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'Vivi luto e questionei como seria futuro dela', conta mãe de menina albina

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

09/11/2022 04h00Atualizada em 09/11/2022 08h05

Mãe da pequena Nina, 3, a professora Sarah Barbaresco, 34, nunca tinha conhecido uma pessoa albina até o nascimento de sua filha. Sem saber nada sobre a condição, Sarah se informou, se capacitou e passou a aplicar em casa várias técnicas de estimulação com Nina.

Neste depoimento, a educadora, que mora com a família em Ariquemes (RO), conta como superou a fase de luto que viveu após o diagnóstico e como ressignificou sua maternidade. Unindo sua experiência de mãe e o conhecimento de uma cientista, Sarah lançou em outubro o livro "Descomplica Nina em a Fantástica Fábrica da Genética". A obra explica de forma lúdica o que acontece no momento da fabricação de um bebê para que ele nasça albino. A seguir, conheça a história dela:

"Nina nasceu de um parto cesárea no dia 30 de junho de 2019. Assim que a colocaram no meu colo, notei que o cabelinho dela era muito branco, achei estranho e pensei: 'Será que ela é albina?' Perguntei à médica se estava tudo bem com a minha filha e ela disse que sim.

Ao ir para o quarto e ter um contato mais próximo com ela, minha desconfiança só aumentou ao ver como a pele e o cabelo dela eram brancos, destoando de mim e do meu marido. Na visita da pediatra, perguntei se a Nina era albina.

Imagem: Arquivo pessoal

Ela disse que provavelmente sim, mas explicou que só a avaliação do oftalmologista poderia fechar o diagnóstico. Ela me deu um encaminhamento e dois dias depois levei a Nina em um especialista em retina.

Na hora que entrei na sala do médico, ele me perguntou se Nina era albina. Respondi que estava ali para saber isso. Ele fez um exame específico para ver se havia melanina na retina e confirmou o diagnóstico de albinismo oculocutâneo, que afeta os olhos, a pele, o cabelo e os pelos.

O oftalmo falou vários termos que eu desconhecia, disse que Nina seria uma deficiente visual —o que na minha cabeça eu imaginava que ela seria cega— e que ninguém queria ter um filho assim. A falta de empatia e de acolhimento dele foi algo que me machucou e tornou o diagnóstico ainda mais doloroso.

Fui a mais três oftalmologistas em busca de informações e de novas opiniões. Em uma dessas consultas, os médicos explicaram que a Nina tem baixa visão —enxerga 20% com os dois olhos— e que precisaria de estimulação visual.

Além disso, ela tem outros problemas oculares, como estrabismo, nistagmo, hipermetropia e fotofobia. Ela usa óculos de grau desde os cinco meses de idade para correção do estrabismo e faz acompanhamento oftalmológico a cada seis meses.

No começo, foi muito difícil aceitar que minha filha era albina e que teria uma deficiência visual, era um exercício diário vê-la além do diagnóstico. Vivi um luto que durou cerca de um ano. Nos primeiros meses de vida dela, evitava sair de casa porque era complicado lidar com a curiosidade das pessoas e ficar explicando o que nem eu entendia direito.

Por mais que tivesse o apoio da minha família, em especial da minha mãe, e do meu marido, que nunca julgou meus sentimentos, eu chorava muito e questionava como seria o futuro da Nina.

Imagem: Arquivo pessoal

Fui para as redes sociais, lá se tornou o meu lugar de aceitação. Criei o perfil @nina.albina e comecei a compartilhar a nossa rotina, as informações que descobria sobre albinismo e a me conectar com mães de crianças albinas e com pessoas desse universo.

Mesmo passando por esse processo, nunca deixei de cuidar e de buscar alternativas para ajudar no desenvolvimento da minha filha. Ela não tem nenhuma síndrome associada ao albinismo e nenhum comprometimento cognitivo e intelectual, mas precisa de alguns cuidados com a pele e de estimulação visual para potencializar o pouco de visão que tem.

Com um mês de vida da Nina, iniciei alguns exercícios que tinham como base usar cores de alto contraste ou estímulo luminoso. Ela brincava com móbile preto e branco feito com cartolina, eu deixava tecido preto com listras brancas no berço para ela ficar olhando, ou o globo de luz piscando no quarto escuro.

Passei a comprar roupas listradas ou com bolinhas para mim, usava esmaltes chamativos, passava batom vermelho para ela conseguir enxergar o movimento da minha boca quando eu falava com ela.

Estimulação visual geralmente é feita por profissionais especializados, como terapeutas ocupacionais, mas na época eu não conheci nenhum que atuasse com baixa visão. Então, eu mesma fui estudar, me informar, trocar ideias com profissionais de outros estados e comecei a fazer os exercícios com ela em casa mesmo.

Imagem: Arquivo pessoal

Conforme ela ia crescendo, fui ampliando novos estímulos, não só relacionados à visão, mas também atividades para coordenação motora, coordenação visomotora, equilíbrio, lateralidade, entre outros.

Sou professora de formação e diretora pedagógica de uma escola de educação básica, sempre atuei na educação, mas não diretamente com a primeira infância. Tudo o que aprendi das atividades que faço com Nina foi buscando informações na internet, lendo artigos, livros, conversando com profissionais da área da saúde e com outras mães.

Brinco que a Nina foi meu laboratório, fazia testes para ver o que dava certo e o que não dava. Tudo o que já fiz ou faço até hoje são coisas que qualquer pessoa pode fazer adaptando à sua realidade e necessidades.

