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"Namorou metade do condomínio": frase de Bolsonaro sobre filho é machista?

Jair Bolsonaro em coletiva de imprensa realizada em 5 de maio Imagem: Reprodução/Youtube

Nathália Geraldo

De Universa

06/05/2020 17h30Atualizada em 06/05/2020 17h43

O presidente Jair Bolsonaro repetiu, em conversa na frente do Palácio da Alvorada na tarde de terça (5) com seus apoiadores, a declaração de que seu filho Jair Renan Bolsonaro, o "04", namorou "metade do condomínio" em que a família mora, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Ele já havia falado isso anteriormente, como no pronunciamento de 24 de abril, após Sergio Moro pedir demissão do cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública.

A declaração, desta vez, provocou risos do próprio Bolsonaro e do público que o assistia. "No meu tempo não tinha isso, era mão na mão e olhe lá", continuou o presidente. Identificar — e, de certa forma, comemorar — a "pegação" do filho pode ser considerada uma fala machista? Especialistas acham que sim.

"Meu filho namorou metade do condomínio"

Parte do longo discurso de Bolsonaro em resposta à demissão do agora ex-ministro Sergio Moro e, mais recentemente, um trecho de fala aos seus apoiadores foram dedicados a explicações sobre investigações da morte da vereadora Marielle Franco.

Neste contexto, o presidente resolveu comentar sobre a possível relação de Jair Renan (ou apenas Renan, como se apresenta nas redes sociais) com a filha do policial aposentado Ronnie Lessa, que mora no mesmo condomínio que o clã Bolsonaro e é um dos acusados do crime.

"Para tentar dizer que eu conhecia o ex-policial militar que mora no meu condomínio, um dos dois acusados de matar a Marielle, pintou aquela história de que meu filho 04 teria namorado a filha dele. Eu descobri a verdade e falei para o Sergio Moro: 'Levanta o caso do meu filho'", disse, para os apoiadores.

"Ele diz que a filha dele nunca namorou meu filho, porque ela sempre morou nos Estados Unidos. E meu filho tem 21 anos agora, eu perguntei para ele: 'E essa menina?'. Ele falou: 'Pai, não lembro, namorei metade do condomínio'".

Entre risadas, um dos interlocutores comenta: "Não puxou o pai, não, né?". Bolsonaro continua: "No meu tempo não tinha isso, era mão na mão e olhe lá. O pai é camisolão [algo como homem que se anula frente à parceira, subserviente]. Não puxou o pai, não."

Filho viril, namoradas objetificadas

Para a mestre em Gênero, Mídia e Cultura Joanna Burigo, a fala de Bolsonaro se sustenta em um ideário machista por dar mais ênfase à virilidade do filho do que a qualquer outra característica pessoal que ele tenha.

"A virilidade do garoto, já que ele tem 21 anos, é o que o qualifica como sujeito homem na visão do pai. Então ele usa os supostos apetite e sucesso sexuais do filho como provas incontestes de seu valor como pessoa", analisa a especialista, que também é fundadora da Casa da Mãe Joanna, coletivo de comunicação e educação sobre gênero, e coordenadora pedagógica da Emancipa Mulher, organização de formação feminista e antirracista.

"E para ele é óbvio que o ideal de humanidade é um homem, visto que a filha, uma mulher, foi fruto de uma 'fraquejada' [Bolsonaro disse isso em 2017, ao elencar quantos filhos tem]."

Para a escritora Marcella Rosa, autora do livro "Guia Prático do Feminismo: Como Dialogar Com um Machista" (editora Letramento), doutora em Crítica Literária e pesquisadora do feminismo há dez anos, o comentário sobre a quantidade de mulheres que o "04" supostamente namorou carrega o sentido de objetificar essas parceiras — como se elas fossem algo para se acumular.

"O corpo de uma mulher vira objeto. E ele acha que se relacionar com muitas é algo vantajoso e positivo, aproveitando o privilégio masculino de poder ser assim", avalia Marcella, que também fala sobre feminismo em seu perfil no Instagram. "Mesmo que a gente pense que essas mulheres também podem ter múltiplas relações, para elas isso é uma desvantagem. Então, [dizer que é a mesma coisa] seria uma falsa simetria."

Denotar orgulho pelo fato de que um homem é o "pegador" e "garanhão" é uma postura que está dentro do conceito de masculinidade tóxica, já que, por essa lógica, é ele quem deve "passar o rodo", ter o máximo de parceiras possíveis e, se possível, não se apegar a nenhuma.

E se fosse uma mulher?

Joanna explica que fazer o exercício de perguntar "e se fosse uma mulher?" pode ser mais contundente para entender o machismo que está por trás da declaração de Bolsonaro. "Na nossa cultura há poucos registros, se é que há algum, de pais ou mães se gabando de suas filhas por elas terem 'dado para todo o condomínio'", afirma.

Pelo contrário. Entram na roda frases machistas como "ela é rodada", "ela não é para casar", entre outros comentários que desqualificam a mulher e oprimem sua liberdade sexual.

'Mimimi'?

Apesar de ter sido levada em tom de brincadeira pelo presidente e seus apoiadores, reforçar o machismo assim não é 'mimimi', como alguns acreditam. Isso também interfere nas lutas das mulheres por igualdade de gênero.

"Pode parecer secundário frente às urgências, mas é parte fundamental dessas mesmas lutas. O sexo e a sexualidade são dois de muitos contextos em que se acumulam as diferenças com que homens e mulheres são tratados socialmente", diz Joanna.

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