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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Sentir ódio nem sempre é ruim e pode estimular mudanças

Imagem: iStock

Janaína Silva

Colaboração para o VivaBem

02/07/2022 04h00

Você se recorda a última vez que foi tomado pelo sentimento de ódio? Apesar de ser um sentimento temido pelas pessoas, ele pode ter seu lado positivo e ser capaz, até, de estimular atitudes favoráveis.

"A questão será o que fazer com ele e como realizar a mudança. Sentir raiva de alguém ou de uma situação pode ser o primeiro passo positivo, como sair de um relacionamento tóxico", exemplifica Paula Dione Casais, médica psiquiatra do HUPES-UFBA (Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia), vinculado à Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).

Para ela, os tipos de ódio podem trazer consequências diferentes. Por exemplo, o que decorre da inveja pode dar lugar a um drama social, por fazer ver que o outro constitui obstáculo à satisfação de seu desejo pessoal. Esse ódio invejoso tem parentesco com a agressividade e constitui fonte de destruição pessoal e coletiva.

"Já o do tipo narcisista dificulta o convívio em sociedade, por ser avesso à alteridade. Alguns autores sugerem, no entanto, que durante o desenvolvimento psíquico se faz necessário algum processo de ódio, discutido nesses contextos como algo que ajuda a separar-se do eu", diz a psiquiatra.

Priscilla Godoy, psicóloga da Unidade Campo Belo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, enfatiza que o prejudicial, no geral, é como as pessoas se comportam diante do sentimento de ódio e não ele em si.

No campo individual, ele costuma desencadear reações orgânicas similares às do estresse. "Do ponto de vista coletivo, o ódio é capaz de levar a manifestações de hostilidade, agressividade e prejuízo da urbanidade, dificultando o convívio com a diversidade e a tolerância com o outro", diz Casais.

É fácil comprovar como a emoção é capaz de mobilizar multidões e provocar os mais variados conflitos. Demonstrações desse tipo têm ocorrido com muita frequência na internet. Os chamados "haters" (ou "odiadores") se apropriam da sensação de anonimato e dão voz aos discursos de ódio.

"As redes sociais desumanizam o interlocutor, logo fica mais corriqueiro desferir uma ofensa a alguém que não está presente fisicamente. Quando pessoas se mobilizam pelo ódio ao mesmo objeto, seja a uma ideia, um partido político ou até mesmo outra pessoa, elas se fortalecem, pois sentem que não estão sozinhas. E todo esse processo se mantém protegido pelo anonimato. Assim, pode-se dizer que as pessoas se unem pelo amor ou pelo ódio em comum", diz André Luis Masiero, psicólogo do Departamento de Atenção à Saúde da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

O que é o ódio

No dicionário, ele é definido como antipatia ou aversão. Trata-se de um sentimento negativo em que se deseja mal ao sujeito ou ao objeto odiado, relacionado com a inimizade e a repulsa, como esclarece Casais.

A emoção é visceral e está atrelada a frustrações: é gerada pela impossibilidade de satisfação de interesses ou ideologias pessoais e, também, pelo medo que surge provocado pelo instinto de autopreservação.

Ao sentir a ameaça, o indivíduo é tomado pela aversão, seguido do desejo de ataque e eliminação da pessoa ou objeto odiado. Porém, Masiero ressalta que nem sempre a ameaça é real. "O ódio pode ser despertado por uma fantasia."

Nas palavras da psicóloga Priscilla Godoy, natural, o ódio é produzido por nosso cérebro com intuito de proteção. "O gatilho que desperta diferentes emoções varia de pessoa para pessoa. Isso tem a ver com a história e as experiências vividas, o meio cultural e social, assim como valores morais, necessidades, crenças sobre si, sobre a vida e personalidade", acrescenta.

O estado emocional também varia de acordo com a intensidade, que pode ser de um aborrecimento à fúria, acompanhado por uma estimulação do sistema nervoso autônomo, e com o passar do tempo. "Enquanto o ódio se refere a um sentimento, a agressão seria um comportamento destrutivo e punitivo, acompanhado ou não da repulsa", pontua Godoy.

Sentir ódio é normal e pode até levar a coisas boas, como fugir de situações (ou relações) que não nos fazem bem Imagem: iStock

Como o ódio age no cérebro

O ódio envolve mais de um mecanismo cerebral, além de se associar a experiências anteriores vividas. O psicólogo da UFSCar afirma que o sistema límbico é o principal responsável pela regulação emocional, mas há outros envolvidos, como o córtex pré-frontal, que é encarregado do controle da impulsividade e na correta avaliação crítica do contexto.

Existem algumas características específicas das estruturas límbicas que contribuem para a modulação do sentimento de ódio e do comportamento hostil. Uma delas é que cada região do sistema límbico recebe sinais sensoriais terciários —auditivos, visuais, olfativos e gustativos ou uma combinação deles—, sendo responsável por fornecer qualidades emocionais a tais sinais. "Dessa forma, uma dada situação é neutra, inicialmente, mas é associada a estados específicos de emoções positivas ou negativas após passar pelo sistema límbico", descreve a psicóloga Priscilla Godoy.

Casais pontua que a experiência objetiva vivida será processada pelo córtex associativo, porém a vinculação dessa experiência com memórias e sensações pessoais dará lugar ao processamento de uma experiência subjetiva, com ativação de áreas cerebrais como hipocampo e amígdala.

"O hipotálamo, por meio de sua conexão com o sistema nervoso autonômico e o sistema endócrino, levará à expressão visceral das emoções experimentadas", resume.

Afinal, o ódio é o oposto do amor?

Conflitantes, os sentimentos estão mais próximos que parece. "Eles não têm um objeto a priori, assim é possível amar o que deveria ser odiado e odiar o que deveria ser amado, sendo a indiferença o contrário do amor. Em grego, apatheia significa estar insensível às paixões", afirma Masiero.

Já autores ligados à psicanálise descrevem o ódio enquanto par inseparável do amor, por vezes chegando antes —nas primeiras sensações desagradáveis da vida—, por vezes simultâneos, na ambivalência afetiva, e em outros momentos advindo como consequência do próprio ato de amar.

"Segundo esse olhar, o amor tende a transformar-se como efeito de uma frustração, a partir da qual o indivíduo odeia, passando a perseguir, com intenção de destruir, o objeto que constitui uma fonte de sensação desagradável para ele", diz Casais.

O psicólogo Masiero explica que isso é normal e marca uma fase do desenvolvimento das crianças, nos acessos de raiva, falarem que odeiam os pais, por exemplo. "A separação entre amor e ódio no desenvolvimento humano parece um processo trivial, mas não é. Essa matriz infantil permanece no adulto e, às vezes, o faz sentir repulsa, ainda que momentânea, por alguém que ama. Por isso, é normal senti-lo, inclusive pelo objeto amado. O que pode indicar algum problema é sentir ódio de tudo o tempo todo."

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