Coração a R$ 1 milhão: órgão artificial ainda é sonho para a ciência

Em princípio, o coração é um órgão bastante simples. Quatro câmaras, algumas válvulas e tubos, fiação inteligente. E está pronta a bomba.

Mas se essa bomba não funcionar mais como deve, as coisas ficam tenebrosas. Em pessoas com insuficiência cardíaca grave, a bomba é tão fraca que não consegue mais movimentar o sangue de forma eficaz por todo o corpo. As pessoas afetadas ficam com falta de ar até mesmo quando estão em repouso. Seus órgãos não recebem mais sangue da forma ideal - e, portanto, não recebem oxigênio e nutrientes suficientes. A única saída muitas vezes é um novo coração.

No entanto, os corações de doadores são escassos. Na Alemanha, isto deve-se sobretudo ao fato de a doação de órgãos ter de ser ativamente consentida. Enquanto não houver doadores de corações suficientes, devem ser encontradas alternativas.

Adaptabilidade

Coração artificial é testado em cão, em 1959
Coração artificial é testado em cão, em 1959 Imagem: Keystone-France/Gamma-Rapho via Getty Images

Cardiologistas e cirurgiões cardíacos trabalham no sonho de um coração artificial há mais de 60 anos. Para corações gravemente doentes que não estão completamente danificados, existem agora sistemas que podem suportar partes do coração. Mas para os pacientes nos quais ambas as câmaras cardíacas estão gravemente danificadas, isso não é suficiente: eles precisam de uma substituição completa.

A pesquisa sobre esses modelos também vem sendo realizada há décadas. Em 1982, foi realizado o primeiro implante cardíaco permanente e completo nos EUA. Mas na maioria das vezes esses corações eram rudimentares. E também não eram adaptados às necessidades dos pacientes.

Por isso, quando o primeiro coração artificial realmente adaptado às necessidades do paciente foi implantado em Paris, há 10 anos, foi uma sensação.

O cabeça por trás da sensação, o cirurgião cardíaco francês Alain Carpentier, já havia se destacado com suas válvulas cardíacas para as quais ele usou superfícies biológicas em vez dos materiais artificiais habituais. As superfícies biológicas têm a grande vantagem de os pacientes não terem mais que tomar medicamentos anticoagulantes durante toda a vida. Porque esses medicamentos apresentam um alto risco de sangramento grave.

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Carpentier estendeu o material a todo o coração. E também fez muitos outros ajustes, usando principalmente sensores sofisticados. Assim, foi criado um coração artificial que pode se adaptar à atividade física de quem o usa. Pois quem não apenas fica deitado, mas também senta, caminha, corre e dança, precisa de um coração que possa suportar tudo isso.

Cerca de 50 implantados nos últimos anos

O primeiro destinatário do chamado coração Carmat foi um homem de 76 anos com um problema cardíaco grave. Ele viveu com a nova bomba por 74 dias. Nos últimos anos, muitos outros ajustes foram feitos, incluindo o material da superfície, o software, as bombas, segundo Stéphane Piat, chefe da empresa Carmat.

Cerca 50 cópias já foram usadas. Para 14 pacientes esta foi solução provisória até a chegada do coração de doador. O coração artificial ainda bate em cerca de 15 pessoas. As outras, já não vivem mais.

Iraj Gandjbakhch mostra modelo de coração artificial
Iraj Gandjbakhch mostra modelo de coração artificial Imagem: Alain Nogues/Sygma/Sygma via Getty Images

Problemas do coração Carmat

Às vezes, certas soluções podem ter problemas bastante triviais. O coração Carmat, por exemplo, é simplesmente grande demais. Isso significa que ele não é adequado para todas as caixas torácicas. Especialmente no caso de mulheres, ele frequentemente não pode ser utilizado.

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O coração também é muito complexo: consiste em cerca de 250 componentes. "Cada um deles pode quebrar ", explica Evgenij Potapov, chefe do programa de suporte circulatório mecânico do centro de cardiologia do hospital universitário Charité, em Berlim.

Isto o torna significativamente mais vulnerável do que corações artificiais mais simples. E, como sempre na vida, é preciso pagar caro pelas vantagens. O preço de pouco menos de 200 mil euros (cerca de R$ 1 milhão) por coração também não é exatamente pequeno.

"Segundo a empresa, cerca de metade dos pacientes que receberam o aparelho já não estão vivos após seis meses", diz Evgenij Potapov.

Um número bastante alto. Claro, isso não é apenas por causa do coração Carmat. Os pacientes que recebem esse tipo de coração geralmente estão gravemente doentes.

E, finalmente, há mais pessoas na lista de espera do que corações de doadores disponíveis. No entanto, para problemas cardíacos que não são tão graves, sistemas de apoio mais simples podem proporcionar alívio durante alguns anos - enquanto prossegue a procura por um órgão doado.

Ainda não é solução permanente

A dúvida permanece sobre se pessoas são capazes de viver a longo prazo com um coração Carmat. "Essa é uma boa questão", diz Piat. Após dez anos de pesquisa com cerca de 200 funcionários, isso não parece realmente um grande avanço.

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Mesmo assim, Stéphane Piat anuncia que a empresa avançará para uma terapia de longo prazo no próximo ano. Até agora, o coração Carmat só foi aprovado no mercado europeu como uma solução provisória. "Se a coisa tivesse apenas metade do tamanho e não tivesse problemas técnicos, eu apostaria no produto", diz Evgenij Potapov. Porém, no final de 2021, a empresa retirou seu coração do mercado por um ano porque os problemas de qualidade eram muito graves.

Enquanto isso, estão em andamento experimentos com o transplante de corações de porcos geneticamente modificados e a reconstrução de tecido cardíaco por meio de engenharia de tecidos. Os próximos anos mostrarão qual tecnologia estará à frente. E se a disposição para doação de órgãos tornará o problema pelo menos um pouco menor.

*Com Anna Carthaus, da Deutsche Welle

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