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Projeto de fotógrafa exalta corpos femininos reais e sem retoques de imagem

Uma das fotos do projeto de Maria Ribeiro que pretende ajudar mulheres a fazer as pazes com a própria imagem Imagem: Maria Ribeiro

Natália Pinheiro

Colaboração para Universa

28/03/2021 04h00

Corpo para o verão, daquele considerado "capa de revista" e que recebe muitas curtidas e comentários positivos nas redes sociais. Essa pequena descrição já é capaz de gerar uma imagem específica na cabeça das mulheres: de um corpo sem estrias, celulite ou dobras. Adicionando a edição de imagem, a situação pode chegar a um nível muito longe da realidade, como já percebeu a fotógrafa Maria Ribeiro: "As pessoas sabem que existe o uso de Photoshop mas não acho que elas entendem a profundidade disso. Não é apenas a retirada de uma ruga ou celulite - mudam a proporção dos traços da pessoa e a transformam em outra", explica em entrevista a Universa.

Durante boa parte da carreira, a paulista de 35 anos fotografou campanhas publicitárias. Tudo começou a mudar quando ela percebeu que fazia parte de um mecanismo que colaborava para que outras mulheres não se sentissem bem com seus próprios corpos, inclusive ela. O contato mais profundo com o feminismo ajudou a querer mudar de vez o rumo da carreira.

As pessoas que Maria Ribeiro via nos ensaios não eram as mesmas que estavam nos produtos finais. E isso também afetava as modelos plus size com quem ela já trabalhou em Nova York. Elas chegaram a relatar para a fotógrafa que não se reconheciam em diversas imagens que já haviam sido publicadas e que aquele processo todo afetava a saúde mental delas.

"Você vê que todo mundo perde. Elas perdem porque sabem que não aparentam daquela maneira e nós perdemos porque acreditamos que elas têm aquela aparência. Todo mundo fica mal", aponta Maria.

Uma das imagens da série "Nós, Madalenas", da fotógrafa Maria Ribeiro Imagem: Maria Ribeiro

O contato mais profundo com o feminismo e a busca pela cura das violências que a fotógrafa sofreu como mulher foi o que deu mais um impulso para o nascimento do "Nós, Madalenas - Uma Palavra pelo Feminismo".

Nesse projeto de 2014, cem mulheres foram fotografadas com uma palavra escrita em seus corpos, com batom, que representava o feminismo para cada uma delas. As fotos sem photoshop e em preto e branco se transformaram em um livro publicado em 2015 pela Fonte Editorial, contendo também relatos dessas mulheres ao lado de suas fotografias. Em 2016, Maria Ribeiro foi premiada pela ONU Mulheres com o Prêmio Ivone Herberts, o que ressaltou ainda mais a relevância do seu trabalho e a relação desenvolvida com os direitos das mulheres.

Mais que fotografá-las, ajudar as mulheres a fazer as pazes com o corpo

Maria Ribeiro foi premiada pela ONU Mulheres pela relevância do seu trabalho e relação com os direitos das mulheres Imagem: divulgação

Após o "Nós, Madalenas", a fotógrafa continuou dando protagonismo à voz e aos corpos das mulheres: registrou indígenas, quilombolas e sertanejas. Em cada projeto, Maria sentia a necessidade de fazer daquela experiência algo transformador para as mulheres que fotografava - mas percebeu também como elas ficavam nervosas e inseguras.

"Eu comecei a buscar ferramentas para que não fosse uma experiência dolorosa, mas percebi como o buraco é fundo. Independentemente das opressões sociais, eu não encontrei até hoje nenhuma mulher que não tivesse uma relação dolorosa, em alguma medida, com o próprio corpo"

A solução que Maria construiu para essas questões foi encontrar elementos que auxiliassem o início de um processo de cura. A partir disso, todos os seus projetos buscavam chegar nesse lugar. "E aí eu percebi que, pra mim, já não estava sendo suficiente apenas fotografar as mulheres. Eu queria que elas fizessem as pazes com o próprio corpo", conta.

Assim, as vivências fotográficas foram moldadas de acordo com os seus conhecimentos em movimentos corporais, técnicas de respiração, meditação e os estudos sobre aromaterapia e música. Maria Ribeiro fez da sua vivência fotográfica um espaço seguro e acolhedor para as mulheres dispostas a se despirem para as suas lentes - e para elas mesmas.

Um dos objetivos de Maria em suas vivências é ajudar as mulheres a ressignificarem a imagem dos próprios corpos. Imagem: Maria Ribeiro

Muito mais do que o resultado final, a experiência como um todo é bastante importante para Maria e as fotografadas. "Fui criando um processo muito próprio e de muita troca e escuta para desenhar uma experiência individual para cada mulher, de acordo com tudo que a gente conversou sobre trajetória, dores, alegrias, prazeres, as preferências e o biotipo delas", explica Maria sobre a entrevista que ela faz com as mulheres muito antes do ensaio em si e todo o trabalho que ela desenvolve para que o momento das fotos se torne um ritual de autoconhecimento e autocuidado.

Com a pandemia, Maria também pesquisou diferentes maneiras de realizar os ensaios, como foi o caso do projeto "Pela Tela, Pela Janela", em que as fotos foram feitas por vídeoconferência. Desde março deste ano, a fotógrafa está em Caraíva, na Bahia, para realizar as vivências fotográficas que ela chama de "Ensaios no Paraíso".

Um dos objetivos da fotógrafa em suas vivências é ajudar as mulheres a ressignificarem a imagem dos próprios corpos. Ela se apoia em conceitos como o Mito da Beleza, de Naomi Wolf, para entender como a ideia de beleza formada na cabeça das mulheres acaba se voltando contra elas mesmas - e como é necessário que isso seja mudado: "Somos bombardeadas a nossa vida inteira por um padrão estético específico e com imagens artificiais, cheias de maquiagem, photoshop e manipulação", reflete.

A fotógrafa diz que cria um espaço acolhedor para as mulheres fcaram mais à vontade para se despirem para as suas lentes Imagem: Maria Ribeiro

"Quando a gente olha o nosso corpo no espelho, aquelas características ali não dão match com o que internalizamos como sendo um signo do belo". É por isso que Maria Ribeiro propõe o que ela chama de "substituição do banco de dados", um movimento ativo em busca por mais diversidade em suas referências. "Quanto mais a gente, de forma consciente, consumir diversidade e inclusão relacionadas a um signo de beleza, mais ampla será a nossa concepção do que é bonito", diz.

Só que também há dificuldades no meio do caminho. Até hoje, diversas fotos que Maria posta em suas redes sociais são apagadas e já foram muitos os comentários negativos que ela recebeu lá no começo da divulgação do projeto "Nós, Madalenas". Por outro lado, existe muita satisfação em ajudar e se conectar com tantas mulheres.

"Não é fácil, já pensei em desistir muitas vezes porque é sempre nadar contra a corrente. Mas quando eu recebo depoimentos do tipo 'depois de ter sido fotografada por você, consegui colocar biquíni na praia' ou 'saí de um relacionamento abusivo', 'comecei a trabalhar com o que eu realmente gosto pois tive mais confiança na minha capacidade e em mim mesma'... Faz tudo valer a pena".

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