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'Pedido de socorro': por que elas usaram Instagram para denunciar violência

Franciane Andrade contou, na rede social, ter sido dopada e estuprada em festa de rodeio em Jaguariúna Imagem: Reprodução

Camila Brandalise

De Universa

18/12/2021 04h00

Foi em um momento de desespero que a estudante universitária e influenciadora digital Franciane Andrade, 23, publicou em seu Instagram um vídeo contando ter sido dopada e estuprada no rodeio de Jaguariúna (SP) no dia 27 de novembro. Aos prantos, a jovem tinha acabado de ouvir de um médico que fora vítima de violência sexual dois dias antes. Sem se recordar de nada, recorreu às redes sociais para pedir ajuda. Queria que seus seguidores pressionassem a organização do evento para que contribuíssem com a investigação.

Deu certo. Prontamente, o rodeio procurou Franciane para colaborar com o caso. Além disso, ela recebeu milhares de mensagens de apoio, suporte e encorajamento. "Ainda estou em um momento muito ruim, de tristeza, angústia e revolta, mas o apoio das pessoas nas redes sociais ajuda demais", diz ela a Universa. "E muitas mulheres que sofreram violência sexual também me escreveram dividindo suas histórias." Mesmo que em anos anteriores o movimento de recorrer às redes sociais para relatar uma violência já acontecesse, a prática parece ter aumentado ainda mais em 2021. Para especialistas, esse é um sinal positivo.

"O fato de haver essa tendência de comportamento, de fazerem denúncias nas redes, mostra uma mudança de pensamento da coletividade. Claro que há o lado negativo, de ataques. Mas estamos vendo que as violências contra a mulher, seja física, psicológica ou sexual, é considerado crime pela maioria das pessoas", afirma a psicóloga Katia Rosa, especializada em violência de gênero e liderança do projeto Justiceiras.

"Depois que relatei violência domésticas no Instagram, agressor nunca mais me procurou"

A empresária Mayara Duarte Calderone, 37, decidiu postar fotos do seu rosto machucado em setembro de 2021, após ser agredida pelo ex-marido. Ela conta ter sido constantemente atacada por ele desde que se separam, e em um dos episódios o agressor chegou a descumprir medida protetiva. Mesmo assim, o caso estava estagnado na Justiça. As imagens e seu relato viralizaram.

"Foi como um pedido de socorro, para não ser mais uma vítima fatal. Pensei que quanto mais pessoas soubessem, mais o inibiria de fazer algo. Desde o ocorrido, ele nunca mais sequer entrou em contato. E o processo, coincidentemente, andou muito mais rápido", diz.

"Mas também foi difícil. Era um momento que eu já estava fragilizada e teve muita repercussão. Tive que lidar com tudo isso. Mas não houve ataques. Diretamente, só uma pessoa disse que eu também era culpada. Recebi inúmeras confissões de outras mulheres que também passam ou já passaram por violência, mas não tiveram a mesma coragem do que eu."

"Justiça já reconhece que mulher tem o direito de fazer denúncias online", diz advogada

É comum em casos de denúncias públicas de violência o agressor tentar silenciar a vítima abrindo processos por difamação, exigindo que a mulher não fala mais sobre o caso ou que apague suas postagens. No direito, isso é chamado de assédio judicial.

A advogada especializada em direitos da mulher Izabella Borges, que atua no caso da atriz Duda Reis, explica, porém, que a jurisprudência brasileira já considera como constitucional o direito de a vítima relatar os fatos e as experiências que viveu nas redes. Dá como exemplo o caso da própria Duda, que denunciou, em janeiro deste ano, violência doméstica praticada pelo ex-namorado.

"Quando ela recorreu às redes sociais para relatar o que viveu, o Leno [primeiro nome de Nego do Borel] entrou com ação cível tentando impedir que ela pudesse falar sobre os fatos e pedindo que a postagem fosse tirada do ar. Naquela ocasião, o juiz deu uma decisão dizendo que a mulher vítima de violência tem seu direito constitucional de liberdade de expressão reconhecida e por isso pode narrar o que viveu", afirma Borges.

