Em uma reportagem da revista Piauí, publicada na última sexta (4), o repórter João Batista Jr. descreve, a partir de entrevistas com 43 pessoas, acusações de assédio sexual e moral contra o ex-diretor da Globo Marcius Melhem. Não se falou de outra coisa naquele e nos dias seguintes. Uma das mulheres que relata o assédio é a também humorista Dani Calabresa. As outras mulheres, segundo a reportagem, pedem anonimato pela "ojeriza que sentem de reviver, agora publicamente, a dor e o constrangimento pelos quais passaram". Naquele mesmo dia, Melhem deu uma entrevista para a editora-chefe de Universa, Dolores Orosco, e para o colunista do UOL Mauricio Stycer em que refuta acusações de violência sexual: "Fui um homem tóxico, um marido péssimo, uma pessoa que cometeu excessos ao se relacionar com pessoas do seu próprio ambiente de trabalho", disse Melhem na entrevista. "Embora confesse os meus excessos, eu jamais tive alguma relação que não fosse consensual." Em entrevista à nossa colunista Nina Lemos e ao colunista do UOL Leonardo Sakamoto, as representantes das funcionárias da Globo que denunciaram Melhem —Manoela Miklos, do grupo Agora é que São Elas, e Mayra Cotta, advogada criminalista— falaram sobre como essas mulheres têm medo de se expor: "Elas são revitimizadas pela sociedade", disseram. Universa continua acompanhado a história, que ainda deve dar muito pano pra manga, com reportagens e análises de nossas colunistas, que já tiraram algumas lições do caso: 1. Muita gente ainda não sabe o que é assédio sexual. Você sabe? Pela lei, o assédio sexual só existe se houver uma diferença hierárquica entre agressor e vítima. É o caso, por exemplo, de um chefe que constrange uma funcionária a dormir com ele sob ameaça de ela perder o emprego, como explicou uma matéria da nossa repórter Camila Brandalise. "Mas também pode ser de professor contra aluna, de profissional de saúde contra paciente e até pastor contra o fiel que congrega na igreja", afirma a advogada criminalista Maira Pinheiro, especialista em questões de violência de gênero. 2. Os discursos de defesa são parecidos. Em artigo para Universa, a advogada Isabela Del Monde, do Me Too Brasil, aponta semelhanças entre os discursos de Marcius Melhem e do ex-produtor de Hollywood Harvey Weinstein, condenado a 23 anos de prisão por má conduta sexual. Ambos alegam que tudo que fizeram foi consensual, afirmam estar em descompasso com os dias de hoje e pedem uma segunda chance. "Só o tempo e o futuro nos dirão se as coincidências —ou padrões— entre ambos serão mantidos", escreve Isabela. 3. Violência disfarçada de brincadeira perpetua o assédio. Como aponta nossa colunista Maria Carolina Trevisan, o assédio "vive nesse lugar nebuloso onde a violência aparece disfarçada de 'amizade', 'brincadeira', 'intimidade', 'irreverência'". Por isso, o caminho para denunciar assédio sexual no Brasil pode ser, como diz Trevisan, uma grande penitência. "Dani foi submetida a reviver diversas vezes os abusos sofridos. Viveu uma sobreposição de violências." 4. Homens que parecem legais podem ser assediadores. A atriz Letícia Spiller foi, recentemente, criticada nas redes após dizer em um programa que Melhem é uma pessoa "querida, de bom coração" e que teria virado um "mártir" da situação. Além de apontar um uso bem equivocado da palavra mártir, nossa colunista Luciana Bugni fez um alerta: "se os assediadores tivessem as caras de mau dos vilões dos filmes, eles não fariam tantas vítimas". Ela ainda aponta como ajudar mulheres que denunciam assédio: "Nosso papel, como mulheres e como cidadãs, é ouvir as histórias delas sem julgamentos, por mais que o acusado seja alguém querido". 5. A união das vítimas é essencial. Em entrevista à nossa colunista Nina Lemos, as representantes das mulheres que acusam Melhem de assédio, Mayra Cotta, advogada, e Manoela Miklos, cientista política, dizem que a união dessas mulheres deu força à denúncia. "Esse tipo de estrutura [do assédio] se alimenta de romper vínculos. Se essas mulheres trocam, dialogam, cai esse pano. E muito do que elas achavam que eram rusgas, pequenos desentendimentos, eram criados pela estrutura do Marcius. É bonito ver a restauração das relações", diz Manoela Miklos. |