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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Com síndrome rara, ela nasceu com pés virados para trás e ficou cega aos 15

Larissa Bonfá tem síndrome de Larsen Imagem: Arquivo pessoal

Priscila Carvalho

Colaboração para VivaBem

28/04/2024 04h05

A psicóloga e palestrante Larissa Bonfá, 39, passou por diversas cirurgias ao longo da vida. Tendo que lidar com uma síndrome rara e depois com problemas na visão, ela teve que se "virar" para se encaixar na sociedade.

Aprendeu braile em 15 dias, se formou em psicologia e, atualmente, enfrenta um câncer, descoberto em 2022. Mesmo diante de todos os problemas, ela não se abateu e segue lutando pela inclusão e conscientização nas causas sociais e direitos humanos. Abaixo, ela conta sua história:

"Minha mãe, ainda jovem, com 20 anos, sonhava em ser mãe. Durante a gestação, ela contraiu rubéola, uma doença que não apenas ameaçou a minha vida, mas também despertou preocupações sobre as possíveis complicações que eu poderia enfrentar. Naquela época ainda não havia uma vacina.

Nasci com os pés virados para trás, uma característica que assustou minha mãe. Ela chegou até a desmaiar ao ver que eu parecia não ter pés. Esse foi apenas o primeiro capítulo de uma jornada repleta de desafios.

Ela achou que tinha sonhado e meu pai explicou que não era um sonho. Por algum tempo, ela ficou me evitando e não lidava muito bem com isso. Um pouco depois, quando dezenas de médicos ficaram 'em cima de mim', ela começou a desenvolver amor e me ver como filha.

Depois de alguns dias, ainda no hospital, fui diagnosticada com a síndrome de Larsen, uma condição rara que afeta a estrutura óssea do corpo. Quando tive alta do hospital, tive que usar gesso para arrumar os quadris e, até os dois anos, fiquei com vários aparelhos que ajudaram nesse processo.

A condição resultou em diversas cirurgias ortopédicas ao longo dos anos, uma luta constante para corrigir deformidades e manter minha mobilidade.

Catarata ainda bebê

Mas os desafios não pararam por aí. Aos seis meses, descobri que tinha catarata congênita, uma condição que afetou significativamente minha visão desde pequena.

Minha mãe brincava comigo e eu não respondia aos seus estímulos. Quando não era sonoro, não respondia. Ela procurou um oftalmologista e o profissional disse que nasci com catarata.

Fui submetida a procedimentos cirúrgicos, mas naquela época não existia conhecimento sobre a cirurgia a laser e a medicina oftalmológica acreditava que os olhos paravam de crescer aos 18 anos de idade, logo, apenas aos 18 anos poderia ser implantada a lente chamada cristalino. Os procedimentos feitos eram os únicos disponíveis na época.

Com um ano já tinha feito 18 cirurgias, 9 em cada olho.

Comecei a enxergar com um ano e meio, e depois mais velha, para ler e fazer atividade, eu usava lupa e lentes de aumento. Também tinha a visão bem turva por causa do glaucoma que tive, diagnosticado aos meus 10 anos em consequência das cirurgias de remoção da catarata.

Mesmo após várias cirurgias, incluindo a remoção da catarata, minha visão permaneceu turva e limitada.

Fiquei cega totalmente em agosto de 2000, e tive que me virar para estudar e fazer minhas coisas. Hoje, enxergo tudo como se fosse branco, somente dessa forma.

Ao longo dos anos, enfrentei inúmeras cirurgias e desafios de saúde, mas nunca perdi minha paixão pela vida e minha vontade de fazer a diferença. A cegueira pode ter roubado minha visão física, mas nunca minha visão de mundo ou minha determinação.

Infância e adolescência difíceis

Minha infância foi marcada por dor física e emocional. Não era uma criança que brincava livremente. Em vez disso, assumi o papel de "a filha terapeuta", sempre presente para confortar e apoiar os outros. A inclusão social era um desafio diário, com bullying na escola e a constante sensação de ser diferente.

Cheguei a ouvir que nunca ia casar, ter filhos e que não iria conseguir trabalhar nem como faxineira.

À medida que crescia, percebi que minha condição não definia quem eu era. Encontrei força em pessoas que enfrentaram desafios semelhantes e, aos 15 anos, conheci alguém que mudaria minha perspectiva para sempre.

Um rapaz com deficiência, que me mostrou que meu lugar era onde eu escolhesse estar, e não onde os outros me colocavam. Ele foi meu primeiro namorado e seguimos juntos por dez meses.