Nina também precisa de cuidados com a pele, como usar protetor solar todos os dias, usar roupas com proteção UV em lugares abertos, evitar sair nos horários em que o sol está forte, ficar na sombra e usar óculos com lentes fotossensíveis que escurecem quando expostas à luz solar.

'Para quem ela puxou?'

Imagem: Arquivo pessoal

Quando eu, meu marido e a Nina saímos juntos é comum as pessoas ficarem olhando, perguntarem para quem ela puxou ou se ela é albina. Uma vez, a própria Nina já respondeu que é albina quando uma criança perguntou por que o cabelinho dela era amarelo. Ela ainda não entende exatamente a condição que tem, mas já tem consciência de que é diferente e que precisa de alguns cuidados.

Nina nunca sofreu preconceito de fora, ou se sofreu eu nunca vi ou foi muito velado. Na verdade, eu que tinha preconceito contra a minha filha e a estigmatizava por falta de conhecimento e de informação.

Achava que ela seria excluída por não enxergar perfeitamente e que teria uma vida limitada, mas estava enganada.

Com o tempo, passei a olhar minha filha com outros olhos, como um ser capaz que não se resume a um diagnóstico. Hoje falo abertamente sobre albinismo de forma leve e aceito a Nina do jeitinho que ela é.

Me tornei uma referência de maternidade albina, ajudo mães de crianças albinas que se sentem como um dia me senti. Em uma dessas conexões nas redes sociais, conheci uma cientista que já realizou alguns projetos relacionado ao albinismo e juntas lançamos um livro chamado "Descomplica Nina em a Fantástica Fábrica da Genética".

Imagem: Arquivo pessoal

No livro, eu e a Nina embarcamos em uma aventura na fábrica do bombom-melanina. De forma lúdica, aprendemos o que acontece no momento da fabricação de um bebê para que ele nasça albino.

O objetivo do livro é tirar o albinismo da invisibilidade, divulgar a condição e incentivar que as pessoas sejam mais empáticas e inclusivas com os albinos. Também queremos que eles se sintam representados ao lerem a história."

  • O que é o albinismo?

Albinismo é uma condição de natureza genética que tem como principal característica a falta de melanina, um pigmento produzido em nosso organismo e que apresenta diversas funções, entre elas, a proteção do material genético (DNA) que se encontra em nossas células, e o desenvolvimento correto de estruturas oculares, como no caso da retina.

No mundo, de forma geral, estima-se que 1 a cada 17 mil - 20 mil pessoas tenha albinismo. As prevalências podem variar de população para população —existem algumas localidades em que este número é bem maior, chegando a cerca de 1 por 200 em algumas populações indígenas nas Américas do Norte e Central, e 1 por 1.000 em algumas comunidades isoladas na África.

No Brasil, não existem dados oficiais, mas estima-se uma prevalência de 1 por 18 mil com variação entre grupos, possivelmente mais alta entre populações indígenas e quilombolas. Estudos raros sobre albinismo no Brasil apontam para essa tendência.

  • O que causa?

A produção de melanina é um processo complexo que envolve os produtos de diversos genes. Quando há falhas em um desses genes, a produção da melanina é comprometida, causando as características do albinismo, como a falta de pigmentação e o comprometimento visual.

  • Como se descobre o albinismo?

Exames realizados no pré-natal não detectam o albinismo. No ultrassom, por exemplo, a falta de pigmentação não aparece nas imagens porque não se reflete em alterações morfológicas visíveis em exames como esse. Sendo assim, os pais descobrem que a criança tem albinismo no nascimento.

  • Quais as características de uma pessoa albina?

Geralmente, pessoas com albinismo apresentam uma característica comum que é a falta de pigmentação na pele, olhos, cabelos e pelos, e algum grau de comprometimento visual —portanto, a visão pode variar de normal a subnormal. No entanto, vale ressaltar que essas características podem variar bastante entre as pessoas com albinismo.

  • Quais problemas de saúde são associados ao albinismo?
Imagem: Arquivo pessoal

Uma pessoa com albinismo é mais suscetível a queimaduras solares e a desenvolver cânceres de pele, uma vez que a falta de melanina deixa o indivíduo vulnerável aos efeitos nocivos da radiação ultravioleta, os famosos raios UV.

A baixa visão pode ter impacto na autonomia devido à falta de acessibilidade dos ambientes (escola, trabalho, etc), dificultando a inserção na sociedade. Além disso, o desconhecimento sobre a condição, em muitos casos, alimenta o preconceito e a discriminação, levando ao isolamento social.

  • Quais cuidados uma pessoa albina deve ter?

A falta de melanina vai demandar a necessidade de proteção solar por toda a vida, com uso de protetor solar com alto fator de proteção, roupas, chapéus e óculos escuros.

Além disso, é comum que pessoas com albinismo apresentem alguns problemas oculares como os erros refrativos, como miopia, astigmatismo, hipermetropia. No entanto, vale ressaltar que para a baixa visão não há correção, mas para os demais achados, os óculos de grau podem corrigi-los e melhorar a acuidade visual.

Pensando nesses dois aspectos, é recomendado que a pessoa faça acompanhamento com dermatologista e oftalmologista por toda a vida. Mas pensando no sentido de saúde mais amplo, o ideal seria que ela contasse com o apoio de uma equipe multidisciplinar, formada por geneticistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, entre outros.

Fonte: Lilian Kimura, doutora em genética pela USP (Universidade de São Paulo), membro do projeto de extensão da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) "As pessoas com albinismo e o direito à saúde", coordenadora de laboratório da startup gen-t. Autora da cartilha "Nasci sem melanina, como assim? Os desafios na vida de uma criança com albinismo" e do livro "Descomplica Nina em a Fantástica Fábrica da Genética".

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