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'O 'B' é o meu lugar', como Luisa Sonza, bissexuais lutam por visibilidade

Luísa Sonza é uma das apresentadoras do 'Queen Stars Brasil', reality de drag queens da HBO Max Imagem: Divulgação

Rute Pina

De Universa, em São Paulo

25/03/2022 15h24

"O 'B' é o meu lugar. Tá respondido, né?", disse Luisa Sonza durante a entrevista do lançamento do reality show "Queen Stars Brasil", que busca formar um trio de cantoras drag queen. Ao lado de Pabllo Vittar, ela apresenta o programa e foi, mais uma vez, criticada nas redes sociais por isso. Sonza teve que reafirmar o porquê está à frente de um reality LGBTQIA+: ela é bissexual.

Segundo o Manifesto Bissexual Brasileiro, o termo define pessoas para quem o gênero não é um fator impeditivo de atração sexual ou afetiva.

A cantora de 22 anos já tinha se pronunciado sobre sua orientação sexual em maio de 2021, quando gravou uma música com Carol Biazin e deu um beijo na cantora no clipe. Mas a declaração não foi suficiente para barrar os comentários dizendo não entender a participação dela no reality show.

A advogada Amanda Claro, mestre pela Universidade de Westminster, no Reino Unido, e co-autora do livro "Vidas LGBTQIA+: reflexões para não sermos idiotas", afirma a Universa que a necessidade constante de ter que reafirmar pertencimento é um dos sintomas mais comuns do apagamento bissexual.

"Pessoas bissexuais não se sentem pertencentes tampouco são acolhidas, de fato, nem pela comunidade LGBTQIA + nem por heterossexuais. Ficam em um limbo, um 'não-lugar'. E isso é em decorrência de uma questão que pouco se fala, que é a mononormatividade", afirma.

A "mononormatividade", define a advogada, é um padrão social que impõe às pessoas que apenas seria possível se interessar sexual ou afetivamente por um único gênero. "Ou eu gosto de homem ou eu gosto de mulher. Ou eu sou lésbica ou eu sou hétero. Esse padrão social não permite a existência de pessoas monodivergentes, que são as pessoas bissexuais, pansexuais e polissexuais", diz Amanda.

"Temos o costume social de identificar a sexualidade das pessoas a partir do dado de com quem elas se relacionam. Se vemos um casal de homens, chamamos de casal gay, se vemos um casal de mulheres, chamamos de casal lésbico, se vemos um casal e homem e mulher, chamamos de casal hétero. Mas todas essas seis pessoas podem ser bissexuais", continua.

Claro afirma que, geralmente, as pessoas bi são vistas como instáveis ou promíscuas. "Como a nossa sexualidade não está tão evidente porque não é aferível por observação imediata, isso lança dúvida sobre a sexualidade de todo mundo e causa medo", diz.

Já o estereótipo da promiscuidade é uma das ferramentas de exclusão. "Como somos uma orientação sexual considerada 'instável' e que ameaça a estabilidade das outras, o caminho é nos considerar perigosos de diversas maneiras. Esse perigo e instabilidade é trazido através da atribuição de adjetivos que denotam inconfiabilidade e nos desumanizam: promíscuo, mentiroso, indeciso, traidor, portador de ISTs."

Por isso pessoas bi vivem em um lugar de constante necessidade de afirmação de sua sexualidade o tempo inteiro para ser levada a sério. "É interessante por que, para monossexuais não héteros — gays e lésbicas por exemplo —, o momento da "saída do armário" é considerado um momento divisor de águas, super difícil, que muda sua vida", analisa a advogada.

Então, pedir que Luísa ou qualquer pessoa bi que justifique sua presença em espaços LGBTQIA+ é também uma violência e de exclusão. "Bissexuais são obrigados a 'sair do armário' muitas vezes na vida. Toda vez que negam a sexualidade da Luisa Sonza ela é obrigada a passar por mais uma saída do armário. E isso não é justo, é ficar obrigando pessoas bis a passar por momentos de angústia e stress constantemente", afirma.

"Por esses pequenos e grandes atos de exclusão, e ao se construir uma sociedade mononormativa em que sua orientação sexual é apagada e tratada como inexistente, pessoas bi vão adoecendo."

Bi não é "metade hétero"

O influenciador trans Nick Nagari é bissexual e cria conteúdo sobre bissexualidade e transgeneridade nas redes sociais. Ele afirma que a bifobia é bastante presente na sua vida, mesmo que de forma velada. Ele conta que a experiência mais marcante foi quando eu ainda estava se descobrindo e foi comentar sobre uma menina para um grupo de amigos.

"Metade da galera disse que eu era hétero e tava querendo chamar atenção, e a outra metade disse que eu era lésbica e tinha que me assumir logo. Ali eu internalizei que não tinha como ser como eu era, que realmente eu teria que 'escolher' dizer que gostava de homens ou dizer que gostava de mulheres porque a possibilidade de me atrair por todos os gêneros parecia não ser real."

Para Nagari, uma das maiores faces da bifobia é a invisibilidade. "Nossa sociedade é toda dividida de forma binária: homem/mulher, hétero/homo, branco/negro. Sempre uma classe que detém o poder e a outra classe marginalizada. Por isso, no caso da sexualidade, soa como se a hétero e a homossexualidade fossem as duas únicas existentes e por isso a bissexualidade não é vista como uma orientação possível, concreta."

Ele afirma que a bissexualidade é vista, muitas vezes, como uma combinação da hétero e da homossexualidade. "Como reflexo disso, as pessoas entendem que nós temos algum tipo de privilégio por causa dessa 'metade hétero', dependendo de quem nos relacionamos, e muitas vezes nos tratam como se fôssemos 'héteros purpurinados', só 'nos aceitando' quando vivemos um relacionamento com alguém do mesmo gênero. Se a Luisa tivesse namorando uma mulher, duvido que esse questionamento seria feito."

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