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Anielle Franco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Marília Mendonça, você virou saudade: perda terrível e poder da sororidade

Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

15/11/2021 06h00

"Ninguém vai sofrer sozinho
Todo mundo vai sofrer…"

Marília Mendonça, 1995 - 2021

Na tarde de sexta-feira (5), todo o país se chocou ao receber a notícia por telejornal de que o avião particular que transportava Marília Mendonça e sua equipe, para um show em Minas Gerais, havia caído. Pouco tempo depois, a confirmação de que a cantora, de apenas 26 anos, e outras quatro pessoas haviam morrido no acidente. Entre as vítimas fatais estavam o produtor Henrique Ribeiro, o tio e assessor de Marília, Abicieli Silveira, o piloto de avião Geraldo Martins e o copiloto Tarcisio Pessoa Viana. A tragédia que chocou o país, afetou diretamente ao menos cinco famílias. São fãs, mas também filhos, filhas, mães, pais e amigos desolados.

Imediatamente após a perda todos falavam disso, afinal, o país tinha perdido uma de suas maiores cantoras e compositoras e uma grande mulher. Marília, através de sua arte conseguia escrever, cantar e visibilizar a dor e potência do que é ser mulher em nosso país, sem fantasias, sem tornar mocinha ou vilã qualquer uma de nós, entendendo que todas erramos e todas sofremos em nossas vidas amorosas. Os títulos de "rainha da sofrência" e criadora do movimento "feminejo" eram celebrados pela cantora que cantava não apenas o sofrimento, mas também a delícia do que é ser uma mulher, com todas as nossas contradições. Em suas canções, Marília se colocava como uma amiga conselheira, e quem nunca deu ou recebeu conselhos semelhantes aos que a cantora deixava em sua música? A mensagem final quase sempre era "se valorize!" e "tenha amor próprio!", coisas que aprendi depois de muito choro, tombos e apoio de amigas.

Para além de suas canções e a forte lição de sororidade que elas traziam, a artista presenteou milhares de mulheres com seu jeito de ser divertido, alto astral, empoderada e com atitude. Era, afinal, uma verdadeira inspiração em tudo, tanto nas canções quanto na forma de se pôr no mundo. É isso que nós queremos, sermos livres para errar, acertar, nos aceitar e celebrar as mulheres que conseguimos ser.

Importante lembrar também que, diferentemente da maioria de seus colegas do mundo sertanejo, nos últimos anos e em especial desde o assassinato de minha irmã, Marielle, Marília Mendonça se posicionou sobre os acontecimentos políticos do nosso país e sobre os riscos de retrocesso para nossa democracia e para a vida de milhares de brasileiros. Quando Mari morreu, Marília publicou em sua rede uma mensagem de apoio para as milhares de mulheres que viam em Marielle uma inspiração. Ela escreveu: "Por favor, mulheres que estão à frente, que lutam por todas nós, não deixe que essa tragédia cale a voz de uma geração... Que a luta seja por Marielle, e pelas tantas outras e muitas que foram caladas à força bruta…".

Meses depois, já nas eleições presidenciáveis que levaram ao poder o presidente Bolsonaro, Marília assumiu a responsabilidade e se uniu ao potente movimento de mulheres daquela eleição, o #EleNão. Em um vídeo divulgado na época, ela defende de maneira firme sua posição de não compactuar com um candidato que disseminava ódio contra todos seus adversários e tentava alertar outras mulheres sobre o risco que estávamos correndo em votarmos em alguém misógino, racista e LGBTfóbico, ao declarar: "Não é uma questão de opção política, é uma questão de bom senso! A favor do amor e das nossas conquistas que não podem ser apagadas assim…". Ela era alguém que, assim como todas nós, mulheres, mães, donas de nosso próprio destino, não queríamos correr o risco de deixar um mundo pior para as gerações futuras.

Infelizmente, toda essa potência que Marília representou em vida, não foi suficiente para poupá-la mesmo após sua morte dos ataques machistas e misóginos da imprensa e mídia. Logo após sua morte, o colunista da Folha de São Paulo, Gustavo Alonso, escreveu um obituário que causou revolta e vergonha em todos nós. Ao invés de celebrar seus feitos como artista, que não eram poucos e nem difíceis de serem elencados, o jornalista preferiu desqualificá-la como cantora e falar de seu corpo. O mesmo aconteceu no programa de domingo da Rede Globo, quando o apresentador Luciano Huck, em um momento, falou que estavam apenas "metade" das cantoras em seu palco no mês anterior já que elas estavam "magrinhas, magrinhas" na época, em um comentário gordofóbico e infeliz para o momento de homenagem.

Com vozes potentes, com letras profundas e um repertório artístico completo, mesmo após sua morte, mulheres como Marília Mendonça ainda são lembradas e referenciadas pelo seu corpo, peso, ou imagem, em uma nítida persistência do machismo e gordofobia de nossa sociedade. Marília se foi, mas suas músicas e mensagens de sororidade e empoderamento feminino ficarão para sempre em nós, mulheres que seguimos lutando por mais espaço, mais respeito e maior reconhecimento de nós mesmas, enquanto profissionais e seres humanos que são capazes de tudo e qualquer coisa que quisermos em nossas vidas.