um protesto pedindo à UE que fortaleça partes-chave de seu projeto de regulamento sobre produtos sem desmatamento, em Bruxelas, na Bélgica. - REUTERS/Johanna Geron
Um membro da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) segura um cartaz com retratos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, enquanto participa de um protesto pedindo à UE que fortaleça partes-chave de seu projeto de regulamento sobre produtos sem desmatamento, em Bruxelas, na Bélgica. Imagem: REUTERS/Johanna Geron

20/06/2022 10h11

Escrevo o artigo desta semana com dor no coração e lágrimas nos olhos. Nesta semana, estou em Nova York junto a ativistas de todo o mundo em um intercâmbio de experiências sobre combate as desigualdades e estratégias para promoção de direitos de grupos minorizados. Por aqui, pude apresentar a experiência à frente do Instituto Marielle Franco e nossa atuação pela defesa de direitos humanos e das mulheres negras do Brasil. Em uma semana que poderia ser apenas de celebrações, meu coração e mente são atravessados por mais uma tragédia em nosso país: o desaparecimento e agora confirmado assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips.

A notícia sobre o desaparecimento de Bruno e Dom chegou a mim a partir de um vídeo da esposa de Dom Phillips, em que a mesma implorava por ajuda para encontrar seu marido. O choro, o pedido de ajuda e a dor daquela mulher me tocou profundamente. Eu me via nela, assim como me vejo no choro de todos os familiares e amigos de defensores de direitos humanos violentados em nosso país.

É um caso trágico, mas não posso deixar de pensar que essa é mais uma tragédia anunciada. Esse caso está intimamente relacionado ao desmonte de diversos programas de proteção e órgãos de fiscalização e monitoramento de atividades ilegais na região amazônica. Programas como o Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) que denunciamos em pesquisa do Instituto Marielle Franco de 2021 que vem sendo sumariamente desmontado, não tendo sua verba executada pelo atual governo federal, e demais órgãos como a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) onde Bruno Pereira era servidor licenciado após denunciar o atual presidente da fundação, Marcelo Xavier. O presidente da Fundação, que teria como objetivo a proteção dos povos indígenas do Brasil, em 2022, teve apenas dois encontros com indígenas registrados em sua agenda oficial, além de ter sido denunciado por ativistas como "inimigo de indígenas" e ser também acusado de ter relação com ruralistas.

O desmonte de outros órgãos como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) também contribuíram para um cenário onde defensoras da terra, servidores públicos, jornalistas, populações indígenas e quilombolas acabassem sem proteção e tendo seus direitos violados.

Sobre as violações contra esses grupos, a ONG Witness, em seu relatório "Última Linha de Defesa" de 2021, evidenciou a situação do Brasil. O Brasil é o 4º país que mais mata defensores da terra e do meio ambiente no mundo, sendo 75% dessas mortes ocorridas na Amazônia. Desde 2018, o governo de Bolsonaro priorizou as indústrias extrativas nas regiões da Amazônia e do Cerrado. Naquele ano, organizações de direitos indígenas e seis partidos políticos brasileiros alegaram que má administrçaão da Covid-19 pelo governo Bolsonaro poderia levar a um "genocídio" dos povos indígenas no Brasil.

Nossos defensores tem nome, famílias e pessoas que seguem por aqui arrasadas, como eu e toda minha família após a morte de Marielle, como a esposa de Dom Philipps, como família de Bruno, como comunidades indígenas que choraram e seguem cobrando por justiça por Cacique Emyra, liderança dos Wajãpi, assinado em 2019 por garimpeiros que depois invadiram sua aldeia, por Aruká, último ancião do povo Juma, que sobreviveu a um massacre nos anos 1960, mas morreu vítima da Covid-19 em 2021, por Ari Uru-Eu-Wau-Wau, integrante de um grupo auto-organizado de vigilância em defesa da floresta de Rondônia e que foi encontrado morto com sinais de espancamento em abril de 2019, como Maxciel Pereira dos Santos, servidor da Funai, assassinado a tiros no Amazonas em 2019 e tantos outros defensores que tiveram suas lutas e vidas interrompidas.

Não descansaremos até termos justiça por todas as vidas de defensores da terra e dos direitos humanos perdidas. Lutar pelos nossos direitos e territórios não pode significar um risco às nossas vidas. Que a família de Dom Phillips e Bruno Pereira um dia encontrem paz e que tenhamos justiça.