Superação e faculdade de psicologia

Imagem: Arquivo pessoal

Apesar das adversidades, segui com os meus sonhos. Decidi ser psicóloga aos meus 8 anos de idade, quando fiz o meu primeiro tratamento psicoterápico. Durante minhas consultas, deixei as condições de filha, irmã, sobrinha e prima terapeuta para entrar em contato com as minhas dores, externalizar minhas mágoas, tristezas e impotências. Aprendi braile em 15 dias e continuei meus estudos, formando-me em psicologia. .

Consegui me formar, fiz estágios. Em psicologia tem muitos testes visuais, e até nisso me adaptei. Hoje, sou psicóloga e palestrante, compartilhando minha história de superação e oferecendo suporte a outros que enfrentam desafios semelhantes.

Curiosamente, tive poucos pacientes com deficiência. Os que atendo, inclusive, me falam que preferem ter uma psicóloga cega, pelo fato de não se sentirem julgados. A cegueira aproxima.

Minha jornada não foi fácil, mas cada obstáculo me tornou mais forte. A cegueira não é uma limitação, mas, sim, uma oportunidade de enxergar o mundo de uma maneira única.

Hoje, além de psicóloga clínica, sou escritora, palestrante e psicóloga social ligada aos direitos humanos. Defendo todas as formas de inclusão: combate ao capacitismo, LGBTQIAP+fobias, racismo, misoginia, xenofobia, quaisquer manifestações de discriminação e bullying.

Descoberta de câncer

Foi em 2022 que minha vida tomou um rumo inesperado. Devido à deformidade nos meus pés, precisei passar por um procedimento de cantoplastia para corrigir uma infecção persistente no canto das unhas.

Durante esse processo, exames de rotina revelaram alterações na tireoide. E o que inicialmente parecia uma complicação menor, revelou-se ser um diagnóstico um pouco mais preocupante: câncer de tireoide.

O câncer, infelizmente, não parou por aí. No final de 2022, descobri que ele havia se espalhado para o meu tórax, e em 2023, a batalha se intensificou com metástases na pele e em ambos os quadris.

O tratamento oncológico tornou-se uma parte integral da minha jornada. Me trato com quimioterapia oral e imunoterapia, na luta contra a disseminação do câncer para órgãos vitais.

Apesar de todas as dificuldades, estou determinada a continuar inspirando outros a nunca desistirem dos seus sonhos, assim como nunca desisti dos meus."

Síndrome de Larsen: o que é, sintomas e tratamento

A síndrome de Larsen é uma condição genética rara que afeta o desenvolvimento de vários ossos do corpo. É causada por uma mutação no gene FLNB (filamina B), que é fundamental para o desenvolvimento normal dos ossos do corpo ainda durante a gestação.

Descrita pela primeira vez pelo médico Loren J. Larsen em 1950, a síndrome afeta aproximadamente 1 em cada 100 mil bebês a cada ano e pode resultar em alterações músculo-esqueléticas e faciais.

Esta condição pode ser identificada durante o acompanhamento pré-natal, por volta das 18 a 20 semanas de gestação, por meio de sinais observados em ultrassonografia, como alterações nas articulações e na face.

As crianças afetadas pela síndrome de Larsen podem apresentar uma variedade de sintomas, incluindo:

  • deformidades na coluna vertebral
  • distúrbios nos pés
  • deslocamento de quadris, joelhos e cotovelos
  • baixa estatura
  • articulações frouxas
  • entre outros

Além disso, características faciais distintivas, como testa proeminente, ponte nasal achatada e fenda palatina, também podem estar presentes.

O tratamento é multidisciplinar e varia de acordo com as necessidades individuais de cada paciente.

Enquanto em alguns casos um monitoramento cuidadoso pode ser suficiente, em outros pode ser necessária intervenção cirúrgica para corrigir aspectos específicos da doença. O tratamento pode incluir opções não cirúrgicas, como órteses e fisioterapia.

Apesar dos desafios enfrentados, as crianças com síndrome de Larsen geralmente levam uma vida normal com cuidados médicos adequados. No entanto, algumas podem experimentar dores e luxações articulares ao longo da vida, podendo necessitar de próteses ou outras intervenções médicas conforme envelhecem.

Fontes: Daniel Ferreira Fernandes Vieira, médico ortopedista e professor de medicina da PUC-PR e Roberto H. Herai, doutor em genética e biologia molecular pela Unicamp e pós-doutor em pediatria, medicina celular e molecular pela Escola de Medicina da Universidade da Califórnia San Diego (EUA).

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