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Cúmplice por engano: quando comprar peça para seu carro vira um crime

Consumidor deve ficar atento para não cometer um crime na hora de comprar autopeças - Foto: Shutterstock
Consumidor deve ficar atento para não cometer um crime na hora de comprar autopeças Imagem: Foto: Shutterstock

Colaboração para o UOL

09/10/2022 04h00

O número de roubos e furtos de carros no estado de São Paulo aumentou 22,7% no primeiro semestre de 2022 em relação ao mesmo período de 2021. No decorrer do ano, a polícia realizou diversas operações contra desmanches de carros ilegais em todo o Brasil, inclusive um gigante a céu aberto, em Jardim Pantanal, Zona Leste da capital paulista, denunciado por UOL Carros. Mas a realidade é que a maior parte desses crimes tem objetivo em comum: a venda das peças roubadas, e um consumidor desavisado pode acabar preso também.

Rodrigo Boutti, gerente de operações da Ituran, empresa de rastreamento de veículos, explica que é no estado de São Paulo que acontecem 30% dos crimes de roubo e furto de veículos do Brasil, sendo que 75% deles são registrados na Região Metropolitana.

"As peças daqui são enviadas para todo o Brasil. Quando alguém compra um produto no mercado ilegal, está deixando o seu próprio veículo mais exposto à ação dos bandidos, pois a demanda por peças cresce. É um ciclo que se retroalimenta", alerta.

O objetivo do desmanche ilegal de carros é a venda de peças  - Reprodução - Reprodução
O objetivo do desmanche ilegal de carros é a venda de peças
Imagem: Reprodução

É nesse momento que entra o consumidor final que, mesmo com "boa-fé", pode acabar cometendo um crime que prevê de um a quatro anos de reclusão.

O Código Penal brasileiro trata como receptação culposa a falta de cuidado quanto à origem do objeto comprado ou recebido que tenha origem criminosa. Ou seja, se alguém compra a peça de um automóvel na internet por um preço mais interessante, sem nota fiscal ou garantia de procedência, pode estar cometendo esse crime, mesmo que não tenha a intenção de fazê-lo.

A lei fala em "adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte".

Como não cair em uma cilada

Antonio Fiola, presidente do Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos, explica que o primeiro passo para se livrar de problemas com a Justiça é, ao adquirir a peça, exigir nota fiscal.

"No documento haverá comprovação da procedência da peça. Agora, quando a pessoa encontra uma peça muito abaixo do preço de mercado em uma plataforma de e-commerce e não pede comprovação nenhuma ao vendedor, fica difícil provar inocência", alerta.

Fiola explica que existem desmanches legais, que recondicionam peças usadas de outros veículos, mas eles são cadastrados pelo Detran e seguem os protocolos de segurança. Ele alerta também que peças de segurança como freio, ABS, direção, airbags, entre outras, jamais podem ser reutilizadas. Ou seja, se não for nova e estiver à venda, provavelmente é produto de crime.

Rodrigo Boutti explica que é preciso tomar um cuidado extra na hora de comprar as peças pela internet, principalmente em sites em que pessoas físicas podem colocar produtos à venda.

"A chance dessas peças virem de desmanches ilegais e de carros roubados é muito grande. Se você vende em uma loja física, precisa atender à Lei do Desmanche, ou seja, tem que comprovar a origem da peça. Mas se você compra pela internet, sem saber se é uma loja que está comercializando, corre o risco de comprar uma peça roubada ou falsificada. É importante verificar sempre se o vendedor é confiável."

Para reduzir os crimes e, consequentemente, a oferta de peças roubadas no mercado, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirma que "trabalha diuturnamente para coibir todas as modalidades criminosas.

"O combate aos furtos e roubos de veículos é feito em diversas frentes com as operações desmanches, que já vistoriaram mais de mil locais que comercializam peças automotivas, de janeiro a agosto de 2022. O Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) também conta com a Divisão de Investigações sobre Furtos, Roubos e Receptações de Veículos e Cargas (Divecar), que está atenta aos sites de vendas ilegais de peças de veículos. Os endereços eletrônicos são constantemente monitorados pela unidade", completa.

Lei do Desmanche

As peças automotivas, em São Paulo, devem ter adesivo indicando procedência - Foto: Shutterstock - Foto: Shutterstock
As peças automotivas, em São Paulo, devem ter adesivo indicando procedência
Imagem: Foto: Shutterstock

Em vigor desde 1º de julho de 2014 no Estado de São Paulo, a Lei 15.276, mais conhecida como "Lei do Desmanche", foi implementada para controlar a atividade de depósitos, oficinas e empresas especializadas no comércio de peças retiradas de outros veículos.

A iniciativa, que regulamenta lei federal de mesmo teor, busca reduzir a incidência de furtos e roubos de automóveis e motocicletas para desmontagem e abastecimento do mercado ilegal de componentes veiculares usados. Dentre outras coisas, a lei determina que as empresas sejam cadastradas anualmente no Detran-SP e na Secretaria da Fazenda e Planejamento do governo paulista.

Além disso, todas as peças comercializadas têm de trazer um adesivo dotado de QR Code, o código bidimensional que possibilita o respectivo rastreio - ou seja, dá para identificar o tipo, a marca, o modelo e o ano do veículo de onde foi retirada. As empresas flagradas desrespeitando as regras são impedidas de seguir atuando no setor, informa o departamento estadual.

Como comprar peças mais baratas

Tomar um cuidado extra para não comprar peças roubadas não significa comprar apenas peças originais da montadora, existe um grande mercado alternativo, que não é produto de crime. A Anfape - Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças - explica que existem diferentes tipos de peças.

"As similares, por exemplo, são reconhecidas no mercado em que atuam, possuem a devida identificação de procedência e garantia. São aquelas produzidas por empresas independentes, encontradas nas lojas de autopeças?, explica a entidade.

"Há, ainda, outros tipos de peças, como as originais, produzidas pelos mesmos fornecedores das montadoras; as piratas - frutos da utilização indevida de marcas alheias - ou as usadas, que são demandadas de atividades de desmanche e, bem sabemos, uma quantidade substancial provém de furtos e roubos de veículos", completa.

Para a associação, a melhor opção entre elas são as similares, que podem custar até 50% menos do que as originais.

"A melhor opção é sempre a peça similar comercializada nos varejos de autopeças. A economia pode chegar a 50% do valor cobrado na concessionária. Mas, fique atento, as peças similares são oferecidas pelas fabricantes independentes, possuem procedência de qualidade e marca própria. Elas não são encontradas em desmanches ilegais", alerta a Anfape.

Essas peças são confiáveis?

Danilo Fraga, diretor de inteligência de mercado da Fraga Inteligência Automotiva, explica que devido ao tamanho e robustez do mercado, o consumidor poderá se deparar com produtos de diversos níveis de confiabilidade. Desde marcas que são as fornecedoras da montadora e que vendem o mesmo produto no mercado de reposição independente até produtos de baixo custo e qualidade.

"O fato da peça não ser genuína não desqualifica a procedência da mesma, afinal, existem centenas de fabricantes especializadas no mercado de reposição que possuem tecnologia e processos fabris que garantem excelência nos produtos comercializados", pondera Fraga.

Segundo Fraga, o reparador é o principal aliado do consumidor na escolha de peças. "Quando uma peça de má qualidade é instalada no veículo, a probabilidade de falha deste produto aumenta significativamente. Ocorrendo a falha técnica, o mecânico precisará novamente desmontar e refazer o serviço sem custos. Por esse motivo, é comum que algumas oficinas só ofereçam garantia integral do serviço quando elas próprias realizam a compra dos produtos."

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