A advogada ressalta apenas que é importante tomar alguns cuidados para não dar brecha para uma ação. "Ao narrar os fatos, conte apenas o que aconteceu, evite dar adjetivos ao agressor, pois poderia incorrer em um crime contra a honra", diz.

Borges adverte apenas para o risco de ataques. "Nos casos midiáticos é o que mais acontece, como advogadas delas posso dizer que essa é uma grande dor delas. As pessoas acham que a vítima ganha algum benefício, está denunciando porque quer mídia, novos seguidores. A gente não pode ser mais um agente opressor", afirma ela, que também atua no caso de Franciane Andrade ao lado da advogada Luciana Terra Villar.

Em entrevista a Universa em setembro, a advogada do cantor, Elizabeth Medeiros Pinto, reforçou que ele é inocente e que a defesa vem trabalhando para comprovar sua inocência.

"Comecei a receber mensagens com relatos íntimos de outras mulheres", diz vítima de importunação sexual

A estudante universitária Mariana Muharre, 21, postou um vídeo, em agosto, gravado dentro de um ônibus. Um homem havia sentado ao lado dela, colocou o órgão sexual para fora da calça e começou a se masturbar. Mariana conta que quando se deu conta do que estava acontecendo, teve o impulso de começar a filmar e a reclamar para que alguém a ajudasse a expulsar o agressor do ônibus. O caso pode ser considerado crime de importunação sexual.

"Ninguém fez nada. Mas ele ficou constrangido e desceu. De qualquer maneira, me ajudou muito ter postado. É comum que só depois que aconteceu a gente perceba essas violências que sofre por ser mulher. Então foi bom para mim, porque vi que sou mais forte do que imagino, e para encorajar outras vítimas e denunciar", diz.

Depois da postagem, Mariana diz que recebe mensagens de mulheres a todo momento contando que também foram assediadas, com relatos íntimos de desconhecidas. "A exposição gerou uma identificação de várias outras vítimas. Dá para ver nas mensagens que elas só querem alguém para desabafar, conversar."

Postar nas redes é uma forma de lidar com o trauma, mas não deve ser única

Para o psiquiatra Thiago Apolinário, especialista em sexualidade humana pela USP (Universidade de São Paulo) com pesquisa na área dos traumas causados pela violência sexual, pode ser muito saudável para a vítima partilhar seu sofrimento.

"Um dos sintomas do estresse pós-traumático é a sensação de distanciamento, alheamento, como se não conseguisse se conectar com as pessoas, e a ideia de que o mundo é um lugar perigoso", explica o médico. "Quando a vítima consegue superar as barreiras da vergonha e do constrangimento e cria uma rede em que pessoas se apoiam, como pode acontecer ao contar um caso nas redes sociais, isso vai tirando ela de um lugar de isolamento", diz.

Apolinário estende sua análise para outros tipos de violência de gênero e diz que, apesar de ver o lado positivo das redes sociais nesses casos, não deve ser a única maneira de lidar com o episódio traumático. "Não é saudável ficar dependente das respostas a uma postagem, por exemplo. Uma exposição que não seja cuidadosa, feita por uma pessoa ainda muito vulnerável, pode ter consequências danosas se não houver o apoio que se espera, se for revitimizada."

Como obter ajuda e denunciar

Se você está sofrendo violência de gênero ou conhece alguém que esteja passando por isso, pode ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo Whatsapp no número (61) 99656-5008.

Para fazer uma denúncia formal, procure a delegacia próxima de sua casa ou então faça o boletim de ocorrência eletrônico pela internet. Outra sugestão, caso tenha receio de procurar as autoridades policiais, é ir até um CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) ou CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) da sua cidade. Em alguns deles, há núcleos específicos para identificar que tipo de ajuda a mulher agredida precisa, psicológica ou financeira, por exemplo, e dar o encaminhamento necessário.

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